A BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO

Nos primórdios da humanidade, os seres humanos sentiam-se frágeis perante as forças da natureza e temiam aqueles que não pertenciam aos seus clãs, animais, etc. Para suprir essas carências, surge o xamã como um “organizador do caos” para despertar a consciência. Assim eles recorriam àquele que era concebido como um guerreiro que atuava com armas espirituais, que  fazia a ponte entre o mundo dos homens e espíritos.

A palavra xamã tem sua raiz na Sibéria, vinda da palavra “saman”, aparentado com o termo sânscrito “sramana” que significa “inspirado pelos espíritos”. O xamã pode ser homem ou mulher.  O termo xamã foi adotado, pela antropologia, para se referir à pessoas  de uma grande variedade de culturas não ocidentais, que antes eram conhecidas como: bruxo, feiticeiro, curandeiro, mago, mágico, vidente, sacerdote, pajé, homem da medicina, o terapeuta, o conselheiro, o contador de estórias, o líder espiritual, etc. Refere-se ao xamanismo como um conjunto de crenças ancestrais que estabelecem contato com uma realidade oculta, ou estados especiais (alterados) de consciência, a fim de obter conhecimento, poder, equilíbrio, saúde para si mesmo e para as pessoas.

Quando a maioria das pessoas, atualmente, ouve a palavra xamanismo, pensam em culturas indígenas. Sempre é considerado um “programa de índio”. O xamanismo não se refere apenas à espiritualidade indígena, é óbvio que foram os indígenas grandes responsáveis por manterem acessas as chamas da “Medicina da Terra”, mas as práticas se originaram no “homem primitivo” no paleolítico. As práticas são universais, são um legado do Mundo Espiritual para a Humanidade.

As raízes do xamanismo são arcaicas, e alguns antropólogos chegam a pensar que são tão antigas quanto a própria consciência humana. As origens do xamanismo datam de 40.000 a 50.000 anos, na Idade da Pedra. Antropólogos têm estudado xamanismo nas Américas; do Norte, Central e Sul. Na África, entre os povos aborígines da Austrália, entre os Esquimós, na Indonésia, Malásia, Senegal, Patagônia, Sibéria, Bali, Velha Inglaterra e ao redor da Europa, no Tibet onde o xamanismo Bon segue a linha do Budismo Tibetano; em todos os lugares ao redor do mundo. Seus traços estão presentes  nas grandes religiões. O primeiro tratado vem da Sibéria (altaicos, iacutes, buriatas, tungues, vogul, samoiedos, etc.). Uma fonte acredita que os homens/xamãs teriam emigrado durante as grandes glaciações, seguindo rebanhos de renas. Eles passaram pelo estreito de Bering, ou por uma ponte terrestre que ligava os dois continentes e se espalharam pelo mundo.

O xamanismo é um fenômeno religioso que se supõe ter sua origem na Ásia Central e Setentrional e das regiões árticas norte-europeias. Encontram-se fenômenos xamânicos similares entre os esquimós, índios das Américas; do Norte, Central e Sul; na Oceania, na Austrália, no sudeste asiático; e enfim, na Índia, no Tibet e na China. Trata-se, aqui, de um conjunto de práticas evidentemente adaptadas a cada cultura, a cada crença, mas que em toda parte apresenta o mesmo conteúdo mágico, religioso e simbólico. É interessante notar similaridade em alguns rituais e na cosmologia de todos esses povos xamânicos no mundo. Faz pensarmos que todos vieram de uma mesma fonte de conhecimento.

A palavra xamanismo foi criada por antropólogos para definir um conjunto de crenças ancestrais, que para mim,  é um caminho de conhecimento. Nós podemos perceber traços do xamanismo em várias religiões. No sentido do “religare” pode ser considerada uma religião. Mas o xamanismo não é como um conjunto de ritos específicos que seguem seus mestres máximos como cristianismo (Cristo), budismo (Buda), islamismo (Maomé), Taoísmo (Lao-Tsé), etc; cujas práticas são determinadas e iguais e possuem seus Livros Sagrados de conduta em todos os lugares do mundo.

