Maracás / Chocalhos

Muito utilizados, principalmente na América do Sul, geralmente feitos de cabaça, ou chifres de gado, o interior contém sementes ou pedras.Possuem a mesma finalidade dos tambores, também são utilizados para aberturas de rituais e exorcismos.

Segue abaixo texto de  Clara Prado Marques Porto e  Eduardo Sarmet Cunha Weizmann  feuto pada o Curso de Etnomusicologia:

O Maracá no contexto indígena

Faz-se necessário para o estudo do Maracá descobrir mais acerca da palavra. Segundo o dicionário Aurélio maracá seria:

1.       Instrumento chocalhante que era usado pelos índios nas solenidades religiosas e guerreiras; bapo, maracaxá, xuatê.

2.      Chocalho que acompanha certas músicas e danças populares, como, p. ex., o samba e o baião.

3.      Chocalho que serve de brinquedo às crianças.

Seguindo a primeira hipótese buscamos na literatura clássica sobre xamanismo citações sobre o uso do maracá entre os indígenas. E encontramos citações bem interessantes, entre elas:

Embora a indumentária ritual seja bastante rara na América do Sul, certos acessórios do feiticeiro fazem as suas vezes; entre eles podemos citar o maracá, chocalho, feito de cabaça em cujo interior há grãos ou pedrinhas, sendo munido de um cabo. Esse instrumento é considerado sagrado, e os tupinambás chegam afazer-lhe oferendas de alimentos. (A. Metraux apud. Eliade, 1951)

Além dessa citação, no livro “O Xamanismo e As Técnicas Arcaicas do Êxtase” de Mircea Eliade, encontrasse uma outra menção ao maracá. Está citação faz, para os indígenas, um paralelo do maracá com o universo, isto é, dentro da cabaça do maracá estaria contido um universo.

“Se o tambor é o instrumento do xamanismo na Sibéria e na América do Norte, na América do Sul é quase totalmente substituído pelas maracás. Tal como o tambor siberiano, que se diz ser feito da árvore do mundo, também o cabo da maracá sul-americana simboliza esta árvore, ao passo que o volume oco do instrumento propriamente dito simboliza o cosmo. As sementes, cristais ou seixos contidos no seu interior são os espíritos e as almas dos ancestrais. A agitação da maracá torna os espíritos ativos, que então passam a prestar assistência ao xamã.” (Eliade 1951)

Em seu estudo sobre as origens incas do culto a ayahuasca o pesquisador Eduardo Bayer em seu livro “O Verdadeiro Inka”, traz um relato deveras interessante, pois em seu segundo anexo trata da tradução de um texto conhecido como “Historia do Futuro” escrito pelo Padre Antônio Vieira e a partir dele traça um paralelo entre o uso indígena da ayahuasca com a posterior cristianização da bebida através de Raimundo Irineu Serra. No entanto o que nos importa aqui são os trechos do documento de Pd. Antônio Vieira em que trata do maracá. Reproduzindo na integra o dialogo entre a tradução de Bayer e os escritos de Vieira segue:

“… Para inteligência do verdadeiro entendimento deste texto ou enigma, se há de supor que a palavra latina cymbalum, com que significamos os nossos sinos de metal, significa também qualquer instrumento com que se faz som e estrondo; e tais eram os címbalos de que usavam antigamente os Gentios, que se chamavam por nomes particulares sistros, crótalos, ou crepitáculos e por nome geral címbalos. (…) Também se há de supor que os Maranhões usavam de uns instrumentos que chamavam maracás, não de metal, porque o não tinham, senão de cabaços ou cocos grandes, dentro dos quais metiam seixos ou caroços de várias frutas, duros e acomodados a fazer muito estrondo e ruído, servindo-se dás menores nas festas e nos bailes e dos maiores nas guerras. Estes maracás eram propriamente os seus címbalos ou sinos, tanto assim que, depois que viram os sinos de que nos usamos, lhes chamam itamaracás, que quer dizer, maracás ou sinos de metal.

