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Kambô ou Kapun

Kambô ou Kapun

Terri Valle de Aquino & Marcelo Piedrafita Iglesias

Ensinamentos do velho Raimundo Luis, Tuinkuru, sobre uma famosa perereca verde de noss grande floresta chamada de kapun pelo seu povo Yawanawá da TI Rio Gregório, no município de Tarauacá.

 

O conhecimento tradicional associado ao uso da secreção do leite da Phyllomedusa bicolor, como o Kapun é chamado por herpetólogos e biólogos, como um poderoso medicamento e purgante, é partilhada, como diz o velho Raimundo, por outros povos indígenas do Acre da família linguística Pano, sobretudo pelos Katukina, que o chamam de kampo ou kambô, pelos Kaxinawá, que o denominam de kãpun, pelos Jaminawa dos vales do Acre e Alto Purus, e ainda pelos Marubo e Mayoruna (Matsés) do Vale do Javari, no sudoeste do estado do Amazonas.

Raimundo Luis Tuinkuru, 78 anos, professor da cultura tradicional do povo Yawanawá

Nos últimos anos o uso da secreção do kapun, um anuro que gosta de viver nas proximidades dos igapós, trepados nas árvores ou no chão, perto da água e também na terra firme, ganhou notoriedade nacional entre as populações dos centros urbanos do país como um fabuloso estimulante cinegético.

Justamente nos primeiros cinco anos desse novo século e milênio. período que coincide com o início da pavimentação da Br 364, no trecho Cruzeiro do Sul a Rio Branco, o uso do kapun foi amplamente divulgado em vários jornais e revistas de circulação local, regional e nacional. No entanto, no século passado, as informações sobre o uso do sapo kampo ou kambô, como dizem os Katukina, estiveram restritas às publicações acadêmicas.

Como lembra minha amiga Edilene Coffaci de Lima, antropóloga da Universidade Federal do Paraná que escreveu sua dissertação de mestrado e tese de doutorado sobre os Katukina dos rios Campinas e Gregório e recentemente publicou o artigo Do kampo ao kambô: transformações do uso do sapo verde entre os Katukina, há exatos oitenta anos, o padre espiritano Constantin Tastevin havia registrado seu uso entre populações indígenas do alto Juruá. Publicado na revista francesa La Geographie, em 1925, o texto desse padre, Le fleuve Muru, faz a primeira descrição científica sobre o uso da secreção dessa famosa perereca verde como um estimulante cinegético. Sua descrição vívida sobre o uso da secreção desse sapo verde entre os Kaxinawá, tal como explicitada abaixo, foi feita a partir das aplicações de sapo que observou entre esses índios que viviam, e ainda vivem, no alto rio Muru, principal afluente da margem direita do rio Tarauacá, em cuja foz encontra-se a cidade de mesmo nome.

O exército de batráquios é incontável. O mais digno de ser notado é o campon dos Kachinaua. (…) Quando um indígena fica doente, se torna magro, pálido e inchado; quando ele tem azar na caça é porque ele tem no corpo um mau princípio que é preciso expulsar. De madrugada, antes da aurora, estando ainda de jejum, o doente e o azarado produzem-se pequenas cicatrizes no braço ou no ventre com a ponta de um tição vermelho, depois se vacinam com o leite de sapo, como dizem. Logo são tomados de náuseas violentas e de diarréia; o mau princípio deixa o seu corpo por todas as saídas: o doente volta a ser grande e gordo e recobra as suas cores, o azarado encontra mais caça do que pode trazer de volta; nenhum animal escapa da sua vista aguda, o seu ouvido percebe os menores barulhos, e a sua arma não erra o alvo.

Em 2001, a revista editada pelo governo da floresta, a Outras Palavras, publicou uma reportagem sobre o uso do leite do sapo kambô entre os Katukina e seringueiros, descrevendo detalhadamente a famosa injeção ou vacina de sapo verde entre as populações indígenas e tradicionais da floresta do vale do Alto Juruá acreano.

Em 2002, o uso da secreção do kapun foi amplamente divulgado em um programa de reportagens da TV Globo.

