Experiência nos EUA – Peiote

Numa de minhas jornadas xamânicas nos EUA, em agosto de 1998, conheci Melvin, índio Navajo da Native American Church ( Igreja Nativa Americana, que utiliza o peiote como sacramento . Vou resumir o trabalho :

Eu estava sozinho em Washington, um dia após ter  recebido as bênçãos de Coiote em Pé para conduzir a tenda do suor e o cachimbo sagrado no Brasil, para fazer um trabalho de  peyote com um nativo navajo em Boston, onde morava um colega, Stevie. Não tive dúvida, queria ter esse encontro com Pai Peiote.

Tinha um trem (Armtrack) saindo às 14:40 hs. Decidi arriscar. Voltei para casa, peguei a mala, sem avisar o Stevie ( não dava tempo ) pois chegaria às 10:40hs e não de madrugada para atrapalhar o seu sono. Cheguei a exatamente 3 minutos da partida, quase não deu tempo.

Porém, o tempo de viagem não foi o esperado, cheguei na estação de Boston às 24:15. Não consegui ligar para o Stevie da estação. E, por sorte John (amigo de Washington), tinha deixado em um papel o endereço de Stevie. Não tive dúvidas, apanhei um táxi, e fui para o endereço.

Já ao chegar, o primeiro problema. Não encontrava o número da casa. A casa não tinha numeração. Não havia ninguém na rua, até que apareceu um homem
e receoso me aproximei dele , era a única alternativa, e pedi ajuda. Ele ajudou-me a encontrar um telefone, foi muito gentil. Mas, ninguém atendeu na casa de Stevie, caia na secretária eletrônica.

Não me desesperei, mas confesso que fiquei um pouco preocupado. O número que eu tinha era 145, eu cheguei em frente ao 144 e tinham mais ou menos 5 casas sem numeração. Decidi optar pela lógica, fui na casa em frente ao 144. Mas, quando lá cheguei era uma casa, com vários apartamentos, e eu não tinha o número do apartamento de Stevie.

Cheguei a pensar em pegar um táxi, e ir para um hotel mais próximo e depois voltaria pela manhã, mas onde eu pegaria esse táxi? Estava tudo vazio nas ruas!

Coloquei nas mãos de Deus !

Cheguei ao prédio. A porta do prédio , por sorte, estava aberta, porém, em que porta eu bateria ?

Tinha a opção de bater no térreo, embaixo, ou encima, mas em cada andar tinha mais de uma porta !Respirei fundo, fechei os olhos, e me inspirei em bater no último apartamento de cima. Se não fosse o apartamento poderia ser muito chato ou até perigoso, mas não havia outra alternativa. Segui o meu coração. Não havia campainha no quarto. Fechei os olhos, me concentrei, e bati.

Ahhhh! Para o meu grande alívio, era Stevie !

Ele estava trabalhando com head-phone e não escutou minha chamada telefônica, mas por sorte, ele resolveu trabalhar até tarde. Senti, que realmente eu estava sendo guiado.

No dia seguinte seguimos para o local . Era uma bela casa de campo em Massachusetts. Um local mágico, com plantações de sálvia e outras. Ao longe já podia avistar a peyote tipi, a fogueira e a sweat lodge.

Fui apresentado a Melvin, uma figura muito simpática. Dei-lhe meu livro e, ao meu lado, se apresentou um companheiro , que teve comigo uma grande afinidade espiritual – John Camacho, um nativo  tayco, de Porto Rico, que viveu entre os índios huicholes e também é um daimista fardado. Ele mesmo se apresentou, e iniciou-se uma grande ligação espiritual.

Logo ao entrar na tenda-do-suor, ele ficou ao meu lado, e, ai iniciamos e terminamos juntos o trabalho.

Iniciamos  na sweat lodge ( tenda do suor : cerimônia de purificação e limpeza). Após a Sweat Lodge, um bom banho e fomos para a Peyote Tipi. Linda, com o chão de areia branca, pedaços de carpete, e um fogo ritual de primeira linha.

Quando eu estava colocando as minhas botas, eu notei, uma pessoa ao meu lado, me encarando e esperando. Era John Camacho, com um bonito paramento huichol, para me mostrar sua medicine ball.

Após a purificação, fomos para a Peyote Tipi ( tenda do Peiote)  Linda, com o chão de areia branca, e um fogo ritual de primeira linha.Um ritual muito bonito, os instrumentos de poder se harmonizavam com o cenário.

Camacho me acompanhou na Tipi, e como se pudesse ler meu pensamento, sentou-se ao meu lado.

Depois das preeleições, Melvin começou a servir o peiote triturado (Um gosto bem forte!) para ser  comido, e, em seguida é passado o chá de peiote.Além do gosto forte, a manifestação também era forte. E, forte mesmo !

A cerimônia era conduzida por Melvin, nos seus mínimos detalhes.O Chefe do Tambor, ficava à direita do cantor, que cantava ajoelhado com instrumentos de poder  na mão (é chamado de staffs)

O tambor d’agua tinha o som muito profundo. As batidas eram rápidas, e o tambor circulava por todos os participantes, mesmo os que não cantavam tinham que consagrar a medicina.

E a força chegou, e muita força. Foi um trabalho que me exigiu  muita paciência. Eu já havia viajado por 10:00hs sentado, e ainda fiquei a noite inteira sentado no chão duro. Eu ainda não havia descoberto como o meu corpo podia sentar de tão diferentes posições. Estava realmente, muito desconfortável.

Junto com a força, aparece nossas fraquezas. Já não bastasse a incômoda dor na bunda, chegou o frio. O frio, realmente, estava me tirando a paz. Eu tinha deixado minha blusa na mala do lado de fora da tipi. Perguntei a Camacho, se eu poderia sair para pega-lo. Ele me respondeu que eu deveria ir pedir ao Xamã, para poder sair, com uma cara de que seria melhor ficar, naquele momento. Percebi, que não era uma boa hora para sair da tipi, mas gentilmente Camacho me emprestou sua manta medicinal, onde ele estava sentado.Foi minha salvação. Não só comecei a sentir uma agradável sensação de calor entrar no meu corpo, como também, na minha alma.

As músicas eram rápidas ! As vezes, caia nas mãos de uns desafinados, mas faz parte do trabalho.
Foi muita clara, a energia masculina no trabalho, é realmente o Pai Peyote.

O fôgo dentro da tipi, era mágico, nunca havia visto um trabalho tão bem feito com o fogo. As brasas serviam de incensário.

Um apito de águia assobia como se ela entrasse na tipi.

Tive insigths muito fortes, manifestações físicas, senti a marcante presença do Pai Peiote, mostrando  um pouco de sua força, o suficiente para nunca esquece-lo e guardá-lo com carinho no coração.

O ritual da água, que  marca a entrada da água na tipi é muito bonito, faz a água ter um sabor especial, incomparável.

No final do trabalho, foram servidas as comidas sagradas ( milho, peixe, frutas ) Pude relacionar aquilo que lí nas palavras de Castañeda e, mais uma vez, comprovar o poder do Reino Vegetal. Um poder que nos leva para esferas invisíveis, por mundos paralelos, em outros níveis de realidades, numa jornada de exploração da consciência onde podemos compreender melhor a dimensão de nosso ser no Universo.

Léo Artese