(…) As maiores embarcações dos Maranhões chamam-se maracatim, derivado o nome da palavra maracá, que como dissemos, significa entre eles sino e a razão de darem este nome às suas maiores embarcações era porque, quando iam às batalhas navais, quais eram ordinariamente as suas, punham na proa um destes rnaracás muito grandes, atados aos gurupés ou paus compridos; e bulindo de indústria com eles, além do movimento natural das canoas e dos remeiros, faziam um estrondo barbaramente bélico e horrível; e porque a proa da canoa se chama tim, tirada a metáfora do nariz dos homens ou do bico das aves, que têm o mesmo nome, e juntando a palavra tim com a palavra maracá, chamavam àquelas canoas ou embarcações maiores maracatim, e este nome usam até hoje, e com ele nomeiam os nossos navios.

[…] Digo, pois, que fala o texto de verdadeiras asas de aves. Como aqueles gentios não tecem, nem têm panos, é grande entre eles o uso das penas pela formosura das cores com que a natureza vestiu os pássaros, e particularmente o chamado guará, de que há infinita quantidade, grandes e todos vermelhos, sem mistura de outra cor; destas penas se enfeitam quando se querem pôr bizarros, e principalmente quando vão à guerra, ornando com elas todo o gênero de armas, porque não só levam empenadas as setas, senão também os arcos e rodelas, e as partasanas de pau e pedra que chamam fanga-penas e quando a guerra era naval, empavesavam-se as canoas com asas vermelhas dos guarás, e as mesmas levavam penduradas dos gurupés e maracás das proas; e por isto o Profeta diz que todas estas cousas via e notava como tão novas: chamou as lanças sinos e sinos com asas: Navium alis, cymbalo alarum. (Bayer Neto, 2003)

Ainda no texto de Bayer encontramos uma passagem interessante quando este cita José Francisco Rocha Pombo que em seu livro Historia do Brasil (Ilustrada) traz uma passagem sobre o maracá.

” Rocha Pombo faz referência de que o Tapuia mais puro teria sido aquele que os portugueses encontraram em Porto Seguro depois da Páscoa de 1500, e declara: Entre os Tapuias, uma tribo poderosa toma o nome de Maracá e é sem dúvida a nação sagrada: pois um precioso manuscrito da Biblioteca Real que atribuo a Gabriel Soares a coloca nas imediações de São Salvador, privilegiada região que parece ter sido outrora a metrópole selvagem destas nações indianas. Sirva de instrumento para guiar as danças guerreiras, ou represente a divindade, o que é certo é que o nome de maracá se acha. mais ou menos alterado, em grandes números de denominações indígenas. Entre os Tupis, que seguramente o tinham tomado aos Tapuias, era o maracá de um uso menos misterioso e mais geral: era uma simples cabaça (porungo) oval, ornada de penas vermelhas e azuis de arara. Um cabo ornado a atravessava, e agitando-a, o índio fazia retinir na cabaça os grãos (de milho ou de feijão) que lhe punha dentro. Sem arriscar uma hipótese inverossímil, pode bem ser que este fosse destinado a recordar simbolicamente o ruído do trovão, que todos estes povos reverenciavam (Rocha Pombo). O que se sabe é que o maracá foi o tabernáculo das mais antigas tribos brasileiras, através do qual os indivíduos abriam um espaço ritual para a comunicação com seus deuses, sendo por isso venerado com o respeito devido a um objeto sagrado.

Maracá pode até ter sido o nome original deste continente meridional, que de Amaracá na expressão indígena, segundo Rocha Pombo…” (Bayer Neto 2003)

Como se não bastassem por si só estes trechos para ilustrar a importância que tem o maracá em seu contexto indígena podemos lembrar ainda, que além da tribo Maracá citada por Rocha Pombo, existe ainda um ritual xamanístico entre os Asuriní do Xingu com o nome de Maraká. Este ritual foi estudado pela pesquisadora Regina Polo Müller da UNICAMP e seu texto faz parte da coletânea “Xamanismo no Brasil” lançada pela editora da UFSC.