Em 2003, o jornalista carioca, Zuenir Ventura publicou um livro em homenagem aos 15 anos da morte de Chico Mendes, em que um dos seus capítulos sugestivamente intitulava-se O quente agora é o kambô, onde descrevia o seu uso pela população acreana, sobretudo de Rio Branco. Nesse mesmo ano, 13 matérias sobre o kapun foram divulgadas nos jornais locais. –

Em abril de 2004, no contexto do uso crescente e indiscriminado do kapun, tido como uma substância particularmente eficaz na cura de enfermidades para as quais a medicina ocidental não tem tido sucesso em tratar, como diz a colega antropóloga Edilene Lima no referido artigo, a propaganda na Internet sobre esse famoso sapo verde foi proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Nesse mesmo ano, além de continuar sendo notícias nos jornais acreanos, a revista Globo Rural estampou em sua capa um kapun na mão de um índio Katukina da TI Campinas. A matéria descrevia o uso tradicional do kambô entre os Katukina, tidos como os maiores usuários do leite do sapo verde, denunciando a biopirataria na Amazônia. Assim o kampo, junto com os Katukina, ganhou fama nos primeiros anos do século XXI, diz novamente Edilene Lima, a antropóloga dos Katukina.

Recentemente, em decorrência de uma carta enviada à ministra Marina Silva por quatro lideranças Katukina, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que tem como uma de suas principais missões garantir a conservação e uso sustentável da diversidade biológica, genética e cultural, promoveu o Primeiro Seminário Técnico do Projeto Kampô, coordenado pelo PROBEM (Programa Brasileiro de Bioprospecção e Desenvolvimento Sustentável de Produtos da Biodiversidade) do MMA. Este projeto, em fase inicial de implementação, conta com o assentimento dos índios Katukina, Kaxinawá e Yawanawá de nosso estado, e a colaboração e parceria de importantes instituições públicas federais e estaduais, como a Embrapa, Funasa, Ministério da Saúde, Governo do Estado do Acre, Funai, Ibama, Instituto do Coração de São Paulo (Incor) e as Universidades Federais do Acre (UFAC), Amazonas (UFAM), Ceará (UFC), Paraná (UFPR) e Brasília (UnB? ), além da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e outras secretarias do MMA.

O projeto tem um caráter integrador, no sentido de procurar estabelecer uma conexão entre o saber tradicional, associado ao uso etnofarmológico do Kampô, por povos indígenas, a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico a partir desse etnofármaco para a geração de novos produtos por empresas e instituições de pesquisa nacionais. Dentro desse processo, o objetivo é garantir a proteção do conhecimento tradicional e a repartição de benefícios oriundos das inovações, para os detentores destes conhecimentos e práticas associadas ao patrimônio genético, como diz o texto ainda preliminar do Projeto Kampô do MMA.

O papo de hoje é justamente sobre a fineza dos conhecimentos e práticas associadas ao uso da secreção do kapun pelo povo Yawanawá. O autor desses ensinamentos, como dito no início desse Papo, é o nosso velho amigo Raimundo Luis Yawanawá, a quem chamo de verdadeiro professor da Universidade da Floresta. Aliás, no dia em que um índio for contratado para ensinar nesta Universidade, como proponho que seja o velho Raimundo Luis, eu também vou trabalhar lá com pesquisador das populações indígenas e tradicionais do vale do Alto Juruá acreano.

Vamos ler com muita atenção os finos ensinamentos desse velho mestre Yawanawá, Raimundo Luis Tuinkuru, sobre o uso do kapun pelo seu povo. Em 22 de maio próximo, o velho Raimundo está completando seus 78 de vida, bem vividos e cheios de muito amor e interesse sobre esse famoso sapo verde das florestas acreanas. Parabéns antecipados meu grande amigo Raimundo Luis. Parabéns também para você e todos os representantes e lideranças indígenas do Acre e do sul do Amazonas pelo dia do índio, 19 de abril, embora saiba que para vocês todo dia é dia de índio. (Txai Terri Aquino)

 

Kapun é vida, saúde, alegria e sucesso -Yawanawá

Raimundo Luis Yawanawá

 

Em primeiro lugar, o kapun é usado por vários povos indígenas. Aqui no Acre, nosso povo Yawanawá e os Katukina tomam muito kapun. Kaxinawá e Jaminawa também tomam pouco. Também ouvi dizer que os Marubo e Mayoruna do Vale do Javari também tomam. Então, o kapun é um conhecimento tradicional partilhado por muitos povos.

