Cogumelos Mágicos 2
Fungos alucinógenos têm desempenhado papel importante em varias cerimônias religiosas. os maias que habitavam a Guatemala há 3.500 anos utilizavam um fungo conhecido na língua nahuátl como *Teonanácatl* – a Carne de Deus.
Esse Cogumelo provavelmente pertence ao Gênero Psilocybe, embora também possa ser relacionada a duas outras variedades: Conocybe ou Stropharia. O primeiro registro histórico do consumo do cogumelo Psilocybe data de 1502, durante a coroação do imperador Montezuma. Despreparados e assustados pelos efeitos da droga, os conquistadores espanhóis tomaram a decisão de proibir a religião nativa e o uso dos fungos psicoativos.
Albert Hofmann, o químico suíço descobridor do LSD, foi o primeiro a extrair psilocibina e psilocina dos cogumelos mágicos das espécies Psilocybe Mexicana e Psilocybe Cubensis. A psilocibina assemelha-se quimicamente ao LSD e é conhecida cientificamente como _orthophosphoryl -4 – hidroxy – N – di – methyltryptamine._ Os cogumelos secos tem ação mais forte que os cogumelos frescos. assim, de 8 a 10 mg de psilocibina são obtidos em 2 a 6g de cogumelos secos ou em 13 a 40g de cogumelos frescos.
Alguns pesquisadores acreditam que a psilocibina abre uma porta para o subconsciente, permitindo que o mundo consciente seja encarado de uma perspectiva
o de percepção sensorial ampliada: as cores se destacam, detalhes minúsculos dos objetos são revelados e estruturas coloridas cruzam o campo de visão. O efeito pode degenerar em desorientação, reações paranóicas, inabilidade para distinguir entre fantasia e e realidade, pânico e depressão.
Do site www.cogumelos mágicos.com – Retirado do livro : Mandala – A experiência alucinógena. ed. civilização brasileira s.a. 1972 (original: Essai sur L’experience Hallucinogène – 1969).
História da Descoberta dos Cogumelos Mágicos do México
Roger Heim
O CULTO ANTIGO
As relações dos primeiros viajantes espanhóis e as relíquias pré-cortesienses, os afrescos, as estatuetas e as cerâmicas, certamente anteriores a era cristã, ensinam-nos que o culto dos cogumelos sagrados do México remonta a um passado longínquo, Desde o século XVI, alguns frades espanhóis nos dão as primeiras indicações, aliás muito fragmentarias, sobre o uso, pelas tribos índias do México meridional, dos cogumelos cujos efeitos singulares eram utilizados pelos adivinhos, durante as cerimônias rituais. F. Bernardino de Sahagün, Francisco Hernandez, Jacinto de la Serna tinham assinalado o efeito narcótico e embriagador produzido pela absorc do teonanacatl, ou carne de Deus, e as alucinações estranhas, os sonhos coloridos, as vezes acompanhados de visôes demoníacas, de acessos de hilaridade, de excitação erótica, ou, ao contrário, por fases de torpor, ate mesmo de bem-estar, que a ingestão desses agáricos produzia; o partido, enfim, que tiravam desse estado, durante as ágapes que faziam parte da vida comunitária, os curandeiros, aptos então a revelar aos assistentes o futuro e, às vítimas vindas para consultas, o esconderijo dos objetos desaparecidos ou das esposas que haviam fugido.
Entre os dados que nos deixou a literatura antiga, os que Diego Duran apresenta em sua História de las Indias de Nueva España são particularmente preciosos. Dizem respeito as cerimônias que acompanharam e seguiram a sagração de Montezuma II. Vejamos a tradução de linhas muito instrutivas a este respeito:
… Aos estrangeiros foram dados cogumelos silvestres, para que se embriagassem; depois disso, eles entraram na dança. Terminado o sacrifício e estando os degraus do templo e o pátio banhados de sangue humano, todos foram comer cogumelos crus, alimento que fazia com que perdessem a razão, deixando-os num estado pior do que se tivessem tornado muito vinho: achavam-se a tal ponto bebedos e privados da razão que muitos se suicidavam e graças ao poder desses cogumelos tinham visões e o futuro lhes era revelado, o Diabo falando com eles, enquanto estavam em estado de embriaguez,
Sahagun, celebre historiador do México, dedicou várias passagens de seu livro fundamental a comparar as propriedades dos teonanacatls empregados pelos astecas com Os efeitos do cacto chamado peyote, descoberto provavelmente pelos otomis e utilizado ainda hoje no norte do vale do México e ate no Sul dos Estados Unidos, planta que os botânicos chamam Lophophora Williamsii e da qual foi isolado o alcaloide hoje bem conhecido, a mescalina, de surpreendentes efeitos alucinatórios. Os Chichimecas, diz-nos Sahugun, usavam o peyote em lugar de vinho ou de cogumelos. Esta afirmação nos mostra a importância que então havia adquirido o uso destes últimos na vida dos astecas. Eles se reuniam em terreno plano, cantavam, dançavam a noite e o dia inteiros, E, no dia seguinte, choravam copiosamente, enxugando as lágrimas dos olhos. O mesmo autor acrescenta que êsses cogumelos nascem sob a grama nos campos ou nos brejos e são usados contra as febres e a gota. Aqueles que comem tem visões e sentem palpitações no coração; tais visões são as vezes assustadoras e as vezes visíveis. Os cogumelos excitam o desejo sexual.
Destas relações e de outras resulta a constatação de que, na época pré-colombiana, os cogumelos sagrados eram consumidos em publico, que esses costumes estavam muito difundidos e se aplicava em cerimônias abertas, e não a portas fechadas, como se processaram depois que os monges espanhóis se entregaram a essas práticas profanas. E principalmente nas regiões zapoteca, nahuatl, otomi, que eles eram usados de longa data, mas sabemos, graças a investigações recentes, que as regiões mazateca, chinanteca, chatina, mixe, mixteca, totonaca, e, provavelmente, houasteca e tarasca devem ser acrescentadas a esta lista; sabemos que esses cogumelos so deviam ser consumidos frescos crus ou secos, mas jamais cozidos ou depois de terem ficado em água fervente, Estas precauções se explicam pela natureza dos corpos químicos responsáveis, solúveis na água.