Os xamãs carregam o conhecimento espiritual e da vida,  passados oralmente, lembrando a sabedoria dos antepassados. Eles conduzem os ritos de passagem, encorajam a comunidade  para enfrentar os desafios, aglutinam a consciência comunitária, criando uma identidade grupal. O xamã é um especialista do Sagrado.  Ele é capaz de mover-se entre os diversos estados de consciência.  O xamã é uma pessoa que trabalha em estado alterado de consciência (estado extático, transe, estado transcendente – onde a pessoa percebe uma “realidade incomum”)  e deve conhecer os métodos básicos para realizar esse trabalho. Os xamãs são grandes conhecedores da floresta e das propriedades das plantas. O xamã é o especialista do invisível. É considerado um indivíduo estranho, pois ele está fora do mundo. Vive fora dos padrões normais. O universo do xamã é um mundo simbólico onde ele atribui mais poder que ao universo ordinário.

O xamã, não se autoproclama.  Ele é chamado para suas tarefas espirituais, passa por treinamentos e então é reconhecido pelas pessoas de sua comunidade. Trata-se de um sacerdócio. É uma missão de utilidade pública.

A iniciação tem um fundamento nas bênçãos recebidas pelos instrutores que passam uma espécie de “autorização espiritual” para conduzir cerimônias. Isso é honrar o conhecimento e não usurpar, e nem banalizar o processo de iniciação espiritual.

Sua vocação é demonstrada por perturbações no comportamento (loucura controlada), vem também por transmissão hereditária, por decisão pessoal onde passa por provas (jejuns, recolhimentos, sacrifícios corporais…) ou é eleito pelo clã. Iniciado pelos espíritos tem uma vivência de morte simbólica para posterior ressurreição. Permanecem dias em locais isolados sem falar, comer, e quase sem respirar. Geralmente conta em suas provas, ao regressar de suas viagens que seus ossos foram arrancados, sua carne raspada, tem a cabeça decepada, isto é o coma iniciático. Ele deve morrer em seu corpo terrestre para renascer em corpo astral. Esqueletos de pessoas, pássaros ou animais, são alguns dos ornamentos dos siberianos. Simboliza o tempo do nascimento do xamã – meio homem – meio animal.

Muitas iniciações também envolvem atravessar brasas (Manchus), nadar sobre o gelo, beber sangue (goldos). Entre os Iacutes, no alto de uma montanha, com o mestre no território das doenças, ensina-se a reconhecer a doença e curá-las. Para cada parte do corpo ele cospe na boca do outro, que deve engolir o seu cuspe para diagnosticar a doença. Os Buriatas faziam a purificação pela água (batismo) com plantas aromáticas e algumas gotas de sangue de bode, para invocar os ancestrais.

Segundo Mircea Eliade uma pessoa torna-se xamã por: 1) vocação espontânea (chamamento ou eleição); 2) transmissão hereditária da profissão xamânica e 3) por decisão pessoal ou, mais raramente pela vontade do clã. Mas independentemente do método de seleção, um xamã só é reconhecido como tal no fim de uma dupla instrução: 1) de ordem extática (sonhos, visões, transes, etc.) e 2) de ordem tradicional (técnicas xamânicas, nomes e funções dos espíritos, mitologia e genealogia do clã, linguagem secreta, etc. É, sobretudo a síndrome da vocação mística que nos interessa. O futuro xamã singulariza-se por um comportamento estranho; procura a solidão, torna-se sonhador, adora vaguear nos bosques ou lugares desertos, tem visões, canta durante o sono, etc.

Faziam também parte das iniciações o calor (tenda do suor) e com plantas de poder, que proporcionavam o arrebatamento místico, viagens astrais etc. Parte-se de um princípio que neste mundo nada é dado de presente, tem que ser aprendido. Aquele que tem por destino ser xamã experimenta um certo mau estar, um certo tédio pela vida, tédio de viver num mundo demasiadamente seguro, sensibilidade voltada para o misticismo e para as forças do inconsciente.

Trata-se de um sacerdócio. Muitas pessoas querem ser xamãs sem conhecerem as obrigações inerentes a essa função, a entrega. É uma missão de utilidade pública. Várias pessoas se denominam, mas o que determina é o trabalho espiritual. Tem gente que se denomina ator político, técnico de futebol, terapeuta, professor. Tem gente que se denomina espiritualista. Tem gente que se denomina Pai-de-Santo. Enfim, no xamanismo também!