A gente não usa o kapun sem dieta. Tem muitas estórias antigas sobre a vacina do kapun. É uma cultura nossa. Por isso, o kapun pra nós é uma coisa muito importante, que aprendi com meu pai.

O kapun é um sapo verde que gosta mais de viver na beira do igapó. A gente pega sempre eles na beira do igapó. Tem kapun que vivem trepado (nas árvores) e outros que vive no baixo e outros na terra firme. Então, tem diferentes tipos de kapun, conforme o lugar onde eles moram.

Ele é um animal que não canta em qualquer tempo. No verão, não canta. Canta muito no inverno, adivinhando chuva. O kapun cantou, então, vai chover logo. Quando canta, é aquela zuada doida, que se escuta de longe. Canta na boca da noite e de madrugada. Tem hora pra cantar. Agora, no verão ninguém ver kapun não, porque eles não cantam. Ele é diferente.

 

Remédio poderoso

Então, o kapun é um remédio muito poderoso. A gente quando vai tomar kapun não é só uma pessoa não, é muita gente. Tem que combinar com o aplicador pra tomar kapun, explicar direitinho por que quer tomar e os motivos que escolheu pra tomar kapun com ele. Não é qualquer um que pode aplicar vacina do kapun. A pessoa quando vai tomar kapun porque tá sentindo qualquer coisa no corpo, ou fraqueza, dor de cabeça, reumatismo, dor de barriga, diarreia, a comida fez mal, está com preguiça, ou porque dorme demais, está amarelo, com anemia, bucho grande, come barro, tá com febre. Cada um que toma, dá o seu parecer, explicando por qual motivo quer tomar. Vou tomar porque estou sentindo isso, vou tomar porque estou sentindo aquilo e assim vai. Outros ainda dizem assim, vou tomar kapun porque tomei cipó (ayhuasca) e o cipó, tomando demais, e comendo todo tipo de comida, sem fazer dieta, também ofende, mas o kapun limpa até tontice de cipó. Então, pra você ficar livre da tontice do cipó, e voltar ao normal, então, precisa tomar kapun.

Alguns caçadores tomam kapun pra tirar a panema. Chegam e afirmam: – estou panema, preciso matar caça e não mato nada. Ontem fui caçar e achei as caças brabas, me sentiam de longe e fugiam. Passei o dia todinho com sono e não matei nada. Cada um tem que explicar seu motivo ao aplicador do kapun decidir quantos pontos vão queimar no braço, ou na perna, se for mulher e criança. Aí queima a pele com a brasa da ponta do cipó titica, pra em seguida colocar o leite do kapun em cima. A mulher também pode dizer assim: – vou tomar kapun porque ganhei nenem e tá completando um mês de resguardo, por isso preciso tomar também. Isso não é coisa de agora, é coisa de nossa cultura antiga.

 

Criança também toma

A criança também toma porque tá amarela, com anemia, com bucho grande, parece que tá comendo barro, não sei o que. – quem sabe alguma comida fez mal? Vou tacar kapun nele, diz a mãe, ou a avó. Hoje em dia tem remédio pra verme, você compra na farmácia, mas naquele tempo antigo remédio pra verme era injeção de kapun. Criança quando tá amarela e com bucho grande, tomando kapun fica forte e corada. Por isso, a gente diz que kapun é vida, é saúde, é alegria, é sucesso na caçada. A pessoa que não toma kapun, não tem felicidade, não tem saúde completa. Então, o kapun é tudo pra gente, porque ele serve pra matar caça, ele serve pra curar doença e preguiça. A minha mãe, que era uma mulher Katukina, dava kapun até em crianças de um ano. Do nosso conhecimento, o kapun nunca matou ninguém, nunca fez mal a ninguém. Qualquer criancinha de mais de ano, nós damos kapun. Numa criança só dá um ponto. Também depende de onde tira o leite do corpo do kapun, se tira das pernas e barriga é mais fraco, se tira da cabeça e das costas é mais forte. O leite da cabeça é o mais forte que tem, a pessoa incha muito, vomita muito, fica com muito calor, suando muito. Se a pessoa não tiver uma natureza forte, fica deitado no chão, sem força pra se levantar enquanto não passar o efeito. Essa experiência nós também temos do kapun.