AS PROVAS ARQUEOLÓGICAS
Foram estas precedentes indicações fragmentárias que, em 1953, colocaram na pista fecunda da etnomicologia nossos amigos R. Gordon e Valentina P. Wasson, aos quais nos associamos em exploracões comuns, R. G. Wasson dedicou-se especialmente a procurar as próprias origens dos conhecimentos antigos, tais como os que as obras pós-cortesienses lhe forneciam, e a encontrar provas arqueológicas. Os afrescos de Teotihuacan, no vale alto da cidade do México, lhe revelaram, no célebre local de Tepantilla, as figurações murais próprias ao culto de Tlaloc, divindade do raio e das águas, onde chapéus de cogumelos se sucedem, esquematizados ate a extrema simplificação de dois círculos concêntricos, alterando-se com conchas ao longo de um riacho
Essa proximidade pictórica com a água e o fato de serem esses cogumelos sagrados ligados ao Deus das Chuvas, pois são chamados filhos das águas apipiltzin pelos descendentes diretos e atuais dos astecas, correspondem a sua localização geográfica e climática. São, na maioria, espécies hidrófilas, digamos mesmo aquáticas (o psilocybe Zapotecorum cresce na agua) cruzando no limite das terras quentes e das terras frias, entre 900 1800 metros de altitude, nas zonas abundantemente molhadas pelas precipitações atmosféricas, Wasson encontrou, em relação ao período de Teotihuacan III, num afresco de Teopancalco evocando os ritos da embriaguez, uma alternância sugestiva de conchas e de cogumelos. Mas são os cogumelos de Vera Cruz que fornecem a estas pesquisas as provas mais sugestivas.
Há meio século mais ou menos, o Dr. C. Sapper foi primeiro a chamar a atenção para curiosos objetos arqueológicos encontrados principalmente na Guatemala, espécies de ídolos em forma de cogumelos, nos quais se julgou ver, a principio, representações fálicas, Essas estatuetas de pedra foram estudadas pelo Dr. St. F. Borhegyi, que publicou uma monografia recentemente completada por suas observações sobre as cerâmicas e as micro cerâmicas pintadas, do Sul e do Leste do México. Os Wasson sugerem que essas esculturas poderiam ser a expressão surpreendente de uma fase de um culto dos mayas das montanhas, culto desaparecido muito antes da chegada dos espanhóis. Esta explica cão, com a qual concordamos plenamente, poderia estar ligada a própria origem das cerimônias anteriores, das quais Sahagún nos transmitiu o eco. R. G. e P. Wasson, no capitulo que dedicaram a esses ornamentos pré-colombianos, em seu primeiro trabalho de conjunto sobre os problemas de etnomicologia estenderam-se sobre esta extraordinária interpretação. Depois, o Dr. St. F. Borhegyi, com quem os Wasson tinham percorrido a Guatemala em 1953, atribuiu os mais antigos desses cogumelos de pedra ao século X, ate mesmo ao século XIII antes de Cristo, e os mais recentes a 800 e 900 anos depois de Cristo.
Tais esculturas, de 20 a 35 centímetros de altura, constam de um chapéu grosso e abaulado sustentado par um estirpe sobre o qual frequentemente são representadas figuras de animais, sapo, jaguar, quati e, a vezes, um rosto humano. E principalmente nas montanhas da Guatemala que ainda se encontram semelhantes relíquias mayas há espécimes no Museu Rietberg, em, Zurique, e também em Washington, no Museu do Homem, e alhures mas nenhuma lembrança do culto do qual os cogumelos sagrados foram antigamente o objeto subsiste nas regiões de origem. O Dr. Borhegyi, no entanto, descobriu duas narrações indígenas muito antigas e muito sugestivas que fazem alusão a sacrifícios cujo desenrolar as pedras suportavam aos quais estavam associados os cogumelos. Wasson acredita que o culto hierático maya, muito antigo, era o apanágio de uma aristocracia de padres, que passou para o povo devido a perturbações políticas e depois foi para o Norte, para os países mexicanos onde se popularizou e onde persistiu ate nossos dias, ao passo que, pouco a pouco, todos os vestígios a seu respeito perdiam-se nos países mayas.
A descoberta de cerâmicas pintadas é mais recente e não menos digna de interesse. A mais espetacular, a mais demonstrativa também, a que dá a prova definitiva da própria natureza desses objetos, pertence hoje a coleção de Wasson, que a adquiriu no México; provem dos arredores de Vera Cruz. Representa uma mulher sentada, tendo na cabeça uma espécie de turbante, o braço esquerdo erguido para invocar o poder divino, a mão direita pousada num cogumelo, sendo que a parte inferior do chapeu do cogumelo se funde como que para simular o hímen partido. A feitura desta peca única é indiscutivelmente totonaca (pode-se encontrar no Museu do Homem uma estatueta de mulher totonaca que tem uma grande semelhança com a que acabamos de descrever sucintamente).
O CULTO NO SECULO XX
Após os primeiros escritos dos viajantes espanhóis, fez-se um silêncio integral de três séculos sobre os cogumelos sagrados do México, e ao botânico Richard Evans Schultes e ao etnólogo Robert Weitlander que cabe o mérito de terem assinalado, há uns trinta anos a persistência das cerimônias rituais associadas aos cogumelos sagrados no país mazateca.
- Ev. Schultes publicou duas notas a esse respeito, em 1939 e 1940, falando do pretenso cogumelo utilizado, o panaeolus sphinctrinus, espécie cuja identidade especifica pude confirmar depois, mas que não era a que os indios utilizavam, tendo estes dado ao botânico americano espécimes de um cogumelo estranho ao uso. Os Wasson, vivamente interessados por essas indicações, tiveram a sorte de, em 1953, conseguir de uma missionária americana, Miss Eunice V. Pike, informacões inéditas sobre o emprego, pelos mazatecas da região de Huautla de Jirnenez, dos cogumelos alucinogenos e divinatórios, utilizados nas cerimônias que, evidentemente, lembram aquelas de que Sahagun nos fala, mas que o rito católico havia modificado notavelmente.
Estas primeiras informações abriram ao Sr. e a Sra. Wasson, desde o mês de agosto de 1953, o caminho de Huautla, onde suas investigações foram frutíferas. Puderam reunir uma documentação sobre os nomes vernáculos apropriados aos cogumelos sagrados, recolher quatro espécimes deles, que me entregaram e as quais pude estudar, descrever e maioria, cultivar no laboratório de Criptogamia do Museu, a partir de seus esporos: uma, nova para a ciência, era frequentemente usada para fins divinatórios: relativamente comum, nativa nos pastos e campos de milho, foi chamada psilocybe mexicana Helm; outra, comum no estrume de vaca, identificava-se corno a stropharia cubensis Earle; uma terceira, parecida com o psilocybe do Sul dos Estados Unidos descrito por Murril com o nome de caerulescens chama-se var. Mazatecorum; a quarta, lignicola, pertencia ao gênero conocybe (C. siligineoides Helm). Melhor ainda, R. G. Wasson, sua mulher e sua filha tiveram a possibilidade de assistir as estranhas cerimônias noturnas, durante as quais o curandeiro Aurelio Carreras consumiu quatorze pares de psilocybe mexicana e trés de stropharia cubensis. O rito, do qual participam numerosos acessórios, foi depois descrito minuciosamente em inglês pelos Wasson, em seu primeiro trabalho, depois em língua francesa por Wasson em nosso livro, publicado em colaboração com ele, em 1958.