Apesar do que se esperava no ritual Maraká dos Asuriní, não se usa o maraká, pois “o meio físico através do qual se desencadeia a metamorfose” do xamã da condição humana para a sobrenatural é a fumaça do charuto de tabaco chamado petym. No entanto este ritual tem características similares a “pajelança” de demais grupos indígenas através da representação da doença e do uso de danças e cantos nos seus ritos.

Ainda durante as entrevistas recebemos um relato muito interessante acerca do maracá, que vai introduzir o nosso próximo ponto:

“No romance Iracema, José de Alencar traduz maraká do tupi-guarani como: mara = chifre e ká = combate, “chifre de combate”. Seria por se parecer com um chifre e ser usado em combates espirituais? ” (Andrei)

O Maracá como arma

São incontáveis os relatos que tratam o maracá como um “objeto de poder”, fruto das mais diversas concepções. No entanto para iniciar a observação nesse sentido podemos lembrar que, de acordo com o livro “Normas de Ritual”, em um trabalho onde canta-se um hinário inteiro a primeira parte se faz sem instrumentos e é só na segunda parte, depois de um intervalo, que este recebe o acompanhamento dos “músicos”[7] (pessoas que tocam violão, baixo, flauta e outros instrumentos).

No entanto de acordo com as observações feitas, e apesar de todos os relatos serem unanimes no sentido de dizer que os “músicos” só entram após a metade do hinário, o uso do maracá se faz presente a partir do primeiro hino. E sempre serve de acompanhamento a todos os outros hinos até o fim do trabalho, salvo raras exceções, como no caso de ser cantada a missa (conjunto de hinos em homenagem aos mortos, em que se canta com todos sentados, após a reza de um terço e sem o acompanhamento de quaisquer instrumentos) ou o hino da confissão.

Percebe-se, assim, que o imaginário construído a cerca do maracá nos fornece representações contraditórias sobre as características, os usos e funções do mesmo. Assim, o maracá, na mesma medida que é considerado como um instrumento musical, pode assumir uma carga simbólica superior às suas qualidades musicais, como por exemplo ser responsável pela condução do clima do trabalho espiritual, tanto individual como coletivo. E além disso, como podemos constatar, ele pode, ao mesmo tempo, não ser considerado como um instrumento musical , já que aqueles que o tocam não são considerados músicos, como vimos acima. Para ilustrar segue uma serie de relatos dando um panorama de como o maracá passa a ser concebido na exegese nativa.

“Agora sob o ponto de vista espiritual penso que o maracá é um “objeto de poder”, ou seja, é apenas um instrumento, não tem o poder de ensinar nada, é uma ferramenta de guerra. Como instrumento de luta é de se ressaltar que o maracá não traz consigo nenhum poder para seu dono, na verdade o seu poder depende de seu possuidor, pois é a pessoa que empresta suas forças para o instrumento e neste caso, o poder depende exclusivamente da atitude mental de quem toca.” (Alex Guedes dos Anjos)

“… ele é um ótimo cavalo para quem quer andar no astral, percebi também que rola uma magia de acordo com o movimento que você faz…” (Dário Placid)

“… vi uma palestra sobre xamanismo indígena com o Sr. Inti Roman Quéxua, da tribo quéxua do Peru, onde ele afirmou que certos xamãs levantam sua mão esquerda para captar as energias do cosmo e a mão direita vibram o maracá, espalhando energias positivas sobre o paciente e sobre os locais doentes, afastando assim as influências indesejáveis.” (Andrei)

“E em Caxias do Sul para este São João tive que deixar meu maracá de metal, afinadíssimo pelo Adriano Grione da Boca do Acre, no bolso, porque os maracás ali puxados todos eram indígenas, e eu podia distoar. “Silencioso…” (mas eu acho muito difícil ter de bailar com as mãos no bolso ou sem o maracá/arma em mãos!)” (Eduardo Bayer – entrevista por e-mail)

Neste contexto ritualístico podemos dizer que o maracá é um instrumento canalizador de energia, energia esta que tem origem no amor. O amor é a força verdadeira e quando o tocamos é como se emitíssemos correntes de luz que espantam os mal espíritos, “enxotam os malfazejos”[8]. A energia, como sabemos, é positiva e negativa e de ambas correntes precisamos para acender uma luz, assim, também acredito que pelo maracá “espirramos” fluxos negros.

