Os Druidas

 

Texto de Alan Impelliceri
Diretor de Nova Acrópole na Irlanda

Muitas das informações que temos sobre os druidas vieram dos gregos e romanos. Estes ficaram profundamente impressionados, de modo favorável e ao mesmo tempo desfavorável, por seu dramático sacerdócio. Seu próprio e original nome, druwides, quer dizer “os que vêem mais além”, denominação que poderia aludir à visões proféticas, à uma qualidade clarividente, ou à mais antiga “visão xamânica durante o voo”.

Conta-se que o Rei Ailill, da Bretanha, enviou o seu druida Mac Roth para averiguar onde estavam se reunindo os exércitos do Ulster (Irlanda) e que Mac Roth voou sobre eles e observou seus movimentos sobre uma grande área do terreno.

Entretanto, para uma comprovação mais convencional de suas missões, devemos nos referir ao irmão de César e às notícias que deu à seus compatriotas: “Os druidas realizam culto aos seus Deuses, regulam os sacrifícios públicos e privados e editam normas sobre todas as questões religiosas. Muitos jovens vão até eles em busca de instrução. São mantidos com grande honra pelo povo e atuam como juízes praticamente em todos os conflitos, seja entre tribos ou entre indivíduos; quando se comete algum crime, ao ocorrer um assassinato ou ao surgir uma disputa por herança ou fronteira, são eles que opinam sobre o assunto e assinalam a compensação.”

Crê-se que a doutrina druida surgiu na Bretanha e, a partir de la, foi introduzida na Gália. Ainda hoje, aqueles que querem fazer um estudo profundo sobre o tema geralmente vão até a Bretanha.

Os druidas estavam dispensados do serviço militar e não pagavam impostos como os outros cidadãos. Naturalmente, esses importantes privilégios eram muito atraentes; muitos se apresentavam voluntariamente para estudar esta ciência, e outros eram enviados por seus pais e familiares. Dizem que os alunos deviam memorizar um grande número de versos, tanto que alguns levavam até vinte anos de estudos. Uma lição que lhes exigia um verdadeiro esforço de assimilação era a noção de que a alma não perece, mas que, depois da morte, passa a um outro corpo; os druidas pensavam que esse era o melhor incentivo para o valor, porque ensina o homem a não temer a morte. Mantinham longas discussões sobre os corpos celestes e seus movimentos, o tamanho do Universo e da Terra, a constituição física do mundo e o poder e as características dos Deuses; os jovens eram instruídos em todas essas matérias.

O grego Diodoro Sículo considerava-os grandes filósofos no que se refere a assuntos de religião, e Plínio escreve que eles eram “adivinhos e físicos”, parte de um grupo mais amplo a que denominava “magos”.

Os druidas eram versados em todos os estudos e tinham o dom da profecia; eram mestres de feitiçaria e de magia e podiam produzir brumas misteriosas, mudar de aparência e fazer outros encantamentos quando fosse necessário. Também podiam impor o geis, uma espécie de tabu mágico que era, ao mesmo tempo, uma ordem e uma proibição, e não podia ser transgredido sem se incorrer em pena de morte ou em desonra.

Ward Rutherford, em seu livro ‘Los Druidas’, adverte que eles não eram sacerdotes ordinários e acredita que a pessoa que os romanos tomaram como um sacerdote seria mesmo um chefe local, que às vezes era considerado Deus, Rei e Sacerdote. Se está certo esse autor e os druidas não eram meros sacerdotes, então estamos diante de uma tradição extraordinária, que perdurou durante vários milênios, de xamãs-sacerdotes-magos, um grupo de homens que vagavam livremente sem que fossem impedidos por quaisquer limites tribais. Possuíam conhecimentos de Ciência, Matemática, Botânica, Medicina e Astronomia; eram encarregados da nomeação dos reis (o rei velho era, com freqüência, morto ritualmente antes que fosse eleito um novo); faziam sacrifícios rituais; ensinavam oralmente uma doutrina secreta, bem como conhecimentos tradicionais, terminantemente proibidos de serem escritos. Possuíam um poder misterioso que o grego Laércio compara com os magos persas, com os caldeus da Babilônia e da Assíria e com as sementes do hinduísmo.

Rutherford assinala também que o termo “mágico”, tal como era usado então, designava um possuidor de sabedoria. Os magos eram conhecidos como os “sábios”, e esse aspecto do fenômeno druida é o que falta freqüentemente nas considerações modernas.

Quando Roma conquistou as Gálias, no último século antes de Cristo, o que César temeu foram os druidas e suas influências. Acreditava na possibilidade de fracasso caso esses sábios se unissem contra ele. Em conseqüência, introduziu medidas repressivas, e os druidas foram forçados a fugir para regiões remotas, como Inglaterra, Irlanda e Gales, onde não seriam incomodados.