 

Mulher grávida não toma vacina de sapo

Só quem não pode tomar kapun é mulher grávida. Mulher grávida não pode tomar, porque ofende o feto. No final do resguardo, a mulher, que perdeu muito sangue quando descansou o neném, precisa tomar essa vitamina do kapun que é pro corpo e o sangue dela voltarem ao normal. Só o poder do kapun pode curar a fraqueza do corpo e limpar o sangue dela.

 

A dieta do kapun

Durante um mês não se pode comer qualquer comida, principalmente aquela que é proibida. Tem muita comida que a gente proíbe a mulher, a criança e o rapaz novo comerem, quem come essas coisas são só os velhos e as velhas. Se um rapaz toma kapun pra matar caça, não deve comer nada doce. Então, não come doce, não come banana madura nem mamão e não chupa cana. Se tiver mulher, não dorme com sua mulher de jeito nenhum, dorme separado. Então, são duas coisas pra matar caça. Não tocar em doce e em mulher. Se cumprir essa dieta, fica feliz, fica forte, fica matador de caça. Mas se tocar em doce e dormir com mulher, então tem que fazer novo tratamento. Depois que toma kapun, o aplicador passa a dieta e você tem de cumprir a dieta. Os pais também ficam preocupado e dizem pro filho assim: – rapaz, você tomou kapun, não deve comer isso, não deve tocar naquilo. Tem que fazer a dieta recomendada. Tem alguns peixes que também não pode comer, quando tá fazendo tratamento com kapun. Tem o piau, curimatã e surubim que não pode comer. Tem também outros peixes que não pode comer. Isso é da cultura antiga. Agora da caça a gente não pode comer qualquer macaco, nambu preta e outros animais. Então, a pessoa, tomando kapun e fazendo a dieta, se transforma. Nós damos kapun até nos cachorros. O índio gosta de criar cachorro pra acuar caça, não é pra ficar guardando a casa. Cachorro que não quer ir pra mata acuar caça, a gente dá kapun que ele fica logo esperto e fica bom pra acuar caça.

 

Soldados tomaram kapun pra curar malária

O kapun já foi aprovado há muito tempo entre os seringueiros das cabeceiras do rio Gregório. Durante a segunda guerra mundial chegaram muitos soldados da borracha, que a gente chamava de brabo, brabo assim na seringa. Naquele tempo, chegou mais de 40 brabos pra cortar seringa no Caxinauá com o patrão Antonio Carioca. Então, naquele tempo chegou muita gente do Ceará pra cortar seringa nas cabeceiras do Gregório. Enquanto o patrão mandava reabrir as colocações e limpar as estradas de seringa nos centros, eles ficavam na margem batendo campo da sede do seringal Caxinauá. Naquele tempo, nós não conhecia o que é malária, quem sofria de malária eram esses brabos.

Naquela época, morreram tantos brabos que nem chegaram a cortar seringa. Como estava morrendo três, quatro brabos por dia, o patrão chamou meu pai e disse: – Antonio Luis, dá sapo nesses brabos, senão eles vão morrer tudim de malária. Porque ele sabia que o kapun curava muitas doenças, inté a malária. Meu pai, então, tratou eles com injeção de sapo. Eles não sabiam o que isso, pensava que era pra comer o sapo. Uns disseram que não tinham coragem, outros que tinham nojo. Outros disseram que iam tomar porque já tinham experimentado vários tipos de remédio e não tinham ficado bom. No final da estória, quem fez o tratamento completo do kapun, tomando três vezes, dia sim e dia não, ficaram bom. E quem não tomou injeção de sapo, acabou morrendo.