Enfim, o maracá é um instrumento que nos ajuda a fazer nossa “limpeza de mentalidade. (Alex Guedes dos Anjos)

O maracá, então, passa a ser concebido como uma arma que vai influir magicamente sobre os efeitos da bebida com fins específicos. Entre eles podemos dizer que o maracá produz o “som cadenciado favorecedor da expansão da consciência, [além de] oferecer à mente um elemento pregnante (simples, estável, regular e contínuo) de foco [e manter o] contato consciente com o próprio corpo” (Teixeira de Freitas S/ data).

Esta característica de o maracá manter o contato consciente com o corpo pode ser traduzida em dois sentidos. O primeiro seria de que pelo toque o adepto se orienta nos passos que vai dar na dança ritual ou bailado. Em relação ao segundo sentido podemos exemplificar citando o seguinte relato:

“Quanto aos momentos de peia, me refiro a passagens difíceis onde eu como médium despreparada, ficava quase inconsciente e as batidas do maracá me ajudavam a ficar aqui.” (Silvia)

Já o aspecto de ser um favorecedor na expansão da consciência pode-se dizer que:

“… ele também colabora na facilitação do transe, pois é através dele que o ritmo é mantido, e as músicas ritmadas desta forma, torna-se uma poderosa redutora de análise, permitindo com mais facilidade as modificações no estado de consciência, isto é, reduzindo o senso crítico e a percepção comum para atingirmos mais facilmente os estados de percepção da realidade não comum [consciência alterada] e claro, absorver as mensagens contidas nos hinos.” (Alex Guedes dos Anjos)

Ainda sobre o maracá atuando como expansor da consciência foi-nos cedida uma “dica”, que em um trabalho posterior pode ser averiguada:

“… pesquise a ciclagem do impulso elétrico nos neurônios cerebrais e verá que sua frequência ótima (40 Hz), ao ser estabilizada por estímulos externos sonoros ou vibracionais induz com facilidade à expansão de consciência e a eventuais estados de êxtase (razão pela qual se usa aqui maracás, lá mantrams, acolá tambores, não sei onde chocalhos e por aí adiante)… ” (Luis Carlos Teixeira de Freitas em entrevista por e-mail)

Conclusão

Este trabalho então vem com a proposta de acrescentar, a imensa gama de estudos acerca da religião do Santo Daime, uma abordagem etnomusicológica de um objeto em particular e até por conta disso só vai dar cabo de responder questões especificas e apresentar conclusões parciais.

Como se pode perceber ao longo de todo o trabalho, o Maracá é um tema constante de discussão entre os adeptos do Santo Daime. Seu uso da fruto as mais acaloradas discussões pois pode tanto ser visto como aliado na expansão da consciência, quanto como responsável e causador de problemas de ordem física – espiritual.

O Maracá enquanto arma espiritual ou instrumento musical não tem o seu espaço definido, essas duas visões se entrelaçam, apesar da tentativa de separar esses dois aspectos nesse trabalho, pode-se perceber que esta separação não existe no pensamento nativo.

Percebe-se também que o pensamento dos adeptos do Santo Daime acerca do maracá vai acompanhar o seu pensamento sobre a bebida ritual, e assim ter uma suposta herança cultural do pensamento indígena. Esta hipótese da herança cultural do pensamento indígena sobre o pensamento dos adeptos do Santo Daime não é uma proposição que pretende ser provada neste trabalho, mas sim é uma hipótese levantada a partir do próprio pensamento nativo.

O nativo faz assim uma ampla relação entre os efeitos alucinatórios da bebida e o som produzido pelo grupo. A constante busca por uma musica que soe uníssona e padronizada também caracteriza esta busca enteógena de religação com o divino, pois de acordo com relatos quando se consegue ouvir uma só voz essa seria a voz de Deus.

