O Tambor

Os xamãs sempre se utilizaram de objetos mágico-religiosos que lhes conferiam poder às cerimônias e rituais, assim como os talismãs que os protegiam. O tambor é considerado universalmente como um instrumento indispensável do xamanismo. É o veiculo pelo qual os xamãs fazem suas viagens a outros mundos. O tambor também é usado para invocar espíritos, para curas, para afastar espíritos malignos.

O tambor deverá adquirir uma alma antes de ser utilizado, alguns o preparam com banhos de ervas, evocações, defumações, canções, preces, etc. Deve ser honrado o sacrifício do animal e da árvore, pois estes espíritos também falarão através do toque do xamã.

Os nativos norte-americanos associam o toque do tambor as batidas do coração da Mãe-Terra e também ao som do útero. O tambor dá acesso a força vital através de seu ritmo.

O tambor é considerado o cavalo, ou a canoa, que leva ao mundo espiritual. É o instrumento que faz a comunicação entre o Céu e a Terra, que permite ao Xamã viajar ao Centro do Mundo ( Eliade )

É utilizado por xamãs e sacerdotes do mundo inteiro, em diversos tamanhos e formas, como, por exemplo o Damaru ( o instrumento de Shiva ), os tambores japoneses, as tablas indianas, as tumbadoras cubanas. É usado no Tantra, no Budismo Tibetano, nos cultos afro, tais como a Umbanda e o Candomblé ( atabaques ). Neste último existe a prática do batismo dos atabaques, onde são aspergidos por água benta; são oferecidas comidas dos santos, e os tambores envoltos com as cores dos orixas a que foram consagrados. Nos cultos jeje-nagô os atabaques são percutidos com varinhas (aguidavis), nos cultos de angola são percutidos com as mãos.

Na Sibéria, o tambor é redondo ou oval, geralmente feito com pele de alce ou rena, e os espíritos é que decidem qual o tipo de madeira deve ser usado para a fabricação do tambor.

Entre os índios brasileiros existem os tambores de cerâmica (percutido com uma baqueta), o tambor d’água (de cerâmica cheio de água); o tambor de fenda, que é uma madeira cavada em um tronco com aberturas circulares (sem pele), pendurados há alguns centímetros do chão e tocados por duas baquetas, e os tradicionais tambores de pele.

No Candomblé geralmente são três : Rum, o maior – Rumpi, o médio e Lé,o menor.

A velocidade de toque para uma jornada xamânica varia de 150 a 200 batidas por minuto.Os sons repetitivos e monótonos, permitem ao xamã alterar sua consciência. O antropólogo M. Harner, relata uma pesquisa feita em laboratório, que o tambor produz modificações no sistema nervoso, pois as batidas são de baixa frequência, predominando o nível de frequência do eletroencéfalograma, por esse motivo, para conservação do transe, geralmente um assistente assume o tambor. O tambor associado a cânticos, sinos , e outros intrumentos cria um ambiente muito propício para o transe.

Alguns xamãs chegam a afirmar que o trabalho xamânico não acontece sem um tambor. O chefe do tambor, ogã, tamborileiro, é o maestro da viagem, do transe. Os toques podem aumentar o campo de força. Existem toques para cura, para guerra, para as jornadas.

Histórias nativas contam que o tambor é um presente enviado pela Águia. É o veículo do xamã, que nos permite comunicar na língua sagrada do espírito.

Um tambor xamânico é construído dentro dos parâmetros muito precisos para a eficácia máxima. A borda é feita da madeira, geralmente cedro, ou uma madeira local com bom resonate qualidades. A cobertura é  mais tipicamente do couro cru .

O tambor xamânico produz estados claros de transe e níveis de relaxamento profundo. É também meio de conectar com os pontos mais distantes da grade energética. O tambor sagrado alinha-nos com as forças da harmonia. A harmonia é um atributo universal da consciência, e  ajuda-nos viajar, através do espaço do coração. Quando nós ouvimos o tambor ressoar nós criamos uma possibilidade de oferecer a vida para nos e o universo inteiro.

O tambor nos leva a examinar o espírito, dá-nos uma voz do espírito e as orelhas do espírito. *Alce Negro* – Wallace Black Elk  , xamã lakota disse : “quando você reza com o tambor , quando os espíritos ouvem esse tambor que ecoa, nossa voz  superior é desobstruída.”