Mas foi em 1955 que os Wasson participaram pessoal mente dos ágapes mazatecas noturnos, presididos pela extraordinária Maria Sabina. Tiveram alucinações das quais nos deram as primeiras relações nos volumes acima citados: formas geométricas ricamente coloridas, depois colunatas, pátios de esplendor real, edifícios de cores brilhantes, visões em sequências infinitas, nascendo umas das outras, cada qual emergindo do centro da precedente. A noção do tempo é perturbada. Todas as impressões visuais e auditivas ficam gravadas na memória como que por um buril. Depois, Wasson repetiu a experiência em sua casa, em New York, ficando toda a cena então animada pela intensidade anormal das cores aparecidas, Vi os céus de Greco girarem acima de New York.
Antes, em maio de 1954, Wasson explorou a região mixe, aí encontrando vestígios de cerimônias análogas, embora diferentes nos detalhes, ao passo que em julho de 1955, em companhia de Robert Weitlaner, percorreu a região de San Agustin Loxicha, em território zapoteca, onde anteriormente o Dr. Bl. Pablo Reko em 1953 e o Dr. Pedro Carrasco em 1949 haviam constatado, durante uma viagem de investigação etnológica, que os cogumelos sagrados, assim como outras substâncias vegetais alucinógenas, ainda estavam em uso. Precisamente nesta região, pude estabelecer que duas espécies utilizadas pelos zapotecas eram ainda o psilocybe mexicana e o psilocybe a que chamei Zapotecorum, encontrado este nos charcos e lugares úmidos abandonados.
Mas os ensaios culturais empreendidos no Museu de Paris, depois de 1955, com a ajuda de meu assistente Roger Cailleux, deveriam com o tempo mostrar-se proveitosos. A stropharia proveniente das primeiras colheitas de Wasson frutificava perfeitamente sobre estrume, em condições nao estéreis. Graças a esses materiais vivos, eu deveria realizar pessoalmente em Paris uma primeira experiência de ingestão, em 18 de maio de 1956, poucas semanas antes da expedição que realizamos com M.R.G. Wasson, a qual se juntou o etnologo frances Guy Stresser-Péan. Fiz um relato pormenorizado deste primeiro ensaio realizado a partir de 120 gramas de stropharia fresca, dose que hoje sabemos ser excessiva, pois correspondia, provavelmente, a absorcão de mais ou menos 40 miligramas de substância ativa, ou seja, quatro vezes mais que a quantidade considerada como eficaz e não perigosa, como revelaram estudos posteriores. Não falarei aqui sobre os fenômenos experimentados, que se aplicavam principalmente a modificações óticas profundas, propicias a intensificações fulgurantes e surpreendentes das cores, a uma excitação alegre, a uma duplicação móvel dos objetos. Os ensaios feitos em nós mesmos, independentemente, por Wasson e por mim, apesar das diferenças ligadas as particularidades genéticas de nossas respectivas individualidades, traziam a confirmação dos experimentadores do século XX.
Nossas expedições de julho de 1956 vieram a princípio ampliar os conhecimentos reunidos anteriormente sabre os ritos em zona mazateca, na região de Huautla de Jimenez, centro de estudos para o qual Wasson havia anteriormente voltado sua atenção. Novos documentos sobre as cerimonias presididas por Maria Sabina e dois outros curandeiros de Huautla juntaram-se aos precedentes. Participei, com G. Stresser-Péan, dos ágapes mexicanos e experimentamos todos os seus efeitos; registros sonoros de sessões noturnas haviam sido realizados por R. G. Wasson e seu fotografo Al. Richardson. Sucediam-se inúmeras coiheitas de cogumelos alucinógenos na própria terra onde cresciam, Depois fomos ao território chatino, ao norte do istmo de Tehuantepec, na região de Jochila, onde três espécies de cogumelos sagrados eram colhidos: o psilocybe Zapotecorum, que cresce nos charcos, e a var. nigripes do ps. caerulescens e, de novo, o ps. mexicana, Outra cerimônia abria-se a nossas investigações. Conduzida pelo curandeiro Balthazar, realizada durante o dia, tinha por objeto descobrir, sob a ação dos cogumelos, o diagnostico e o remédio de uma afecção que afligia um menino da aldeia a ele levado por sua avó.
Finalmente, duas excursões a região asteca, uma nos flancos do Popocatepetl, outra no vale do México revelaram-me ou confirmaram respectivamente a existência de dois psilocybes anteriormente comunicados também por Wasson utilizados pelos Nahua aos quais eu atribuía as denominações de Ps. Aztecoruin e Ps. Wassonii. Em 1956, eu havia também percorrido os Chiapas, aonde já fora sozinho em 1952. G. Stresser-Péan acompanhou-me, da segunda vez, mas não pudemos encontrar nenhum psilocybe alucinógeno, nem percebemos vestígios de sobrevivência das cerimônias das quais os cogumelos pudessem ter sido o objeto. Logo se juntaram três grupos de documentos úteis: Teófilo Herrera, da Universidade do México, ainda em 1956, depois Stresser-Péan e Weitlaner em 1957 me deram amostras e indicações sobre o uso ao qual se prestava o psilocybe Wassonii. O ano de 1958 foi igualmente proveitoso: R. G. Wasson atingiu em julho a antiga região florestal do Rio Santiago, em território mazateca, e trouxe a espécie lignícola que identifiquei como o psilocybe yungensis Sting. e Sm., cogumelo achado anteriormente na floresta boliviana, por Rolf Singer, ao passo que Searle Hoogshagen me comunicava, no mesmo mês, da região mixe, a existência de inümeros espécimes de duas outras espécies que eu descrevia respectivamente pelos nomes de Ps. mixaensis e Hoogshagenii, e das quais fizemos a cultura, juntamente com R. Cailleux, obtendo da primeira, no laboratório, frutificaçoes espetaculares.
Depois, duas novas series de expedições ao México foram feitas por Wasson e por mim mesmo, em 1959 e em 1961. Delas participaram igualmente Roger Cailleux e, das primeiras, Guy Stresser-Péan.
