Música e Medicina

SONS PARA A SAÚDE – Fonte Revista Planeta
Música e Medicina
Médicos e pesquisadores dos Estados Unidos e outros países estão adotando a musicoterapia em salas de cirurgia e no tratamento de pacientes ambulatoriais e hospitalizados.

Desde os tempos bíblicos a música é vista como um instrumento de cura. Segundo o Livro de Samuel I, o rei Saul foi assediado por “um espírito maligno do Senhor”, seus servos o aconselharam a procurar um harpista cuja música pudesse aliviar sua alma atormentada. Um jovem pastor chamado Davi, tido como músico talentoso, foi chamado; Davi “tomava a harpa e a dedilhava; então Saul sentia alívio e se achava melhor, e o espírito maligno se retirava dele”. (1 Sam 16:23)

A apresentação de Davi poderia ser considerada o primeiro caso registrado do uso da música como terapia. Contudo, Joseph Moreno, musicoterapeuta e estudioso do xamanismo e de outras antigas tradições de cura, observou que a moderna musicoterapia é um desenvolvimento de 30 mil anos de uso do som com propósitos de cura nas tradições xamânicas.

As raízes da musicoterapia como profissão na área da saúde remontam à Segunda Guerra Mundial, quando os músicos se ofereciam para tocar com o propósito de divertir soldados que haviam sido feridos. Com o tempo eles acabaram percebendo que os resultados obtidos iam muito além da meta inicial de proporcionar diversão como forma de combater o tédio e a rotina da vida num hospital. Os benefícios colhidos como resultados das apresentações regulares incluíam menos depressão, maior socialização entre os pacientes, elevação do moral, aumento da expressão emocional e mais contato com a realidade. Desde então, a musicoterapia tem obtido um reconhecimento cada vez maior como aplicação prática e produtiva para um grande número de condições físicas, emocionais e mentais.

Atualmente, existe um grande volume de pesquisas que qualificaram e confirmaram os benefícios psicológicos e fisiológicos da música para o desenvolvimento e o comportamento humanos. Entretanto, não devemos nos esquecer do modelo xamânico: a música, quer seja produzida pela voz, por instrumentos ou por ambos, restaura a ligação que temos com a nossa essência – o domínio que fica além da nossa percepção consciente – e, portanto, com o cosmos. O compositor Steven Halpern tem feito pesquisas pioneiras no campo do som e da cura desde 1970. “Estar em harmonia consigo mesmo e com o universo pode ser mais do que um conceito poético”, diz Halpern, que está entre os primeiros a usar tigelas de cristal e visualização dirigida para fazer com que o cérebro passe a emitir ondas alfa e teta, alcançando, assim, um estado de relaxamento que, acredita ele, é muito favorável à cura.

Carl Jung – o psicanalista pioneiro que trouxe a espiritualidade para a psicoterapia através da exploração do mito e do arquétipo – descobriu os méritos terapêuticos da música graças a um encontro com Margaret Tilly, musicoterapeuta e pianista. Durante uma visita que Tilly fez à casa de Jung na Suíça, em 1956, ele informou-a com mau humor: “Já ouvi tudo e todos os grandes artistas, mas não ouço mais música. Ela me exaure e irrita.”

Tilly ficou surpresa com a veemência dele, principalmente considerando-se a presença, em sua “sala de estar ampla, escura e aconchegante”, de “um grande piano Bechstein com o tampo levantado”. Quando ela perguntou-lhe por que ele renunciara à música, ele respondeu: “Porque a música lida com um material arquetípico extremamente profundo, e as pessoas que tocam não percebem isso.”

Não obstante, ele estava bastante curioso sobre a profissão dela e, tão logo terminaram o chá, ele disse: “Quero que você me trate exatamente como me trataria se eu fosse um dos seus pacientes… Vamos para o piano.”

“Sentindo-me um pouco como se estivesse vivendo um sonho, comecei a tocar”, recorda-se Tilly. “… ele estava obviamente comovido… ‘Não sei o que está acontecendo comigo’, disse ele. ‘O que você está fazendo?’

“Ele disparou uma pergunta atrás da outra. ‘Em tal e tal caso, o que você tentaria tocar? Não me diga apenas; mostre-me.’ Eu lhe contei muitas histórias de casos; trabalhamos por mais de duas horas… Por fim, ele saiu-se com esta: ‘Isso abre linhas de pesquisas totalmente novas, com as quais nunca sonhei. Não por causa do que você disse, mas em virtude daquilo que senti e experimentei. Sinto que, de agora em diante, a música deve ser uma parte essencial de todo tipo de análise. Ela nos permite trabalhar com os pacientes no nível dos arquétipos mais profundos’

Embora a ousada afirmação de Jung ainda esteja por ser cumprida, o papel da música no processo terapêutico continua a encontrar uma aceitação cada vez melhor. Por exemplo: o revolucionário trabalho de Helen Bonny recorre aos férteis recursos da música clássica, visualização, interpretação de sonhos e mitologia junguiana para obter notáveis resultados de crescimento e cura. Assim, quando falo sobre musicoterapia, estou bebendo na fonte de Jung, Moreno e de outros clínicos e pesquisadores. Uma delas é Cathy E. Guzzetta, uma líder no campo da enfermagem holística e defensora da idéia de que se deve “cuidar da música da alma”. Guzzetta tem explorado o conceito de musicoterapia como um processo que “busca alcançar os seus efeitos ouvindo-se as vibrações sonoras”.