É uma iniciação séria e não uma prática, que se aprende em um final de semana. Um xamã transformou a sua vida, conseguiu a sua cura através de profundos processos de morte e renascimento, lidou com perdas, enfrentou entidades, enfrentou sua própria sombra, e obteve o conhecimento essencial e o reconhecimento de seus instrutores para poder compartilhar com os outros. Lembro também que xamanismo não são só praticas de rituais e cerimônias, e sim uma forma de vida, uma nova visão do mundo, que se aplica, primeiramente no condutor. São anos de preparação. Está além dos rituais, é um jeito de viver. Ser um xamã é abraçar um sacerdócio, não é um trabalho somente terapêutico, é uma caridade de alto risco, é assumir uma responsabilidade com o Universo de viver em harmonia com a natureza, de ajudar o próximo, de transformar o ambiente em que vive, de ser aparelho de transformações nas pessoas que dele se aproximam. Uma mudança radical, profunda, verdadeira.  Ser xamã não é uma profissão, é um dom.

Ninguém, entretanto, precisa ser um xamã para praticar xamanismo. Você pode ir à missa, sem se tornar um padre. Ser xamã implica em iniciações e transformações de profundo significado que visam preparar o aprendiz para ajudar o próximo, e passar a sua vida nisso. Não são todos os que estão preparados para abrirem suas vidas para se dedicarem verdadeiramente ao outro. Não se aprende a ser xamã em salões de espaços esotéricos. Neles você encontrará as práticas xamânicas, que lhe colocarão em contato com a egrégora, isto, se o condutor for realmente um iniciado e não um oportunista que nunca se entregou a processos de morte e transformação e só fez o caminho das flores sem tocar nos espinhos. No xamanismo também aprendemos a lidar com o Mundo da ilusão.

Perante a sociedade atual em que vivemos  é a mesma coisa. Não basta ter conhecimentos médicos, se a sociedade não dá um diploma, não é possível exercer a medicina de forma legal. Não basta ter conhecimento sobre as emoções, se não receber um diploma, ou melhor, se não há uma formatura, é possível ser conselheiro, mas não psicólogo ou psiquiatra. Tudo que é sério requer um ritual de passagem, uma iniciação. Muitos buscadores percebem um pequeno FLASH de luz, achando que já estão iluminados, e depois percebem, com ocorrências na sua própria vida, o que é ilusão do poder.

As tradições, as escolas iniciáticas, as religiões, as organizações, garantem que o trabalho do ego esteja dentro de uma unidade. Ou seja, não vai da cabeça de cada um que já se acha pronto, e sim, passo a passo, após uma busca incansável, dedicação e a confiança  na continuidade do trabalho espiritual. É assim nas Escolas Iniciáticas, nas artes marciais, nas escolas de formação educacional, nos esportes, na vida profissional… Alguns Mestres Espirituais já vieram prontos como Jesus, Buda, Lao Tsé e também passaram por seus aprendizados.

A palavra xamanismo foi criada por antropólogos para definir um conjunto de crenças ancestrais, que para mim,  é um caminho de conhecimento. Nós podemos perceber traços do xamanismo em várias religiões.

Pode-se dizer que as religiões representam um xamanismo adaptado e que, por sua vez, afetaram as tradições xamânicas continuadas ou marginalizadas, nas culturas que dominaram. As práticas, os mitos, as entidades dependem da tribo, linha, geografia, crenças… O xamã é sempre uma figura dominante, e não um santo, um avatar ou um profeta. O xamã é um intermediário entre o mundo espiritual da natureza e a tribo.

A Medicina da Terra é derivada de conhecimentos medicinais, passados pelos ancestrais, que são honrados por aqueles que recebem a iniciação. O clichê mais ultrapassado é aquele em que o iniciado tenta “matar” simbolicamente seu iniciador, ao invés de honrá-lo. Isso é enfraquecer a raiz pela qual ele foi formado, uma auto-sabotagem espiritual. O entendimento disso faz com que o discípulo crie conscientemente um movimento de afinidade que traz harmonia no resultado.

Quando percebemos a conexão Universal entre nós, todos os que viveram, que estamos todos ligados, conectados, compreendemos que todas as histórias fazem parte da nossa história. A consciência da conexão é vital ao aprendizado da convivência mútua. Ninguém vence sozinho. Todos temos a necessidade de nos conectar com algo fora de nós – com nossos companheiros de caminhada e com algo maior que nós todos. No xamanismo, procuramos aprender com as vozes dos ancestrais, dos velhos, das tradições, das crenças. Esse aprendizado é básico para podermos traçar o mapa de nosso caminho, de acordo com o livre arbítrio.