Em 1959, a região mazateca foi de novo o centro de nossas investigaçöes e por três vêzes pudemos explorar a magnifica floresta do Rio Santiago (onde as colheitas do psilocybe yungensis foram abundantes), assim como toda uma flora micológica silvestre. Os prados da região de Huautla ainda nos indicaram a presença do psilocybe (principalmente mexicano), Hoogshageni Heim e aí encontramos o semperviva selvagem, descrito anteriormente em cultura, por mutacão do primeiro problema genético que merecerá novos estudos. Aproveitei para explorar mais completamente a flora micológica da região mazateca. A segunda expedicao levou-nos de Mitla a Zacatepec, em territãrio mixe, onde as colheitas foram menos abundantes, mas onde colhemos o psilocybe mexicana e várias formas de caerulescens cujo uso ainda subsiste, embora enfraquecido. Durante êsse tempo, R. G. Wasson atingia, nesta mesma região, Cotzocon e San Pedrito Ayacaxtepec, onde os índios lhe entregaram espécimes de uma variedade clara albida [creio q seja albina] desta ültima espécie, que daí em diante consideramos como reunindo formas estáveis ligadas a microclimas diferentes e perfeitamente distintos, Depois exploramos a floresta de fagus mexicana de Zacatlamaya, ao sul de Zacualtipan, nos confins das regioes houasteca e totonaca, que nos deu uma especie inédita de psilocybe (Ps. fagicola Heim e Cailleux) brotando no humus dessa árvore, a mais meridional das faias americanas. Finalmente, a região totonaca de Villa Juarez e Necaxa nos deu os psilocybe mexicana semperviva e caerulescens, mas a sobrevivencia desses usos estava mais ou menos perdida nesta região. Em 1961, enfim, levei ao Mexico Roger Cailleux e um excelente operador cinematográfico, M. Pierre Ancrenaz, colaborador do Dr. Pierre Thevenard, com quem pudemos preparar, após esta data, um filme de longa metragem (mais ou menos duas horas e meia) em 35 milímetros, colorido, sôbre os cogumelos alucinogenos do Mexico e os diversos prolongamentos, cultural, quimico, psicofisiologico, aos quais seu estudo pôde conduzir, realizacão levada a efeito gracas a generosa contribuiçao financeira da Fundacão Singer-Polignac. Pudemos assim trabaihar no local, filmando e, ao mesmo tempo, fazendo a exploracào micológica, Após algumas dificuldades, pudemos, em Huautla de Jimenez, tornar as providencias necessàrias ao registro das manifestacoes provocadas pela absorcão dos cogumelos em casa de Maria Sabina, sua irma, suas filhas e seu cunhado, sessão noturna que será uma das mais espetaculares cenas do fume. Após térmos recolhido, apesar da séca, os psilocybes mexicana e semperviva e depois explorado a floresta de San Bernardino, atingimos a região mixteca; na sua parte central e elevada, perto da vila de San Miguel Progreso, travamos conhecimento corn o indio Agapito, que nos conduziu aos lugares onde crescem as duas espécies de Lycoperdons, conhecidas por sua acão sedativa, sendo uma delas o L. cruciatum (de segunda qualidade), Apesar da experiência pretensamente positiva a qual Agapito e o etnólogo americano Robert Ravicz se submeteram durante nossa estada ali, em San Miguel Progreso, ficamos um pouco céticos, M. Wasson e eu, quanto a ação real désses cogumelos que, segundo os indios, provocariam sonhos coloridos, durante os quais seriam dadas respostas a perguntas feitas em estado de vigilia. Por seu lado, R. G. Wasson foi para a região de Juxtlahuca (1,500 ms, de altitude), na Mixteca ocidental, dedicando-se ainda ao uso do psilocybe mexicana, principalmente em San Pedro Chayko.
Nesse meio tempo, Guy Stresser-Péan tinha percorrido, em novembro de 1959, o município de Misantla, que depende do Estado de Vera Cruz, nos vales da vertente setentrional da Sierra de Chiconquiaco, onde o uso divinatório de diversas drogas alucinógenas e, portanto, também do cogumelo, era difundido na ocasião. Hoje, o uso dos psilocybes restringe-se a alguns velhos curandeiros e a lembranca que dele guardam alguns informantes que se lembram do perigo decorrente da ingestâo em alta dose. Parece realmente que empregavam estas espécies na região totonaca para tratar de casos de espanto, doenca devida a perda da alma. Visões agradáveis e revelacoes relacionadas com os problemas que preocupam o sujeito acompanham esta consumacão com imersão na água onde se macerou uma pequena labiada aromâtica. A dose ideal désse psilocybe zapotecorum Heim var. elongata correspondente a sete exemplares em estado seco. As duas outras especies utilizadas, determinadas igualmente por nós mesmos, são uma forma de psilocybe yungensis ou talvez cordispora Heim e ps. caerulescens Murr.
Em setembro de 1960, Stresser-Péan dedicou-se a novas investigações nesta mesma região totonaca, onde encontrou uma grande espécie, o ps. Zapotecorum (assirn como, ao que parece, também no Municipio de Tenochtitlan) e os ps. caerulescens e ps. mexicana. Os relatos feitos pelos índios confirmaram o que tínhamos sabido por outro lado; uns, sob esta influência riem, outros ficam amedrontados, Um doente pode chegar a saber (gracas a presenca de um parente que registre suas palavras) onde, quando e em que circunstâncias foi atingido pelo espanto. Pode então tomar as providéncias necessarias para que sua alma se reintegre ao corpo do qual saira, o que estabelece o bom equilIbrio do organismo
Nossa última viagem realizou-se em meados de agosto de 1961, na região de Pahuatlan (1050 m de alt,), de onde atingimos Xolotla (1190 m) ao norte de Tulancongo (ao sul do limite entre as províncias de Vera Cruz e de Hidalgo), onde as informações pareciam indicar que ali era mantido o culto dos cogumelos sagrados. Mas esta excursão, através de um país suntuosamente belo, foi um fracasso. O encarregado das cerimônias omitiu-se, a sêca era terrlvel e não colhemos nenhurna espécie de alucinogeno. Pudemos, pelo menos, voltar a Villa Juarez e Necaxa e colhêr, numa época muito chuvosa, em companhia de Roger Cailleux, assim como haviamos feito dois anos antes, os psilocybes mexicana e semperviva, nos campos úmidos e nas matas de pinheiros e carvalhos vizinhos; pudemos, enfim, registrar várias seqüências de nosso filme sôbre a própria coiheita dos psilocybes alucinógenos.