“As vibrações musicais”, escreve ela, “poderiam teoricamente ajudar a restaurar a função regularizadora num corpo fora de sintonia (isto é, durante ocasiões de estresse ou doença) e ajudar a manter e a aumentar a função regularizadora num corpo em sintonia. O apelo terapêutico da música talvez esteja em sua linguagem vibracional e em sua capacidade de ajudar a colocar o corpo-espírito em alinhamento com a sua própria freqüência fundamental sem que, para isso, tenha de invocar o auxílio do cérebro esquerdo.

Minha crença no som e na música como instrumentos de cura nasceu de minhas próprias experiências, não de evidências científicas. Como médico, porém, gosto de saber como e por que as coisas funcionam. Fiquei feliz ao descobrir fascinantes evidências clínicas que corroboram as provas anedóticas que eu havia compilado.

A Música no Ambiente do Hospital – Tanto nos Estados Unidos como em outros países, os médicos estão reconhecendo cada vez mais a eficácia do uso da música como uma forma de terapia para pacientes hospitalizados em virtude de uma ampla variedade de doenças. De fato, o dr. Raymond Bahr, diretor da Unidade Coronariana do St. Agnes Hospital, em Baltimore, Maryland, afirmou categoricamente: “Não há nenhuma dúvida de que atualmente a musicoterapia está no topo da lista das medidas utilizadas no trato com pacientes graves… Suas propriedades relaxantes permitem que os pacientes se recuperem mais depressa ao permitir-lhes aceitar sua condição e tratamento sem muita ansiedade.”

Em virtude das minhas próprias experiências, juntamente com todos os dados clínicos que tenho avaliado, fiquei feliz em descobrir a opinião francamente positiva de Bahr quanto ao papel da musicoterapia no hospital – e sua afirmação de que “meia hora de música produz o mesmo efeito que dez miligramas de Valium”. Sou favorável à utilização da maior variedade possível de modalidades de cura complementares, tanto para pacientes ambulatoriais como para doentes que se acham internados em hospitais. Assim, creio que todo hospital deveria ser obrigado a oferecer a musicoterapia em virtude de seus comprovados efeitos ansiolíticos (antiansiedade), bem como em razão de outros benefícios. Embora muitas instituições médicas ainda se mostrem relutantes em estabelecer esses programas dentro da estrutura dos departamentos já existentes, a lista dos que atualmente o fazem inclui hospitais de todas as partes dos Estados Unidos, bem como do Canadá, Inglaterra, China e Japão.

O anestesista Ralph Spintge, um dos mais destacados pesquisadores do mundo no que diz respeito ao uso da música na medicina, resumiu o impacto da música no tratamento médico:

“Parâmetros fisiológicos como freqüência cardíaca, pressão arterial, salivação, umidade da pele e níveis sangüíneos de hormônios do estresse – como hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), a prolactina, o hormônio do crescimento humano, cortisol e as betaendorfinas – apresentam uma significativa redução com o uso de música ansiolítica, comparável à que ocorre quando o paciente recebe a pré-medicação farmacológica usual. Estudos com eletroencefalogramas demonstram a indução de sono através da música na fase pré-operatória. As respostas subjetivas dos pacientes são positivas em cerca de 97% (59 mil) dos casos. Esses pacientes afirmam que a música os ajudou realmente a relaxar no período pré-operatório e durante cirurgias com anestesia local.”

Muitos relatos anedóticos coerentes, bem como estudos clínicos, apóiam a concisa avaliação de Spintge a respeito da música como terapia. Arthur Harvey, professor de música especializado no uso da música como tratamento de saúde, descreve uma dessas histórias num artigo intitulado “Music in Attitudinal Medicine”, o qual aborda o papel da música na medicina moderna. Harvey visitou uma mulher idosa que havia sido hospitalizada e estava muito ansiosa enquanto esperava o momento de fazer uma tomografia computadorizada. Esperando diminuir-lhe o nervosismo, ele emprestou a ela o seu walkman com uma fita de música barroca. “Em poucos minutos”, observou ele, “a respiração dela ficou mais lenta, a cor voltou ao seu rosto e sua atitude de pânico e medo transformou-se em serenidade

Uma perspectiva semelhante é oferecida por Linda Rodgers, cujo primeiro emprego como assistente social no Mount Sinai Hospital, em Nova York, serviu de base para o seu permanente interesse na confluência entre música e medicina. Rodgers é filha de Richard Rodgers, compositor de sucessos da Broadway, além de ser ela própria compositora de músicas infantis. Recém-chegada ao Mount Sinai, em 1982, ela recebeu permissão para testemunhar uma cirurgia cardíaca aberta. “Foi uma experiência chocante”, recordou-se ela, mais de uma década depois. “Mais do que qualquer outra coisa, fiquei admirada com a cacofonia de sons: o ruído agudo de instrumentos caindo em bandejas de metal; os estrépitos, as batidas e os tinidos de outros equipamentos e instrumentos sendo aprontados para o procedimento seguinte; as vibrações e batimentos de todos; o toque dos alarmes e o ruído áspero de outros monitores, com a voz de Frank Sinatra saindo de duas caixas de som porque o cirurgião gostava de ouvir Sinatra.”