Um desses brabos, que escapou da malária, ficou conhecido como família do Kapun. Não é índio, não. É um seringueiro branco da família do Kapun. Quando ficou bom, ele mesmo dizia que de agora em diante ele ia ser conhecido como da família do Kapun. O nome dele é Ricardo. Ricardo Kapun. Hoje em dia, toda a família desse Ricardo tem o sobrenome Kapun. Ficou com esse nome justamente porque escapou de morrer de malária, tomando injeção de sapo. A família dele até hoje tem sobrenome de kapun.

 

Estimulante

Quando um jovem Yawanawá quer ser um bom matador de caça, toma muito kapun e cumpre a dieta. Não come nem doce nem dorme junto com mulher. Quando você não toma kapun, fica com o corpo pesado. Mas quando toma e faz a dieta, corre na mata e não faz barulho. A felicidade, a boa sorte, aquela força, aquele talento vem tudo do leite de kapun. O caçador anda maneiro na mata. Ouve zuada das caças de longe. Fica com a visão apurada, ver até mesmo quando as caças se encondem nas ramagens, folhas e cipós. E não erra o tiro, pois fica bom de pontaria. O kapun ajuda o caçador a ficar bem concentrado, prestando atenção nos sinais da natureza e ainda fica mentalizando que vai encontrar e matar caça. A caça fica mansa, meio lerda, não sente o pixé do caçador nem nada. Quem toma kapun e faz dieta, volta sempre com caça grande pra casa.

Por que nós tomamos kapun? É pra ficar forte, pra ficar bem esperto, sem preguiça e qualquer zuadinha se acorda, tá no ponto de correr, tá no ponto de pular. Tinha um sobrinho de meu pai, o Paixão, que nunca caiu, porque desde cedo tomava kapun, tomava banho bem cedo e fazia dieta. Ele era um bom caçador e quando entrava na mata não tinha caça que escapava da mão dele.

 

Kapun também é bom pro amor

Além disso, quando um homem é infeliz pra mulher, se tomar kapun, assim como a caça vem, a mulher também vem e não sabe nem porque. Então, o leite de kapun é um grande sucesso. Além de fazer bem à saúde, o cara fica feliz pra mulher. E a mulher que não tem sorte pra arranjar marido, quando toma kapun, fica do mesmo jeito, de repente aparece alguém que queira ela. As vezes tem que escolher com quem vai ficar, porque aparecem vários pretendentes, não vem só um, não. Então, o kapun pra nós também é um grande sucesso no amor. Quando toma kapun, fica com muito poder. Esse é um poder do bem, da felicidade, da alegria. Então, a energia do leite do kapun tem o poder de transformar as pessoas, de tornar uma pessoa saudável no corpo e espírito.

 

A cura com vômito amarelo e suor

Quando uma pessoa toma kapun, vomita o amarelo e fica suando muito. Isso quer dizer que o kapun vai trazer boa saúde pra ela. Quando provoca o amarelo, como gema de ovo e amargo de gosto, e fica muito suado, então aquela injeção de kapun tá fazendo efeito. Aquela pessoa vai ficar boa de saúde. Enquanto não provocar aquele amarelo nem suar muito, o tratamento não tá fazendo efeito. Por que não vomitou? Por que não suou? Será que a quantidade que tomou era pouco? Tem que aumentar a dosagem até a pessoa vomitar e suar muito. Para os Yawanawá, aquele amarelo amargoso que vomita é onde gera todo tipo de doença. Se tomar kapun e não provocar nem suar, não tá fazendo tratamento nenhum. Essa é a nossa experiência com injeção de kapun.

 

Rapé de leite de kapun

Também tem pessoas que toma rapé de kapun pra matar caça mais do que os outros. Toma rapé do kapun sem misturar com tabaco. Tira o leite e depois de seco, rapa e faz aquele pó do leite cristalizado do kapun. Antigamente também lavava o kapun dentro de um vaso dágua e lavava todo o leite dele naquela água e bebia.