O grupo demonstrou grande interesse em contribuir para esse trabalho e também em ter acesso ao produto de suas contribuições. Agradecemos assim todas as contribuições e relatos ressaltando aqui a sua importância. Importância essa expressa a partir do titulo que é fruto de um dialogo, em que nos dizíamos que pretendíamos fazer um trabalho sobre o uso do maracá e a nossa resposta foi unicamente está frase – titulo: “Quando o instrumento vira espada.”(Robério)

O presente texto intitulado “Quando o instrumento vira espada” é o produto de uma pesquisa etnográfica realizada durante o primeiro semestre do ano de 2003 na Igreja do Santo Daime Céu do Mar , localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Para a realização da mesma, utilizamos o método qualitativo. Uma das técnicas utilizadas foi a observação participante – frequentamos os diversos cultos realizados na Igreja, assim como outras atividades: concentração, bailado, trabalhos de cura, ensaios. Em todas essas atividades a prática musical foi percebida como de grande importância, percebida base condutora, sendo os ensaios uma atividade específica e totalmente voltada para as práticas musicais uma vez que nele os participantes ensaiam as músicas que são cantadas e tocadas nos cultos. Outra técnica relacionada ao método qualitativo de pesquisa foi a realização de entrevistas abertas com diversos integrantes do grupo religioso, não só do local onde realizamos as observações, como de outras igrejas do Santo Daime de todo o mundo, via Internet

Nosso objetivo foi buscar informações a cerca do uso ritual  maracá, assim como analisar as representações, imagens e o simbolismo que o cercam. Fazer uma abordagem do uso do maracá apenas como instrumento musical seria reduzir o objeto ao menor foco possível. Pois para entender o uso do maracá no contexto ritual do Santo Daime é necessário fazer uma pesquisa acerca de todo simbolismo que cerca esse objeto, bem como dos revisar os relatos sobre os seus efeitos mágicos.

QUANDO O INSTRUMENTO VIRA ESPADA
Uma abordagem etnomusicológico do uso do maracá nos cultos do Santo Daime

Um sinônimo de Maracá seria simplesmente chocalho. No entanto o maracá usado nos rituais daimistas tem características especificas. Geralmente são chocalhos metálicos, feitos com uma lata de tamanho médio ou pequeno, geralmente aquelas latas de leite condensado normal ou mini, com pequenas bolinhas de aço (esferas de rolamento) dentro e cabo de madeira. No entanto ainda não existe uma padronização, havendo maracás de coco, de cabaça, de madeira e dos mais variados materiais.

A uniformização, conforme o ideal estabelecido por Irineu Serra, seria do maracá feito de lata e cada fardado possuiria um, fazendo ele parte da farda (vestimenta ritual). Este maracá deve ser tocado batendo sua parte superior na mão em marcações constantes.

Estas marcações seguiriam o compasso da musica. Uma musica em compasso quaternário como a marcha teria marcação ( f – f – f – F ) aonde a ultima seria uma batida para cima (Rufo) ao invés de ser na mão. Uma valsa em compasso ternário teria a marcação ( F – F – f ) e a mazurca em compasso binário composto teria a marcação ( f – f – f – F – F – F )[3]. O compasso se seguido corretamente por todos vai produzir o som uníssono e cadenciado favorecedor da expansão da consciência.

A padronização uma vez idealizada por Irineu Serra sofre sobre vários aspectos. O primeiro deles seria a grande diferença de materiais na fabricação dos maracás, o que produz um som diferenciado. A segunda seria a própria maneira de tocar de cada pessoa. Há pessoas que tocam batendo o maracá na mão[4]. No entanto, as pessoas que usam o caderno com a letra das musicas do hinário em uma das mãos, em geral, não batem o maracá na mão por estar com ela ocupada[5]. Desta forma a pessoa tem que bater o maracá, ora para baixo ora para cima, o que por si só produz um som diferenciado.