O modo de vida celta continuou na Irlanda até o século XVI (mesclado com o cristianismo), e existem indícios de que alguns druidas conservaram sua influência ao menos até o século XVII; acredita-se ter São Patrício falado com um deles. Entretanto, por volta do século X, desapareceram para sempre.

O XAMÃ REDESCOBERTO

Os druidas não surgiram de improviso. Suas origens não só estavam ligadas à antiga Índia, mas também eram o resultado de uma vasta tradição que remonta à idade da pedra ou quem sabe antes. A deidade, o homem e a terra eram sentidos como um só, o “três em um”, que viria a ser também um tema celta. O sentimento em relação à terra penetrava por meio de forças divinas, e a união expressa em cada folha e em cada pedra era tão real para os celtas como foi para os povos mais antigos. Também se fez presente um certo sentido de unidade com a vida animal. De acordo com Anne Ross, escritora que trata sobre os druidas em suas obras, o famoso druida Mac Roth vestia “… a pele de um touro pardo sem chifres, um chapéu de plumas de pássaros pintadas e asas, com as quais realizava um voo xamânico.” A partir disso, podemos estar seguros de que o xamanismo ainda estava sendo praticado, e que o touro representava o animal guardião com o qual o Xamã em questão se identificava.

Podemos recordar aqui o papel do Xamã e o seu significado. O Xamã era o que trazia o conhecimento das muitas dimensões do ser. Por meio de sua “viagem” ou “vôo”, incutia em seus seguidores a noção de que todas as coisas têm seu ser, tanto nesta dimensão da vida diária como em outras, de cuja existência não se teriam apercebido totalmente. O Xamã era o exemplo vivo de alguém que podia mover-se de um nível de consciência à outro, e sua autoridade baseava-se nesse poder.

A identidade do Xamã com um animal sagrado foi bem documentada na época dos celtas. Em muitas histórias, o Xamã convertia-se em touro, cervo, porco, lebre, pássaro ou peixe e, com essa natureza, entrava no “estado de sonhar”, em que os aspectos de animal e Deus existentes no homem se unificam e emergem em uma esfera fora do tempo. A tradição de ter um animal como guardião permanecia profundamente enraizada na consciência celta, e o herói confiava nesse poder. Isso representava sua outra dimensão, e a ajuda emanada dessa força era, amiúde, uma expressão de agradecimento pelo respeito à ela manifestado.

Os celtas também utilizaram a arte para representar os animais como guardiões dos espíritos. Na Bretanha, o porco era um animal popular, aparecendo nos escudos (como protetor) e nos penachos, e sozinho nas pequenas imagens. Na Ibéria, grandes pedras esculpidas como porcos foram colocadas dentro dos castelos fortificados. O cavalo e o touro foram animais também inspiradores de fortes sentimentos. Em função do “sonho do touro” do druida, um touro branco foi sacrificado em Tara, na Irlanda, durante a escolha de um rei. Uma estátua de um touro de três chifres foi encontrada na Maiden Castle, enquanto que na Gália cultuava-se o porco de três chifres. Os poetas irlandeses dos primeiros tempos portavam mantos xamânicos e plumas de aves para mostrar sua afinidade com alguns pássaros em particular, possivelmente tomados como guardiões dos espíritos.

REENCARNAÇÃO

A crença celta na reencarnação estava implícita em sua despreocupada atitude perante a morte, o que constituía um ensinamento druida. Os celtas asseguravam com firmeza que a morte era uma simples pausa de uma longa vida e, conseqüentemente, lhes tinham muito pouco temor, segundo o testemunho de César: “As almas não morrem, mas passam, depois da morte física, de um corpo a outro; e essa crença de morte da alma, assim como o próprio temor à morte, estão, por eles mesmos, descartados, o que, asseguram, é o maior incentivo para infundir valor”.

A doutrina celta da reencarnação está bem descrita por Taliesin, o poeta; guerreiro na Batalha dos Arboles. O mesmo assegurava ter vivido muitas e variadas vidas, seja como humano, seja como animal, e ter presenciado a maioria dos grandes acontecimentos da história da Irlanda. Assim declara:

Eu tive muitos corpos 
Antes de conseguir uma forma agradável 
Eu fui uma gota no ar 
Eu fui uma estrela brilhante

Eu fui uma ponte para transpor 
Rio de três leitos 
Eu viajei como uma águia 
Eu fui um barco no mar.

O canto de Amergin, um poeta muito antigo, parece ir na mesma linha, mas com a profundidade ampliada de que “ele formava parte da natureza de outras coisas e de outras criaturas, e de que isto o uniu totalmente ao Universo, em completa paz espiritual e superior sabedoria”.