 

Os aplicadores de kapun

Nossos pais não aceitavam qualquer pessoa dar kapun nos filhos. Tinha que ser  um bom caçador, pra dar sapo nos filhos. Porque se um bom caçador dá kapun em nós, ele tá transmitindo a sabedoria e o conhecimento dele pra nós. É preciso escolher bem a pessoa que vai dar kapun em nós. Tem que ser uma pessoa importante, que tenha muito conhecimento tradicional e seja um bom caçador também, porque, como já disse, ele transmite tudo isso pra quem ele dá o kapun. Por isso que o kapun pra nós tem essa magia, essa finesa toda.

Os rapazes tomam kapun mais pra matar caça. E as meninas tomam pra ser esperta, correr, pular, cantar, trabalhar e ajudar sua mãe a carregar macaxeira do roçado. Os velhos tomam porque tão sentindo qualquer coisa, porque tão sentindo fraqueza. E os rapazes tomam pra ter sucesso nas caçadas e pra se sentirem fortes também.

Não é qualquer pessoa que pode aplicar injeção de sapo. Uma pessoa que não tem inteligência nenhuma não vai aplicar sapo. Quem aplica passa a inteligência e habilidade dele pra quem está dando o kapun. Pra ter sucesso na caça, o aplicador tem que ser, ou ter sido, um bom caçador, porque ele passa essa habilidade e inteligência pra quem toma com ele. A mãe de uma criança escolhe quem vai aplicar injeção de kapun. Não é qualquer um que ela escolhe não, tem que ser de um homem inteligente, muito trabalhador e que teve muito sucesso nas caçadas. O aplicador transmite a energia dele, o que ele tem de melhor, pra quem ele tá aplicando o kapun. Para ser um bom matador de caça, é preciso que um bom caçador antigo dê kapun pros novos.

 

*Extraido do site : http://www2.uol.com.br/pagina20/17042005/papo_de_indio.htm*

 

ESTE TEXTO É UM RESUMO DA PESQUISA REALIZADA POR  ROSA SANCHIS – Farmacêutica

Abrindo novos campos na pesquisa biomédica, dada a grande variedade de patologias que poderiam ser tratadas com o Kambó.

As secreções gelatinosas produzidas pelas glândulas da pele de muitas espécies da família Anuras (‘sem cauda’ em grego) contêm um grande número de compostos biologicamente ativos frequentemente altamente concentrados. Essas secreções cutâneas venenosas são consideradas parte do sistema imunológico inato das espécies, pois constituem o mecanismo de defesa desses vertebrados contra qualquer infecção da pele ou predador natural de seu habitat, levando a secreção desses venenos a ser considerada parte da espécie. ‘evolução. A secreção é produzida pela estimulação do sistema nervoso simpático da anura em resposta a danos nos tecidos, uma ameaça de qualquer predador ou ao estresse sistêmico. A maioria dessas moléculas são polipeptídeos bioativos que consistem em cadeias entre 4-50 aminoácidos que estão abrindo novos campos na pesquisa biomédica no contexto de uma ampla variedade de patologias.

Uma das secreções com as maiores concentrações desses biopeptídeos é chamada Kambô, ‘campu’, ‘sapo’ ou ‘vacina da selva’. Produzido por um sapo de árvore de duas cores cujo nome taxonômico é “Phyllomedusa bicolor” ou “sapo macaco gigante” que vive em algumas áreas da floresta amazônica, especificamente na Colômbia e na fronteira do Peru e Brasil.

“Kambo” ou “Sapo” é considerado um “medicamento ancestral” pelas tribos indígenas da região oeste da Amazônia há mais de 2000 anos. No início do século passado, a grande seca no nordeste da América do Sul produziu uma migração de grandes massas da população para a selva ocidental, para trabalhar nas fábricas de borracha. Isso favoreceu a redescoberta do “Kambo” e seu uso por populações não indígenas fora da cultura tribal nativa da selva. Seus efeitos peculiares promoveram curiosidade e estudo científico, tanto para estabelecer sua composição quanto para determinar suas propriedades bioativas.

