Estado Xamânico de Consciencia
Michael Harner coloca que o xamã tem uma vantagem: é capaz de mover-se entre estados de consciência à vontade. Pode entrar no ECC de alguém que não seja xamã e concordar, honestamente, com ele, sobre a natureza da realidade vista a partir daquela perspectiva. Então o xamã pode voltar ao EXC e obter uma informação direta do testemunho de outras pessoas, que relataram suas experiências quando naquele estado.
Pode-se argumentar que nós, seres humanos, passamos a maior parte de nossa vida, quando acordados, em ECC, porque a seleção natural entende que assim deva ser, considerando que essa é a realidade real, e os outros estados de consciência, que não o sono, são aberrações que interferem na nossa sobrevivência.
Em outras palavras, tal argumento pode ser aceito e nós percebemos a realidade da forma como costumamos percebê-la, porque esse é sempre o melhor modo, em termos de sobrevivência. Todavia, avanços da neuroquímica mostram que o cérebro humano leva consigo suas próprias drogas para alterar a consciência, incluindo alucinógenos tais como a dimetiltripdamina.
Em termos de seleção natural, parece pouco provável que esses alteradores da consciência viessem estar presentes, a menos que a sua capacidade de alterar o estado de consciência trouxesse alguma vantagem para a sobrevivência. Ao que parece, a própria natureza resolveu que um estado alterado de consciência é, as vêzes, superior ao estado comum.
No Ocidente estamos apenas começando a apreciar o importante impacto que o estado da mente pode ter sobre aquilo que foi antes, com excessiva frequência, tomado como questões de propriedade puramente “física”.
Quando, numa emergência, um xamã aborígene australiano ou um lama tibetano empenha-se numa “viagem rápida” – um transe da técnica em EXC para percorrer longas distâncias a grande velocidade – isso é, claramente, uma técnica de sobrevivência que, por definição, não é possível em ECC.
Da mesma maneira, estamos aprendendo que muito dos nossos atletas mais bem sucedidos entram em estado alterado de consciência quando estão tendo os seus melhores desempenhos.
Levando tudo isso em conta, parece impróprio argumentar que apenas determinado estado de consciência é superior em todas as circunstâncias. Há muito o xamã sabe que essa suposição não sómente é falsa, mas também é perigosa para a saúde e o bem estar.
Usando milênios de conhecimentos acumulados, bem como suas experiências diretas, o xamã sabe quando a mudança de um estado de consciência é aconselhável ou mesmo necessária.
M. Harner acrescenta que em Estado Xamânico de Consciência, o xamã não só passa por experiências que são impossíveis em ECC, mas também as realiza. Mesmo que fosse provado que todas as experiências xamânicas em EXC estão apenas na mente do xamã, isso não faria esse domínio menos real para ele. Na verdade, tal conclusão significaria que as experiências e as realizações xamânicas não são impossíveis, seja qual for o seu sentido.
Continuando com M. Harner :
“ O estado “extático” ou alterado de consciência e a sábia perspectiva que caracteriza o trabalho xamânico podem ser chamados, utilmente, de Estado Xamânico de Consciência (EXC).
Ele não envolve apenas um transe ou um estado transcendente de discernimento, mas também um sábio discernimento dos métodos e suposições quando se está nesse estado alterado. O EXC se opõe ao Estado Comum de Consciência (ECC) ao qual o xamã retorna depois de ter feito seu trabalho característico. O EXC é a condição cognitiva na qual a pessoa percebe a realidade incomum (Castañeda).
O que se sabe sobre o EXC inclui informação sobre a geografia cósmica da realidade incomum, para que seja possível saber para onde viajar no intuito de encontrar o animal, a planta ou outros poderes apropriados. Isso inclui o conhecimento de como o EXC dá acesso ao Mundo Profundo Xamânico.
Esse conhecimento inclui discernimento, por parte do xamã, de que deve haver uma missão específica premeditada quando se está em EXC. A realidade incomum não é abordada por brincadeira, mas em virtude de sérios propósitos. O xamã é a pessoa que trabalha em EXC e deve conhecer os métodos básicos para realizar esse trabalho. Se, por exemplo, ele deseja um animal guardião de poder de um paciente e o tira do Mundo Profundo, deve conhecer a técnica para chegar lá, entrando nele, encontrando o animal de poder e levando-o de volta em segurança. Subsequente mente, em ECC, deve saber quais são as instruções a dar ao paciente.
Em EXC, o xamã sente, tipicamente, uma alegria inefável por aquilo que vê, um temor respeitoso pelos belos e misteriosos mundos que se abrem diante dele. Suas experiências são como sonhos, mas sonhos despertos que sentem como reais e nos quais ele pode controlar suas ações e dirigir suas aventuras. Enquanto está em EXC, muitas vezes fica estupefato pela realidade daquilo que se apresenta.
Ganha acesso a um Universo Novo, ainda que familiarmente antigo, que lhe dá profunda informação sobre a significação de sua própria vida e morte e de seu lugar na totalidade da existência como um todo.
Durante suas grandes aventuras em EXC, ele mantém o controle consciente do rumo de suas viagens , mas não sabe o que vai descobrir.
É um confiante explorador das infinitas mansões de um magnificente universo oculto. Finalmente, traz de volta à mente suas descobertas para estruturar seus conhecimentos e ajudar outras pessoas.
O Estado Alterado de Consciência, componente do EXC, inclui vários graus de transe, que vão desde o essencialmente leve (alfa) ao muito profundo (coma temporária). Normalmente o EXC permite plena recordação da experiência quando o xamã retorna ao ECC.
O componente aprendido no EXC inclui a atribuição de plena realidade às coisas que a pessoa vê, sente, ouve e que, de outra forma, experimenta em estado alterado de consciência
Essas experiências empíricas diretas não são vistas pelo xamã como fantasia, mas como realidade imediata. Ao mesmo tempo, o xamã identifica a distinção existente entre a realidade do EXC da que existe em ECC e não confunde as duas. Sabe quando está num ou noutro desses estados, e entra em cada um deles por livre escolha.
Os preceitos aprendidos que usa enquanto está em EXC incluem a suposição de que animais, plantas, seres humanos e outros fenômenos vistos em estados alterados de consciência são inteiramente reais , dentro do conceito da realidade não material ou incomum, na qual eles são vistos.
O xamã entra em EXC para ver essas formas não materiais e interagir com elas. essas formas não são vistas em ECC e não constituem parte da realidade comum.
O aspecto aprendido em EXC envolve profundo respeito por todas as formas de vida, com humilde compreensão da nossa dependência em relação às plantas, animais e mesmo à matéria inorgânica do nosso planeta.
O xamã sabe que o ser humano está relacionado com todas as formas de vida, que todos são “nossos parentes”.
Tanto em EXC como em ECC, o xamã aproxima-se das outras formas de vida com respeito familial e compreensão.
Reconhece sua antiguidade, seu parentesco e seus poderes especiais.
Assim sendo, o xamã entra em EXC demonstrando reverência pela natureza.
Reverência pelos poderes inerentes aos animais selvagens e por todos os gêneros de plantas, pela sua insistente capacidade de sobreviver e florescer ao longo de uma existência que se afirma através dos incontáveis períodos planetários.
Quando procurada em estado alterado de consciência com respeito e amor – o xamã acredita -, a Natureza está preparada para revelar coisas que não podem ser conhecidas num estado comum de consciência.“