Rodgers começou a pesquisar a literatura médica em busca de estudos acerca do quanto as pessoas se lembravam do que havia ocorrido enquanto estavam anestesiadas. Os dados confirmaram aquilo que seus pacientes estavam lhe dizendo. “A via auditiva, ao contrário de todos os outros sistemas sensoriais, tem um relé a mais. As fibras auditivas não são afetadas pelos anestésicos, de modo que elas continuam a transmitir os sons. Em outras palavras: Nunca paramos de ouvir!”

Suas descobertas levaram Rodgers a criar a Audio Prescriptives Foundation, a qual cria fitas que combinam visualização dirigida tranqüilizadora e músicas que combatem a ansiedade, para serem usadas antes, durante e após as cirurgias. Rodgers participou recentemente de um ensaio clínico com duração de três anos, realizado no New York Hospital e ainda não publicado, para determinar se a música afetava ou não os níveis de ansiedade em homens que estavam sendo submetidos à cirurgia para o tratamento de câncer da próstata. Os pacientes que ouviram a fita de Rodgers apresentaram um aumento na temperatura dos dedos, um indicador de redução da ansiedade. Ademais, observa Rodgers, “95% dos pacientes que ouviram as minhas fitas disseram ter ficado felizes com os benefícios obtidos e que iriam ouvi-las de novo”.

Um estudo clínico recente demonstrou os notáveis efeitos que fitas de áudio para visualização dirigida, com um exuberante acompanhamento musical, proporcionavam aos pacientes quando ouvidas antes das cirurgias ou durante as mesmas. Belleruth Naparstek, psicoterapeuta e pioneira no uso da vi- sualização dirigida, criou uma fita de visualização para pacientes que passam por cirurgias que os transporta para um local seguro através de imagens que sugerem resultados cirúrgicos positivos: o corpo juntando ossos e pele para acelerar a cura, o sangue transportando os nutrientes necessários a uma determinada área, etc. Naparstek incentiva o ouvinte a visualizar entidades que podem lhe dar apoio – pessoas amadas, anjos, entes queridos que já partiram – e que eles gostariam que estivessem ao seu lado. A fita, que visa promover a ligação espiritual, foi elaborada

com músicas compostas para evocar essas imagens e proporcionar os seus próprios efeitos relaxantes.

O estudo foi conduzido pelo anestesista Henry Bennett, um pioneiro no campo das intervenções mente-corpo para cirurgia. Bennett distribuiu aleatoriamente 335 pacientes que passariam por cirurgias em cinco grupos, quatro dos quais ouviram fitas mente-corpo por vários dias, antes da cirurgia e durante ela, juntamente com um grupo de controle que ouvia apenas ruídos sibilantes. Cada um dos quatro grupos de tratamento ouviu fitas bem diferentes: (1) as próprias instruções de Bennett para que imaginassem resultados cirúrgicos positivos; (2) relaxamento simples seguido de música suave; (3) uma fita de relaxamento do tipo hemi-synch, que produzia diferentes tons em cada ouvido, em freqüência diferentes, tendo sido criada com o propósito de diminuir a freqüência das ondas cerebrais e induzir o relaxamento; e (4) as elaboradas fitas de visualização com música, produzidas por Naparstek.

O dr. Bennett ficou particularmente interessado nos resultados cirúrgicos e, ao analisar os seus dados, ficou surpreso. As fitas de Naparstek foram as únicas que se revelaram úteis na promoção do processo de cura após uma cirurgia. Em níveis estatisticamente significativos, os pacientes que ouviram as fitas dela perderam menos sangue; eles também permaneceram internados, em média, um dia a menos do que os que estavam no grupo de controle.

O ensaio clínico de Bennett sugere que a combinação de música com visualização personalizada tem um efeito de cura mais pronunciado sobre os pacientes que passam por cirurgias do que a utilização isolada da visualização ou da música. Em sua própria avaliação acerca do sucesso de sua fita, Naparstek frisa a importância dos efeitos emocionais e sensoriais da música de acompanhamento. Todavia, ela também cita o poder transpessoal de seus sons e imagens. “O que funciona melhor é levar pessoas para além do tempo comum, fazendo com que elas penetrem num outro estado de consciência, preferivelmente num domínio em que elas entrem em contato com o seu âmago”, explica ela. “A fita as leva para um lugar cheio de amor e energia, onde elas se sentem seguras.”

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