Os estudos sobre tribos indígenas usando o Kambo começaram na década de 1930. Mas foi o antropólogo e jornalista Peter Gorman que, por volta de 1980, documentou sua experiência com o tratamento de Kambo em seu artigo “Making Magic” e, interessado no estudo e na promoção do registro das primeiras patentes de peptídeos bioativos, enviou amostras da secreção do Phyllomedusa Bicolour para as universidades ocidentais.

O primeiro peptídeo bioativo produzido por um Phillomedusa foi descoberto em 1966 e, desde então, as descobertas desses biopeptídeos cresceram exponencialmente até os dias atuais. A pesquisa científica de Kambo começou em 1980, graças ao farmacologista italiano Vittorio Erspamer, da Universidade de Roma. Ele foi indicado duas vezes ao Prêmio Nobel e é considerado o primeiro cientista a analisar o Kambo em laboratório, concluindo que o Kambo contém um “coquetel químico fantástico com possíveis aplicações médicas incomparáveis ​​a qualquer outro anfíbio”.

O Kambo é administrado através de pequenas queimaduras na pele, desencadeando imediatamente uma variedade de reações químicas benéficas no corpo humano. O Kambo tem a capacidade, ao contrário de muitas outras substâncias naturais e farmacêuticas, de atravessar a barreira hematoencefálica e produzir seus efeitos também no nível do cérebro. As células humanas se abrem para as propriedades benéficas do Kambo, ao contrário de muitas substâncias que são filtradas e eliminadas pelo sistema de defesa altamente inteligente do corpo. Neste coquetel químico, encontramos peptídeos que executam tarefas semelhantes a hormônios, enquanto outros fornecem suporte para processos celulares vitais (aprendizado, memória, metabolismo de certos neurotransmissores). Outros têm um efeito potente sobre os músculos gastrointestinais, secreções gástricas e pancreáticas, circulação sanguínea e estimulação do córtex adrenal e da hipófise e sistema reprodutivo, outros possuem potentes poderes analgésicos. Outros são capazes de inibir o crescimento de células tumorais, e também são encontrados peptídeos antimicrobianos, antifúngicos, antivirais e antiprotozoários. Essa última propriedade abre uma nova porta na luta contra infecções bacterianas que desenvolveram resistência a antibióticos que já existem no mercado, usando-as para aplicar nanotecnologias a esses biopeptídeos modernos.

Desde 1966, muitos peptídeos na secreção de Kambo foram isolados, caracterizados e sintetizados. Como testemunho de suas propriedades medicinais, existem mais de 70 patentes Kambo registradas no mundo farmacêutico, principalmente nos Estados Unidos.

As principais famílias de peptídeos bioativos identificados na secreção de Kambo até agora incluem:

A filomedusina – como as taquiquininas (que também atuam como neuropeptídeos) – produz contração no nível do músculo liso e aumenta a secreção de todo o trato gastrointestinal, como glândulas salivares, estômago, intestino delgado e grosso, pâncreas e vesícula biliar. Estas são as principais partes responsáveis ​​pelo expurgo profundo produzido pela administração do Kambo.

Filocinina e Filomedusinas – ambos são potentes vasodilatadores, aumentando a permeabilidade da barreira hematoencefálica tanto para seu próprio acesso quanto para outros peptídeos ativos. Dentro desta família estão as medusinas, que também têm propriedades antimicrobianas e antifúngicas.

Caeruleínas e Sauvaginas e – São peptídeos com cadeias de 40 aminoácidos com propriedades miotrópicas nos músculos lisos, produzindo uma contração do cólon e da bexiga urinária. Eles produzem uma queda na pressão arterial acompanhada de taquicardia. Eles estimulam o córtex adrenal e a hipófise, contribuindo para uma maior percepção sensorial e aumento da resistência. Ambos os peptídeos possuem um grande poder analgésico, contribuindo para o aumento da força física, a capacidade de enfrentar dores físicas, estresse, doenças e diminuir os sintomas de fadiga. No campo médico, essa família de peptídeos contribui para a digestão melhorada e possui propriedades analgésicas contra a dor na cólica renal, dor devido à insuficiência vascular periférica e dor no tumor.