A essas novas aquisições, poderíamos ainda acrescentar as de uma viagem de Henry K. Puharich, nos anos de 1960 e 1961, território chatino, de onde esse colecionador me enviou os psilocybes zapotecoruin e caerulescens.
A CULTURA NOS PSILOCYBES ALUCINOGENOS REALIZADA EM PARIS
Nesse meio-tempo, tínhamos abordado no Museu de Paris os problemas propostos pela cultura dos cogumelos alucinatórios e vimo-nos forçados, a partir de 1953, a obter carpóforos, metodicamente, com o auxilio de nosso colaborador Roger Cailleux. Desde as primeiras tentativas, a cultura da stropharia sobre estrume parecia viável e relativamente fácil, e foi por esse processo que os resultados apareceram desde 1955, levando-me a uma experiência positiva de ingestão. Após a expedicão de 1956, várias tentativas feitas corn algumas espécies de psilocybes pouco a pouco se revelariam proveitosas. Registramos suas etapas e, numa nota feita corn Roger Cailleux, mencionamos desde 1957 os resultados promissores, que experiências ulteriores confirmaram. O conjunto destas pesquisas permitiu-nos atingir os trés objetivos que nos tinhamos proposto: primeiramente, obter culturas puras, a partir da carne e dos espórios, de espécies alucinógenas (hoje, entre quatorze espécies ou variedades selvagens, onze são cultivadas em laboratórios), e estudar comparativamente seus micélios; em seguida, realizar a cultura de carpóforos sôbre estrume ou em Erlenmeyer, segundo as condicoes precisas do meio fisico-químico e da ambiência, procurando frutificacoes nas condiçoes rnais aptas a um estudo descritivo completo das formas; enfim, a partir destes resultados, reunir a quantidade de material necessário as investigaçães de ordem química e, depois, fisiológica.
Esses tres objetivos puderam ser completamente atingidos. Sucessivamente, os psilocybes mexicana, caerulescëns (variedades mazatecarum e nigripes), zapotecorum mixaeensis e, bem entendido, a stropharia cubensis e a espécie menor ps. yungensis, além da extraordinária espécie mutante psilocybe semperviva, puderam, não somente frutificar, mas serem obtidas em abundãncia, o que permitiu precisar as particularidades fisionômicas, anatômicas e biologicas désses cogumelos. Melhor ainda, os sucessos excepcionais a que conduziu, nestas condiçoes, o psilocybe mexicana nos autorizaram a dar a esta cultura uma significacão restrita que o Dr. Albert Hofrnann, de Basiléia, iria explorar numa escala mais ampla.
Encontrei, realmente, uma colaboração essencial por parte desse sábio químico, cujos trabalhos sobre as substâncias indolicas e principalmente os alcaloides do fungo merecem fé, e também de Arthur Brack e Hans Kobel. Em primeiro lugar, era-nos permitido desenvolver as culturas do psilocybe mexicana do qual tínhamos notado, com R. Cailleux, em Paris, a segregação, segundo várias origens de caracteres distintos, mas mantidos constantemente. Por outro lado, este cogumelo pequeno podia produzir, em cultura, escleródios, cujo peso variava de 5 a 10 gramas, mas podendo atingir ate 22 gramas para um tubérculo de 5 centírnetros de comprimento por 3,5 centímetros de largura. No laboratório de Criptogamia do Museu, 650 terrinas foram sucessivamente semeadas numa primeira série de ensaios, a partir de trés origens distintas de psil. mexicana, produzindo 1.070 gramas de cárpoforos secos. Logo em seguida, obtinham-se, na Basiléia, 2,350 kg de escleródios e micélios secos. Esses ensaios tinham posto em evidéncia as influéncias respectivas, de um lado, do teor do meio de cultura em substância nutritiva (mosto de cerveja, malte); do outro lado, o fluxo luminoso sôbre a formacão dos carpóforos e os escleródios e o contraste notável entre as condiçoes propícias a uma ou a outra das colheitas para uma mesma temperatura (20 a 24 graus C): os escleródios apareciam difícilmente a luz e, sem düvida, mais abundantemente na obscuridade, e para teores em mosto de cerveja relativarnente elevados (1,7 a 7%); os carpóforos, ao contrârio, so se formavam a luz, jamais na obscuridade, e para taxas rnuito fracas em matéria nutritiva (1 a 0,15%, o máximo correspondente a um teor de 0,3 a 0,4%). Sôbre éstes resultados, sobre os processos de cultura em estrume e as precaucöes tomadas neste sentido, ja antes nos estendemos longamente, principalmente em nosso trabalho de conjunto.
Outro bom resultado iria, enfim, chamar nossa atenção: independentemente das origens diferentes as quais a cultura do psilocybe mexicana levava, conforme as frutificações constantemente reproduzidas, de caracteres varietaux fixos, a partir de semeaduras de exemplares selvagens aparentemente idênticos, obtivemos um mutante, de origem aparentemente ainda própria ao psilocybe mexicana lato sensu e cujas particularidades fisionômicas, esporíferas, biológicas deveriam precisar-se pela cultura, conduzindo a um tipo específico estavel e surpreendentemente distinto dos exemplares selvagens primitivos. Esta espécie, mais poderosa, de teor mais alto era princípio ativo de frutificacoes dotadas de uma duracão de vida excepcionalmente longa quatro a cinco semanas foi chamada psilocybe semperviva. Mais tarde tornaremos a falar do extraordinãrio interésse desta especiação.
Mas os ensaios e seus resultados deveriam levar a outro objetivo, que nos parecia essencial: o estudo químico dos cogumelos alucinógenos, a procura da natureza e da estrutura dos corpos responsáveis pelos efeitos provocados.
É este o histórico das contribuições trazidas ao conhecimento, antigo e moderno, dos teonanacatls. Conviria acrescentarmos as notas descritas de R. Singer e Al. H. Smith, que acompanharam nossas primeiras publicações e as de nossos amigos mexicanos, Teof, Herreda e M. Zenteno e, enfim, as de Gaston Guzman, que estudou principalmente a divisão dos psilocybes alucinógenos e suas caracteristicas ecologicas.