 

Um Xamã Siberiano Toca o Seu Tambor – Piers Vitebsky

Baixando a cabeça para o tambor, o xamã começa a cantar baixo, lenta e melancolicamente. Bate o tambor em vários locais com batidas calmas espaçadas. Fica-se com a impressão de que está a chamar alguém, a reunir os seus auxiliares e a invocá-los de uma longa distância. Por vezes, bate o tambor com força e profere algumas palavras – o que significa que um dos seus auxiliares acaba de chegar. Pouco a pouco, a canção torna-se mais alta e a baqueta do tambor bate com maior frequência. Isso significa que todos os espíritos ouviram o chamamento do seu senhor e aproximaram-se dele. Por fim, as batidas no tambor tornam-se muito fortes, a tal ponto que parece que vai arrebentar. O xamã já não contempla o tambor, mas canta em plenos pulmões. Agora, todos os espíritos se reúnem.

Sem se deter na canção, o xamã coloca a sua armadura peitoral. Fica em pé no local, curvando-se ligeiramente e batendo os pés. O tambor respondeu às batidas da baqueta com os mais diversos sons, desde sonoras batidas, com um tímido e agudo metálico, até o mais delicado dos rufares, um zunido suave e contínuo, acompanhado por um ligeiro tinido. O xamã usou ainda o tambor como um quadro refletor de som, de tal modo que, na escuridão, parecia que a sua voz se deslocava de um canto para o outro, e de baixo para cima e de cima para baixo.

Os diagramas apresentam linhas de vibração da superfície. Os tambores _saamis_ eram cobertos com elaborados desenhos de pessoas, de animais e do cosmo. Os xamãs utilizavam estes tambores para adivinhação, estudando os movimentos de um ponteiro entre os desenhos, enquanto se tocava o tambor. Um ponteiro típico era um conjunto de anéis metálicos designado por “rã” . Os saltos da rã dependiam das harmonicas da pele em vibração, e as experiências modernamente realizadas levam a presumir que estes movimentos são quase impossíveis de prever.

Roger N. Walsh em “O Espírito do Xamanismo” descreve o tambor xamânico da seguinte forma :

Quando um tambor é tocado num andamento de duzentas e vinte batidas por minuto, a maioria dos iniciados ocidentais relata que consegue efetuar, com êxito, uma viagem, até mesmo em sua primeira tentativa. A notável facilidade de indução desses estados e suas experiências é, sem dúvida, uma razão para a popularidade do xamanismo. essa facilidade contrasta de modo agudo com os meses de prática em geral exigidos pelas disciplinas meditativas e iogues, antes que possam aparecer estados alterados significativos. Contudo, em tradições meditativas mais recentes, como o zen coreano, por exemplo, os tambores também são usados.

É provável que o ritmo dos tambores facilite os estados e a viagem xamânicos através de vários mecanismos. Primeiro age como dispositivo de concentração que lembra continuamente o xamã de seu propósito e reduz a incessante necessidade de divagação da mente. os tambores também fazem submergir outros possíveis estímulos geradores de distração, permitindo ao xamã que sua atenção seja centrada no interior. A concentração intensificada parece ser um elemento-chave em todas as disciplinas espirituais eficientes, e os xamãs parecem ter encontrado um dos meios mais rápidos e fáceis de alcançá-la.

O ritmo dos tambores e outros ruídos altos podem agir ainda como fatores de desestabilização que interrompem o processo psicológico vigente por meio do qual mantemos continuamente nosso estado usual de consciência. Charles Tart diz que, em sua experiência, uma batida de tambor bastante forte dá a sensação de dominar depressa as forças de estabilização, introduzindo uma mudança abrupta e radical nesse estado. É muito interessante que os mestres zen pareçam fazer uso do mesmo princípios. Numerosos relatos mostram como acompanham de perto os aprendizes que estão perto do ponto de mutação. Então, quando a pessoa está menos esperando, o mestre aproxima-se, sem fazer barulho, por trás e berra com toda a força de seus pulmões bem no ouvido do novato. O resultado ideal é que se produza um satori instantâneo, um vislumbre da iluminação.

O ritmo dos tambores ainda é um elemento que em geral harmoniza a atividade neuronal com a frequência do som . Duas pesquisas que parecem endossar essa ideia tem sido citadas várias vezes. Em ambas, os eletroencefalogramas das pessoas que ouviam ritmo de tambores pareceram exibir respostas ditadas pela audição. a direção ditada pela vivência auditiva ocorre quando um som repetitivo provoca frequências de disparo correspondentes na atividade cerebral. Essas pesquisas vêm sendo bastante citadas como prova de que os efeitos neuronais dos tambores são um fato, mas, infelizmente, elas são imprecisas. As medições das ondas cerebrais talvez foram contaminadas pelos movimentos corporais do xamã, tornando impossível extrair conclusões decisivas acerca da atividade cerebral. Sejam quais forem os mecanismos neuronais, qualquer pessoa que tenha entrado em transe pela música ou pela dança está bem consciente de que o ritmo tem um forte potencial para alterar estados mentais.

 

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