Eu sou o vento que sopra sobre o mar,
Eu sou a onda do mar,
Eu sou a profundidade do mar,
Eu sou o touro das sete batalhas,

Eu sou uma águia sobre a rocha,
Eu sou uma lágrima do sol,
Eu sou um hábil marinheiro,
Eu sou valoroso como o javali,

Eu sou um lago no vale,
Eu sou palavra de sabedoria,
Eu sou espada afiada ameaçando um exército,
Eu sou o Deus que ilumina a cabeça,

Eu sou aquele que projeta luz entre as montanhas,
Eu sou aquele que antecipa as fases da lua,
Eu sou aquele que ensina onde se põe o sol.

Graves assinala que os versos mais comuns, “eu fui” ou “eu sou”, também se referem ao ciclo anual e contêm séries completas de símbolos para todo o ano, ainda que deliberadamente confusos, com o objetivo de que o segredo não fosse descoberto. Entretanto, como é uma só a deidade responsável por todo o ciclo anual, podemos estar seguros de que é o poeta, Deus quem está descrevendo a existência de seu modo particular.

Tão sutil fluidez desconcertou os lógicos romanos e, desde então, tem confundido muitos estudantes, porque não concorda com os conceitos latinos e semíticos. Os celtas entendiam suas próprias vidas e mesmo o Universo como guiados pelo simples movimento interno. Desse modo, não acreditavam na dualidade entre bem e mal, não havia lugares como o inferno nem uma justiça que se administra depois da morte.

O yin e o yang chinês, também representados pelo branco e preto, são pares primários e ativos, tais como o masculino e o feminino, o eu e o outro. Quando esses dois princípios opostos estão perfeitamente equilibrados, produz-se uma energia harmoniosa chamada chi; quando se encontram em desequilíbrio, opera uma força chamada cha, indicadora de que as energias se separam e não estão em movimento. Os celtas eram conscientes de uma necessidade inata do chi, o que pode ser a causa de terem os druidas realizado todas as suas cerimônias ao ar livre, próximo à água e entre as árvores.

Seria inútil pretendermos buscar entre os celtas, sutis e de idéias rápidas, algo tão formalizado e estruturado como um princípio ou uma refinada doutrina da reencarnação. Os celtas viviam suas crenças e não as materializavam em objetos concretos. Seu conceito de tempo não era o nosso, seja em relação à vida ou à morte. O trovador bretão começaria sempre: “Era uma vez, quando o tempo não existia, e então…”. Eles viviam de acordo com os mitos, que “não é o relato dos feitos, senão o próprio desenvolvimento dos feitos”. Seus mitos podiam ser compreendidos em qualquer nível, segundo a capacidade do ouvinte, como um completo conto de fadas, uma mudança de forma com um objetivo mágico, uma visita à outros mundos ou uma união com a deidade.

 O NÚMERO TRÊS

Possidônio de Apaméia diz que os druidas “ensinaram muitas coisas aos nobres da Gália em um período de instrução que podia durar até vinte anos, reunindo-se em segredo em uma caverna, em longínquos bosques ou vales”. César acrescenta que os druidas ensinavam em tríades; versos de três sentenças ou frases. Essa tradição manteve-se na Irlanda até a conquista inglesa.

O número três era de uma importância obsessiva para os celtas. Há Deusas e Deuses de três cabeças. As Deusas da colheita, as Matronas, são sempre representadas em tríades, da mesma forma que o malvado Morrigan.

Os heróis também podem aparecer três vezes na mesma aventura, com diferentes nomes e sob diferentes personagens, produzindo tal confusão que é uma tentação abandonar-se a história completamente irritado. Para nosso mundo materialista, a magia esquiva, irracional e mutante dos celtas está fora de lugar, e só quando afastamos nossos limites e nos permitimos existir em uma dimensão mais intangível aparece algo dessa magia.

Talvez o mais elevado significado dos Deuses de três rostos e da grande reverência pelo número três relacione-se com a crença encontrada também no análogo hinduísmo. Neste, os três Deuses chamados Brahma, Vishnu e Shiva formam uma tríade que representa três aspectos da Suprema Realidade. Brahma é o criador, Vishnu, o conservador e Shiva, o destruidor do mundo, sendo necessário este último para a nova criação. Podemos encontrar as três atividades em nossas vidas. O ciclo completo da existência, simbolizado por uma trindade divina, é comum em muitas religiões antigas. O símbolo celta para o “três em um” era o triskele, uma espiral bidirecional similar ao yin e yang, mas com uma terceira espiral acrescida, a qual foi chamada pelos alquimistas “o Fogo Secreto”. O triskele era um símbolo arquetípico de grande poder e foi representado em todo o mundo celta.

 

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