O ASPECTO QUIMICO: PSILOCIBINA E PSILOCINA
O resultado essencial das primeiras investigações de origem química pelo método cromatografico, investigações efetuadas graças a obtenção em cultura de um material abundante, próprio do psilocybe mexicana e dos escleródios surgidos apenas em laboratório, em condições de obscuridade e principalmente de alta nutrição, foi consignado numa primeira nota, assinada por A. Hofmann, R. Helm, A. Brack e H. Kobel, que apareceu em Experientia, depois na Revue Mycologie e, finalmente, em nosso trabalho coletivo. Neste último, assim como no presente volume, poderão ser encontradas as precisoes trazidas por Albert Hofmann sôbre as diversas etapas das pesquisas de ordem química que levaram sucessivamente a obtencão dos cristais de psilocina e de psilocibina, ao conhecimento de sua formula de contribuicào e a sua dupla síntese. Poderão ser encontrado, alias, nos relatos que publicamos em 1959 e depois em nosso trabalho sôbre os cogumelos tóxicos e alucinogenos o resumo das investigacões químicas sôbre a psilocibina e a psilocina, investigacões empreendidas por A. Hofmann e seus colaboradores. Lembremos aqui os resultados essenciais:
Se saturarmos de gás carbônico uma solução aquosa de psilocibina a fim de eliminar o oxigênio do ar, e se a aquecermos num tubo fechado a 150 graus [F?ouC?] durante uma hora, a molécula, por cisão hidrolítica, partir-se-á em uma molécula de hidroxi-4-dimetiltriptamina e uma molécula de ácido fosfórico.
Hofmann ja havia mostrado em 1959, juntamente corn Stoll, Trouxler e Peyer, que os insômeres do hidroxi-indol eram reconhecidos pelos caracteres bem particulares de seu espectro ultravioleta. É assim que podemos deduzir, pela marcha de curva de absorção da psilocina, que se trata aqui de um derivado indólico em posição 4, e a precisa estrutura deste corpo, identificável a da psilocibina dephosphorylée pode ser mostrada gracas a um espécime auténtico de hidróxi-4-dimetiltriptamina obtido, alias, por síntese. Quanto ao ácido fosfórico, nós o precipitamos e identificamos sob a forma de sal amoníaco-magnesiano.
Tratando, pelo diazometano, a psilocibina em solução metílica, Hofmann e seus colaboradores obtiveram um com posto neutro no qual entraram dois grupos meliticos; ele é identificável ao este metílico do sal quaternário da psilocibina, Hofmann foi auxiliado na realização da síntese da psilocibina pelo fato conforme ja o dissemos de ter estado, anteriormente, associado a preparação por síntese do benziloxi-4-indol; e assim que êle obteria, pelo método do cloreto oxálico, o hidroxi-4-dimetiltriptamina, que se mostra idéntico ao produto da hidrólise da psilocibina desfosforizada. Pela esterificacao do hidróxilo fenólico deste corpo por meio do cloreto de dibenzilfosforil e a cisão redutiva dos grupos benzilicos, voltamos a própria psilocibina. Espectros infravermelhos, pontos de fusão, formas cristalinas, solubilidades, reacôes de coloracão identificam-se perfeitamente aos dois corpos, natural e sintético.
Assim sendo, os trabalhos de Hofmann e seus colaboradores tiveram como resultado pôr em evidência a existência da primeira substância indólica fosforizada que havia sido encontrada na natureza e do primeiro derivado natural da triptamina, no qual o sistema indólico seja substituído em posicão 4 por um agrupamento hidróxido. O eminente químico Basiléia acrescentava: Por sua estrutura, a psilocibina estã estreitamente ligada a derivados naturais da hidroxytriptamina, a bufetenina (hidroxi-5-dirnetiltriptamina), a bufotenidina (base quaternária da bufotenina). Além do mais, é ela aparentada com os alcalóides de acão psicotrópica, tais como a tabernantina, a harmina e a reserpina.
Hofmann, alias, estava em boa situação para insistir ainda sobre o parentesco entre a psilocibina e a dietilamida do ácido lisérgico ou LSD 25 pois entre os derivados indólicos naturais, somente a psilocibina, o LSD 25 e os alcaloides do fungo do centeio, aos quais se liga o LSD 25, oferecem um sistema indólico substituído em posição 4.
Pouco depois, afinal, A. Hofmann e F. Troxier de mostraram irrefutavelmente que a psilocina é idêntica a psilocibina desfosforizada. Acrescentaram que, de acordo com os primeiros resultados, as reações psíquicas e somáticas, após aplicacões perorales de psilocina, no homem, estão muito próximas das que produz a psilocibina. Destes fatos, resulta que o resto do ácido fosfórico, ligado a molécula da psilocibina, não é necessário para desencadear os efeitos psicofarmacológicos. Contrariamente ao que pudéssernos pensar após as primeiras análises, o átomo do fósforo não representa nenhum papel no mecanismo alucinogeno ou psicodisléptico ao qual se ligam as propriedades dos agáricos alucinógenos mexicanos.
A presença da psilocibina e da psilocina estava, enfim, confirmada pelo estudo cromatográfico sistematicamente aplicado a diversas espécies de psilocybes e da stropharia alucinógenos. Após uma primeira nota que mostrava uma percentagem de psilocibina de 0,3% e de psilocina de 0,01% no psilocybe mexicana, e de 0,4% do primeiro corpo, de 0,03% do segundo na espécie mutante semperviva, as taxas forarn precisadas por novas anâlises das espécies de psilocybes mexicana, caerulescens var., mazatecorum, zapotecorurn, aztecorum, semperviva Wassonii e da stropharia cubensis que haviamos nesse rneio-tempo (1957) descoberto na Tailãndia e no Cambodja e cultivado, a partir dessas novas fontes, no Museu de Paris.
O ASPECTO FISIOLÓGICO:AS EXPERIÊNCIAS PRELIMINARES
Estas experiências nos vêm, em primeiro lugar, é claro, dos múltiplos usos aos quais as populacões indígenas do México se entregaram e cujo eco, transmitido pelos viajantes espanhóis por ocasião da Conquista e logo após, foi transcrito acima. Três séculos de silêncio seguiram-se a esses capítulos e a seus objetos, mas os ritos continuavam a suceder-se na noite, atrás de portas fechadas de casas isoladas, no coração de regiões montanhosas do Mexico meridional.
E aos Wasson e depois a nós mesmos que competiria a verificação das surpreendentes propriedades dos teonanacatls com os próprios índios, durante suas cerimônias, de um lado, e, de outro, a luz do dia, em New York e em Paris. Quando a cultura semi-industrial foi realizada no Museu e depois aplicada em Basileia, novas experiências a partir de cogumelos foram tentadas por Albert Hofmann, Arthur Brack, Hans Kobel, na Suíça; por Roger Cailleux, P. Nicolas-Charles, em Paris. Quando se extrairam os primeiros cristais de psilocibina, A. Hofmann e A. Brack verificaram seus efeitos, que se revelaram idênticos aos dos proprios cogumelos.