Algumas pessoas desviam o toque do seu maracá da marcação básica, produzindo viradas e repiques diferenciados. Existe uma grande problemática e discussão acerca do toque dos maracás. Durante as entrevistas constatou-se que os adeptos dão grande importância e fazem restrições ao “volume” do toque de outros adeptos, bem como restrições a estes toques diferenciados. Por vezes tivemos relatos como:

“Um ótimo xamã para entrevista sobre o maracá é o Padrinho Eduardo do Céu de Maria [SP]. Ele fica muito chateado quando escuta um maracá pasteurizado.” (Jussara)

“Lá no Flor das Águas, igreja do Pedro Malheiros em São Paulo, ainda quando na garagem da casa do Pedro, haviam maracás indígenas, mas eram pouco usados. Na verdade, não eram maracás afinados, próprios para o culto do Daime, e eu poderia até chamá-los de chocalhos.” (Eduardo Bayer – entrevista por e-mail)

“… não há necessariamente uma maneira correta [de tocar], acredito que se possa fazer o tempo forte à sua maneira, desde que se mantenha atento para não perder o tempo e prejudicar o ritmo, consequentemente, a Harmonia do trabalho.” (Alex Guedes dos Anjos)

“… uma irmã falava: Olhem a altura do maraká! Vamos trabalhar com as energias mais elevadas, acima do coração, nunca abaixo.” (Silvia)

” Também quando mal tocado e interpretado em suas forças, sozinho ou aliado a com uma percussão que não conseguira tocar, e lá esta o fim do trabalho e a peia[6] geral se instala e ninguém mais se entende na harmonia do hino e do salão que vira aquela taquicardia e acelera e diminui e é muito difícil um Maracá mal tocado.” (Timbere – entrevista por e-mail ao membro do grupo daimista na França)

“Afirmações como devem conter 132 esferas (em alusão ao total de hinos do O Cruzeiro Universal), há maracás masculinos e maracás femininos, os maracás devem soar em uma nota específica, ou há uma forma ritual de confeccioná-los, são superstições de fundo idolátrico…”

“… Mestre Irineu não deixou nada determinado a respeito dos maracás, embora incentivasse a padronização, razão pela qual devem ser todos o mais semelhantes possível entre si e o verdadeiramente importante é todos soarem em uníssono no correr do serviço espiritual bailado, atuando poderosamente sobre o psiquismo dos fiéis e facilitando a expansão de consciência que favorece o serviço espiritual.” (Luiz Carlos Teixeira de Freitas em entrevista por e-mail citando seu livro ainda no prelo)

“O maracá deve estar afinado convenientemente. Em tese, todo fardado deveria ter um maracá. Deve saber tocá-lo adequadamente dentro do ritmo exigido pelo hino. O comando do trabalho poderá limitar o número de maracás, se assim julgar conveniente.” (Livro Normas de Ritual editado pelo CEFLURIS)

Percebemos, então, que preza-se o maracá tocado com som uniforme. Sendo assim quando existe uma inadequação cabe ao “comando do trabalho” julgar a maneira conveniente de proceder. O que, por vezes, pode terminar em discussões acaloradas. Existe ainda um debate acerca da afinação do maracá no entanto este aspecto, como outros, também faz parte de toda a discussão acerca do maracá enquanto instrumento musical.

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[1] As palavras em Itálico fazem parte das categorias nativas.

[2] Estado de consciência alcançado com a ingestão da bebida ritual, onde se viaja para dentro de si, funcionando como uma auto-análise. Ocorre modificações na percepção, os sentidos ficam mais aguçados, podendo-se ter visões luminosas e contatos com pessoas distantes. Recordações e pensamentos ocorrem em grande velocidade, a noção de tempo varia. Alonga-se ou não, de acordo também com as emoções.

A nomenclatura dos gêneros e compassos foi retirado da tese de Rodrigo Sebastian de Moraes Abromovitz – Musica e Miração, já a definição dos tempos é de responsabilidade dos autores do trabalho.

[6] O termo peia se usa quando a pessoa quer nomear um momento difícil quando o adepto ou neófito tem uma bad trip em que podem haver visões aterradoras, mal estar do corpo, como suar frio, taquicardia, etc…

[8] Nesta parte cita uma frase do hino Linha do Tucum de número 108 do Mestre Raimundo Irineu Serra

 

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