Plantas Mágicas
clips do livro de Sangirardi Jr. ” Os índios e as plantas alucinógenas “
A palavra droga tem, hoje em dia, uma carga semântica negativa, de condenação, medo, curiosidade mórbida. Droga em grego é pharmakon, quer dizer remédio, medicamento, mas também é veneno. É o nome dado a Platão à bebida que matou Sócrates.
Em inglês o termo drug é o termo que serve tanto para remédio como para veneno. A Organização Mundial de saúde definiu: ” Dependência de droga é o uso habitual e compulsivo de qualquer droga narcórtica, de maneira que ameace a segurança e o bem-estar do próprio dependente ou de terceiros. ” Narcótico, é um termo genérico, que designa substância que produz estupor ou letargia e pode, inclusive, aliviar ou suprimir a dor.
O Bulletin on Narcotics, editado pelas Nações Unidas, já publicou inúmeros trabalhos sobre o hábito de mascar folhas de coca, o qual, além de não levar à narcose, tem efeito justamente oposto, o de eliminar sono e cansaço. Já o álcool, que pode até provocar sono comatoso, jamais foi chamado de narcótico, pois é uma das drogas sacramentadas pela civilização ocidental.
Para aumentar a confusão, entra em cena a palavra tóxico, que significa veneno, mas que adquiriu um sentido tão amplo quanto da palavra narcótico. Droga e tóxico passaram a ser palavras irmãs. Maconha é sinônimo de horror e delinqüência; cigarro de elegância e bom gosto (hoje em dia já mudamos isso, ainda bem !).
Os meios de comunicação noticiam com destaque a prisão de maconheiros; mas veiculam insidiosas propagandas de cigarros e álcool. A sociedade combate a maconha como se fosse uma ” erva maldita ” e pune o seu uso. Mas permite que seja anunciada amplamente as bebidas alcoólicas. Não é uma aguardente que o povo bebe, mas produtos falsificados pela ganância, na alquimia de fabricantes. A cachaça tem ação devastadora na saúde dos subalimento boias frias, colonos de fazendas, operários de fábricas. E os alcoólatras se multiplicam na fermentação da miséria. Os ébrios apodrecem em vida nas sarjetas das grandes cidades.
Por que os que se empenham em combater tóxicos não começam pelos mais graves? Basta olhar à volta, para constatar a gigantesca quantidade de tóxicos que ameaçam a saúde e a vida de nosso povo, em terra, nas águas, no ar.
Em terra, tóxicos oriundos de detritos, resíduos, podridões – a semeadura de imundices feita pela ganância do homem “civilizado”. Nos alimentos, tóxicos provenientes de substâncias químicas, produtos de conservação, defensivos agrícolas (agrotóxicos), toda uma tecnologia a serviço do lucro, através da adulteração e da fraude.
Rios, mares e lagos estão morrendo sob ação de tóxicos oriundos de esgotos, resíduos industriais, lixo, enfim, os restos pestilentos da civilização. Os ares estão envenenados pelos tóxicos de emanações deletérias, incluindo a fumaça das chaminés das fábricas e dos veículos motorizados.
Derrubam florestas e plantam dinheiro. A especulação imobiliária devasta e desumaniza. Aniquila-se a flora e a fauna, de norte a sul do país. Consequência: alternam-se, com intensidade crescente, secas flagelantes, e inundações diluviais. É a guerra total contra a ecologia. Seus comandantes decretaram a morte do índio – o homem da terra – enquanto desenvolvem a estratégia do “progresso”, cujas ações táticas multiplicam os tóxicos.
Missões salesianas no vale do Rio Negro, impunham, através de missionários a abolição de plantas de poder (alucinógenos) consumidos ritualmente em cerimônias tradicionais. Abolir essas plantas é destruir a religião, pois impossibilita as práticas xamanísticas e impede que o índio se comunique diretamente com a divindade. Destruir a religião é um complexo cultural de importância básica, inclusive como fator de união tribal e intertribal. E o aniquilamento desse complexo vem ajudar o domínio do silvícola pelo homem branco.
O complexo das drogas é determinado pelo complexo cultural. Entre os maometanos o álcool é abominável e a maconha (haxixe), tranquilamente permitida. Entre nós a maconha é execrada e o álcool é amplamente institucionalizado.
Para o branco a droga fragmenta a personalidade: é um vício e um processo de fuga. Para o índio, a droga provoca uma comunhão com a divindade e a volta às mais profundas raízes ancestrais; é um processo de integração.
A rapidez e a amplitude da difusão das drogas entre os brancos teve como causa principal a ambição do lucro, que o índio desconhece. Em todas as nações indígenas, as drogas são sagradas, oriundas dos vegetais hierobotânicos. E o seu consumo é sempre cerimonial, em ritos determinados por tradição milenar.
O médico feiticeiro indígena, revelou ao homem branco importantes descobertas no reino vegetal, como as plantas de poder, que ampliaram e aprofundaram o campo das pesquisas em psicologia e psiquiatria.
O pajé, xamã ou medicine man tem a autoridade de quem conhece o efeito das plantas. E conhece porque também consumiu e consome as plantas que ministra. O mesmo tipo de conhecimento foi adquirido, modernamente, por notáveis cientístas, que fizeram auto-experiência.
O homem quer erguer-se da lama da terra. E alcançar as estrelas. E entrar em contato com seus deuses. Recorre então as ervas do sonho. A posse de plantas mágicas vem de muitos séculos, através de gerações. É legado de pioneiros que desbravaram o desconhecido. Os que ingeriram pela primeira vez cascas de árvores, folhas, flores, frutos, sementes, raízes – puros, triturados em infusões, para que se aprendesse a distinguir as espécies e quais as partes dos vegetais com poderes psicoativos.
Cada planta mágica abriga um espírito, cuja força o índio absorve, ingerindo o vegetal ou uma de suas partes. Essa força propicia o sono divinatório, as imagens (visões), o mistério das visões, a presença dos mortos, as revelações dos espíritos, enfim, o contato com o sobrenatural. Essa forca é o mana dos polinésios e dos antropólogos. É também o pneuma do Velho Testamento – sopro, vida, Espírito Santo.
Para o índio, um princípio inteligente habita o reino vegetal. Está presente em cada espécie. Esta crença está cientificamente comprovada. Toda a planta psicoativa é sagrada. E toda a planta sagrada só é consumida ritualmente.