Dai em diante é que o estudo psicofisiologico e clínico da psilocibina seria empreendido sistematicamente em Paris pelo Prof. Jean Delay e seus colaboradores Pierre Pichot, Thérêse Lemperière, P. Nicolas-Charles, Anne-Marie Quétin e, depois, na Suíça, Alemanha, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, com experimentadores voluntários e normais, e também com doentes mentais. Acrescentamos, enfim, que Henri Michaux se dedicou, em princípios de 1959, a algumas experiências.
O conjunto destes dados estabeleceu que a absorção, quer seja dos cogumelos sagrados do México e das espécies aparentadas encerrando as duas substâncias isoladas ou uma dentre elas quer seja de dois corpos obtidos por síntese, produzidos em condições favoráveis, segundo quantidades nem muito fracas nem muito fortes, na ordem de 8 a 15 miligramas de psilocibina, de mais ou menos 2 a 6 gramas de cogumelos secos, ou de 13 a 40 gramas de cogumelos frescos, conforme as espécies e as reatividades dos sujeitos, determina inümeras manifestacoes somáticas, sendo algumas constantes em todos o indivíduos submetidos a estas ações, outras variando conforme o capital genético dêsses indivíduos.
Mais tarde, a descoberta dos cogumelos sagrados do México e a dos corpos responsáveis que eles encerram provocaram inúmeros estudos experimentais de ordem clínica, alguns orientados para o lado psiquiátrico, na ocasião em que jornalistas em busca de artigos sensacionalistas, repórteres de rádio, vulgarizadores raramente bem informados e viajantes amantes de reclame davam a conhecer ao publico, frequentemente de maneira discutível, os fatos e as investigações ligados a história de publicacoes iniciais.
Por outro lado, trabalhos ou brochuras, quer de literatos especializados no uso das drogas, quer de psiquiatras conhecidos, ou de especialistas em moléstias nervosas, vinham felizmente alargar o campo assim aberto. O escritor Henri Michaux, em texto cuja maneira e estilo podem inquietar certos espíritos ortodoxos, transmitia dados que nao deixavam de ser preciosos; os Drs. Cavanna e Servadio publicavam um estudo aprofundado sôbre suas experiências, vários colaboradores do Prof. Jean Delay dedicavam sua tese de medicina a essas questões. Contentar-nos-emos aqui em resumir o estado atual das conclusôes essenciais a que chegaram esses diversos estudos.
OS EFEITOS SOBRE OS INDIVÍDUOS NORMAIS
Foram as publicações iniciais de Jean Delay e de seus discípulos que primeiramente puseram em evidência, logo após os ensaios preliminares, a maioria das reações observadas por indivíduos considerados normais. Esta documentação, juntamente com certas experiências registradas em nosso filme realizado com o Dr. P. Thévenard, feitas com pessoas que a isto se prestaram voluntariamente, já basta para dar uma ideia exata da amplidão e do interêsse das reações registradas. Vamos resumi-las aqui.
Nos indivíduos normais, podemos estabelecer os efeitos essenciais destas drogas da seguinte forma:
Efeitos somáticos
Midríase das pupilas (mais de 90%; diminuição da pulsação e hipotensão em geral) o que é contrário a ação provocada pela mescalina e pelo LSD 25 astenia, sonolência, bocejos, sensação repetida de fome;
Congestão facial quase constante, congestão das mãos, acompanhadas de frio, ou de calor; suores frequentes;
Tremores análogos aos arrepios provocados pelo frio, formigamento característico nos dedos, vertigens, cefaleias;
Modificações da sensibilidade cutânea;
Andar ébrio;
Diminuição da glicemia e da caliemia, nenhuma ação sobre o eletroencefalograma;
Efeitos psíquicos e caracterológicos;
Perturbações da atenção, extroversão;
Modificações na percepção do tempo e dos espaços o tempo se encurta ou se alonga, os objetos se aproximam ou se distanciam quer dizer: desregramento do tempo vivido e do espaço vivido, com ilusões visuais, hiperestesia e alucinações auditivas, modificações olfativas e hiperacusia, ambiência bizarra;
Visão acelerada e caleidoscópica do movimento;
Às vezes disforia, com instinto de oposição, de contradição; excitação, ou simplesmente apreensão, perplexidade, medo, crises de angústia;
Modificações do humor de tipo eufórico com loquacidade, jovialidade, familiaridade aumentada, crises imotivadas de riso;
Obsessão ligada a uma aproximação mnemônica, a uma reminiscência: uma imagem se impôs, reaparece incessantemente sob formas diversas, num animal fabuloso; constantemente, o vegetal se introduz;
As vezes, sentido de situações cômicas, propensão as pilhérias de mau gosto; frequentemente, satisfação a respeito de si próprio Fui um gênio durante três horas e, no entanto, pobreza de raciocínio; enfim, fuga das ideias, dificuldade em fixar o pensamento e ate mesmo o vazio mental ou então alegria contemplativa, introversão, beatitude;
A despersonalização é observada em 70% dos casos, traduzida, seja por sensações psíquicas correspondentes a um verdadeiro desdobramento, seja por manifestação somáticas próprias a modificação da densidade do corpo, ou pela impressão de intrusão de organismos parasitas, a desrealizacão, a perda da função do real (P. Janet), chegando ao delírio, as vezes agressivo, violento, inquietante.
Perturbações intelectuais
As palavras acorrem dificilmente, ate ser atingido o mutismo; o sujeito troca uma palavra por outra, não termina as frases, concentra-se num termo que repete, ao qual volta, que contempla como que com uma satisfação admirativa, que envolve de um verbalismo confuso;
A escolha das palavras e frequentemente mal adaptada ao objeto em questão, ou os termos se contradizem: Simplifico, mas introduzo detalhes, Bonito e monstruoso (M . M.); mas as vezes surge uma expressão imaginosa, feliz: Mau como um olho de galinha;
Insistência sobre pontos sem importância, mostrando uma interpretação inexata do valor dos fatos;
Leitura dificil, a ortografia torna-se incorreta, a caligrafia modifica-se, desarticula-se, aparece colorida (R. H,);
Insistiremos, enfim, sobre este aspecto: Libertação de uma memória dessocializada (J. Delay), afluxo de lembranças da infância, confusão do presente e do passado.
Certos aspectos característicos deste quadro merecem ser examinados mais de perto. Parece que o fundo do indivíduo não fica prejudicado pela experiência. Em outras palavras, a prova psilocibiana revela modificações, principalmente psíquicas, que merecem a análise de uma introspecção psicológica. As reações, eufóricas ou disfóricas, tem um sentido. Mas não são adquiridas. Não se criou o hábito.