Dermorfina e deltorfina – Estes são pequenos peptídeos compostos por 7 aminoácidos. Eles são agonistas seletivos dos receptores opiáceos delta, 4000 vezes mais potentes que a morfina e 40 vezes mais que as endorfinas endógenas.

Adenoregulinas – descobertas nos anos 90 pela equipe de John Daly no Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. A adenorregulina atua no corpo humano através dos receptores de adenosina, um componente fundamental em todo o combustível celular humano. Esses receptores podem oferecer um alvo para o tratamento de depressão, derrame e doenças da perda cognitiva, como a doença de Alzheimer e também a doença de Parkinson.

Peptídeos antimicrobianos: Dermasep t ins , incluindo adenoregulinas (com 33 aminoácidos), plasticinas e filoseptinas fazem parte de uma família de um amplo espectro de peptídeos antimicrobianos envolvidos na defesa da pele nua de sapos contra invasão microbiana. Estes são os primeiros peptídeos de vertebrados que mostram efeitos letais contra fungos filamentosos responsáveis ​​por infecções oportunistas graves que acompanham a síndrome de imunodeficiência e o uso de agentes imunossupressores. Eles também mostram efeitos letais contra um amplo espectro de bactérias, tanto grandes como grandes, fungos, leveduras e protozoários. Vários anos de pesquisa realizada na Universidade de Paris mostraram que os peptídeos Dermaseptin B2 e B3 são eficazes na morte de certos tipos de células cancerígenas. Pesquisa na Universidade Queens, em Belfast, recentemente ganhou um prêmio de prestígio por seu trabalho inovador com câncer e Kambo. Seu mecanismo de ação é produzido pela inibição da angiogênese das células tumorais, com citotoxicidade seletiva para essas células.

Bradicininas – como filocininas e triptofilinas. São peptídeos com estrutura e propriedades semelhantes à bradicinina humana. São fontes importantes de estudo científico, pois são hipotensos e, por produzir vasodilatação, contração do músculo liso não vascular, aumentar a permeabilidade vascular, também relacionada ao mecanismo de dor inflamatória.

Bombesinas – esses peptídeos estimulam a secreção de ácido clorídrico, agindo nas células G do estômago, independentemente do pH do meio. Eles também aumentam a secreção pancreática, a atividade mioelétrica intestinal e a contratilidade do músculo liso.

Ceruleínas – Estimular secreções gástricas, biliares e pancreáticas e certos músculos lisos. Eles poderiam ser usados ​​no íleo paralítico e como meio de diagnóstico na disfunção pancreática.

Triptofilinas – são neuropeptídeos que consistem em 4 a 14 aminoácidos, que estão abrindo novas perspectivas sobre o funcionamento do cérebro humano.

Esses biopeptídeos despertaram um grande interesse científico e muitos deles foram sintetizados com sucesso em laboratório e patenteados. Mas até agora nenhuma dessas moléculas foi usada na prática clínica. A pesquisa sobre os componentes do Kambo continua evoluindo para encontrar aplicações clínicas no mundo da medicina e farmacologia e no estudo de novos mecanismos de ação em nossa biologia humana.

Por milhares de anos, as tribos da Amazônia vêm usando e se beneficiando deste coquetel químico de acordo com suas tradições ancestrais, sua intuição e sua magia. Agora cabe a nós, acima de nossa cultura racional e científica, e acompanhados e apoiados por ela, tirar proveito desse dom da natureza e obter todos os seus benefícios, além do que podemos demonstrar pela multiplicidade de experimentos farmacológicos realizados em laboratórios científicos.

Rosa Sanchis
Farmacêutica.

Bibliografia

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Leonardo de Azevedo Calderón • Alexandre de Almeida E. Silva Pietro Ciancaglini • Rodrigo Guerino Stábeli Peptídeos antimicrobianos de sapos Phyllomedusa: da diversidade biomolecular a potenciais aplicações médicas nanotecnológicas. Aminoácidos (2011) 40: 29-49

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Giovanni Lattanzi: Kambô: Pesquisa Científica e Tratamentos de Cura. (Artigo traduzido do espanhol e editado do original). Http://www.heartoftheinitiate.com/files/Kambo-Scientific-Research-Healing-Treatments.pdf

 

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