De um modo geral, podemos dizer que as reminiscências interessam, nos planos prático e terapêutico.
Outro fato, raro, alias, do qual registramos um caso, juntamente com o Dr. P. Thévenard, concerne a aquisição após a prova, de uma qualidade que o paciente não possuía anteriormente e que ele registrou depois. A observação aplica-se a um experimentador, M.E., que foi submetido a seis ensaios sucessivos. Durante a terceira sessão, sentiu de repente vontade de desenhar, o que realizou em condições cada vez mais satisfatórias, quando antes não havia manifestado nenhuma disposicão dessa natureza. Primeiro seria uma ave de rapina estilizada, com suas garras. Ele traca as ondas do mar. Esquematiza numa linha dupla o ziguezague do rio. Com dois traços, representa o túmulo do Imperador reminiscencia dos Invalides. Após a quinta experiência, dedica-se a espiral ate atingir o funil, que se torna uma obsessão. Depois, exprime o desejo de pintar. Dão-lhe tintas e pincêis. Ele rabisca. A principio serão sinais heráldicos, ate o typha dos egípcios, depois uma silhuêta de galo, com esporões proeminentes. Meses mais tarde, sente bruscamente, em seu estado normal, uma espécie de impulso imperativo que leva, a partir do galo da experiência, com seus esporöes, a desenhar no muro do quarto um Cristo, extraordinãrio pelo traco e pela firmeza, e tambêm um Adão e uma Eva de linhas incompletas mas harmoniosas; aparece ainda a silhueta de um galo digno de um artista. Assim, a experimentacão psilocibiana conduziu o paciente a uma aquisicão surpreendente; não se trata apenas de urna recordacão ligada a ação da droga; é a traducão imprevista de um talento que ela fez nascer. Mas traducão momentânea, logo desaparecida, pois o sujeito não conservou depois êsse poder nascido da prova.
A PSILOCIBINA NOS DOENTES MENTAIS
É impossível resumir aqui o conjunto de estudos empreendidos neste campo. Contentemo-nos em lembrar que os efeitos somáticos midriase, hipotensão, congestão facial, suor, astenia, sono são mais ou menos os mesmos que nas pessoas normais; andar ébrio, sacudidelas, tremores, acontecem paralelamente.
Quanto aos efeitos psíquicos, são caracterizados em primeiro lugar por perturbações do humor euforia, jovialidade, sensação de bem-estar. É interessante notar uma inversão do humor nos melancólicos. As vezes, pelo contrário, trata-se de uma disforia, traduzindo-se por um mal-estar geral, fadiga com apreensão, perplexidade, ate mesmo ansiedade, principalmente quando o doente está mergulhado num estado de sonho, de despersonalização A agitação é frequente.
Os fenômenos intelectuais são deficitários, com perturbações de concentração; as vezes são de um tipo onirico que pode ser ansioso, ate erótico (este último aspecto não tem sido objeto de preocupações ate hoje, tanto em relação aos experimentadores quanto aos doentes, mas Henri Michaux liga a este tema relações (1964) próprias ao haxixe e a mescalina que, por serem expressas de maneira literária, nem por isso deixam de despertar sério interesse).
Os contatos com o mundo exterior traduzem modificações que levam, por exemplo, os melancólicos a sorrir, os catatônicos a procurar um contato. Às vezes desaparecem as reticências.
As perturbações da despersonalização não são raras.
As manifestações mais interessantes aplicam-se as evocações, revivendo os doentes suas crises de angustia ou cenas que podem tê-los marcado no período que precedeu imediatamente o estado mórbido. A supressão das inibições permanece também como um dos resultados mais dignos de atenção.
o geral, podemos considerar que existe grande semelhança entre os efeitos da psilocibina respectivamente nos sujeitos normais e nos doentes mentais.
Se as reminiscências sobrevém igualmente a uns e outros, nas pessoas normais, entretanto, são recordações de infância geralmente não penosas, ao passo que nos doentes mentais são, mais frequentemente, cenas traumatizantes. Se os sintomas somáticos são comparáveis, pelo menos os de ordem fisiologica, por outro lado, quando sua origem e neurove getativa, a participacão psIquica é mais importante nos sujeitos normais: cafaléias, bocejos, etc.
Convém separar os efeitos da droga conforme se tratar de casos de psicose ou de neurose. Nos esquizofrênicos crônicos, nos dementes, toda possibilidade de resposta afetiva parece abolida; os risos discordantes são frequentes. Nos paranoicos de evolução recente as reações são violentas, as vezes provocadas por poderosas recordações nas quais as testemunhas presentes podem ser identificadas a personagens ligadas a cenas do passado do doente, que as reencontra, sob o efeito da droga. Assim sendo, a agressividade deste em relação a certas pessoas de seu ambiente renascerá, devido a esta lembranca provocada.
Nos casos de neurose, determina-se o interesse da aplicação da psilocibina. Nos psicopatas, a atitude se revelará teatral ou pueril. As lembranças afluem, o sujeito registra-as com todo o cortejo afetivo: reivindicações, frustrações, invejas, culpabilidade (S.M. Quetin). Assim sendo, a supressão das inibições e das reticências acelera-se, fixa-se. Em alguns casos, essas modificações chegam a uma verdadeira tomada de consciência intelectual do paciente sobre seu estado, o que pode levar a uma espécie de euforia, a qual aguçaria, por exemplo, o apetite renovador.
Nos histéricos, enfim, numa primeira fase ansiosa acentuada pela desconfiança, sucederá um desaparecimento progressivo da hostilidade em relação as testemunhas. Pouco a pouco, as lembranças longínquas se reconstituem, acumulam, as circunstâncias do passado tornam a juntar-se. Também nos obcecados o sentimento de culpa pode exteriorizar-se, fazendo nascer os elementos que permitirão que talvez se desenhem definidas pelo próprio doente as etapas sucessivas de sua despersonalização.
No estado atual da questão, uma certeza se impõe, por tanto: nas mãos do psiquiatra, a psilocibina pode agir francamente sobre o ressurgimento de lembranças perdidas, e esta descoberta, despertando um desejo de aproximação do doente com o medico, permite a um e outro que colaborem de certo modo para a revelação da origem das perturbações mentais. A ontogënese da afeição talvez possa, desta forma, precisar-se. Disto resultariam para o medico preciosos elementos apropriados a aplicação de uma terapêutica eficaz, ou, em todo o caso, melhor adaptada.