O “conhecimento” é para todos, mas “sabedoria” é para alguns. Por isso, acho importante a divulgação do conhecimento e aplicação prática dele, pois existe ainda uma minoria que se transforma. É como um garimpo! Entre esses buscadores do conhecimento sempre sai uma pepita de ouro, que vai fazer o mundo mais brilhante. Por essas pepitas vale a pena. E, o coração do verdadeiro iniciado tem que se confortar com isso, pois sempre é a minoria. Por outro lado existe um outro fenômeno. Algumas pessoas lançam-se à determinadas práticas, sem o devido conhecimento e sem as “bênçãos espirituais”, ou seja, ação sem conhecimento. O que pode ser mais problemático ainda.

Muitos iniciam a caminhada, mas poucos atingem as maiores alturas. E não está limitada aos iluminados, é disponível para todos nós, dependendo da sinceridade e humildade com que a buscamos. Sabedoria xamânica é a sabedoria da Mãe Terra e, a cada filho dela, é dado um presente, algum talento especial.

O xamã compreende o Círculo Sagrado da vida e recomenda, ajuda na cura e ensina o que é necessário para o bem comum da comunidade. Isto significa freqüentemente colocar a comunidade em primeiro plano. O caminho xamânico conduz a um relacionamento de amor com a Mãe Terra. Não é possível praticar o verdadeiro xamanismo, sem incluir os cuidados com a preservação da vida de todos os reinos (animal, mineral, vegetal, espiritual) em nosso planeta.

O xamanismo aparece como um reflexo de um “Grande Espírito”, que pode ter vários nomes. É honrar o Criador e todas as suas criaturas, sejam pedras, animais, aves, plantas, peixes, insetos, águas, ventos, etc., que compartilhamos a existência nesta vida. Essa consciência, esse alinhamento com as forças da natureza, transforma-se em poder de cura e expande habilidades psíquicas, através da reconexão com a vida, com o Sagrado, com o mistério da Criação.

No xamanismo ao redor do mundo podemos ver as similaridades que definem as práticas :

  • A Busca por estados alterados de consciência – Vôo da Alma/Êxtase. O xamã é um especialista e um mestre da viagem estática
  • A capacidade de viajar em espírito  assumindo a forma de um animal ou ave, ou diretamente através daquilo a que chamaríamos de experiência fora-do-corpo. Este vôo mágico é  um dos fundamentos do xamanismo
  • Viagem por mundos paralelos (Reino dos Espíritos). Mundos invisíveis à realidade ordinária, a fim de guiar espíritos, obter conhecimento espiritual
  • Trabalho como canal de cura, o conhecimento do poder das plantas, pedras, dos espíritos animais e seres da natureza
  • O foco das práticas do xamanismo centra-se nos ritmos cíclicos da natureza: nascimento, morte e renascimento, a complementariedade masculina e feminina, o contato pessoal individual com ambiente imediato da terra, com as forças da terra, do sol, da lua e das estrelas. Um verdadeiro xamã, enfrentou suas sombras, enfrentou e venceu seus medos: da insanidade, da solidão, do orgulho, da vaidade e dos vícios; da doença, ao passar por mortes em vida. Depois disso escolhe torna-se curador curado, auxiliador, profeta, visionário, à serviço das pessoas.
  •  Devoção à Criação : O Sol, a Lua, as Estrelas, o reconhecimento da presença de Deus em todas as manifestações do Universo
  • Interação com espíritos da natureza.
  • Utilização de instrumentos de poder para induzir ao transe/estados  alterados de consciência (tambores, maracás, etc)
  • Conhecimento sobre o fogo
  • Utilização de plantas (purificação, enteógenas, medicinais, magnéticas)
  •  Canções de Poder
  •  Danças
  • Técnicas respiratórias e dietas
  • Contação de histórias, preleções.

No xamanismo, como a mais antiga prática espiritual da humanidade, o respeito pela ecologia, o reconhecimento do Sagrado, a necessidade de expandir a consciência e obter resposta em mundos paralelos, a prática do amor incondicional; são as bases das práticas. A prática estabelece contato com outros planos de consciência, a fim de obter conhecimento, poder, equilíbrio, saúde. Propicia tranqüilidade, paz, profunda concentração, estimula o bem estar físico, psicológico e espiritual.

No xamanismo praticado na atualidade, também podemos ler a “Magia dos Elementos” assim: A Terra é relacionada com o corpo físico, e com as sensações. A Água é relacionada com a alma e com as emoções e sentimentos. O ar é relacionado com a mente e aos aos pensamentos e idéias. O fogo é relacionado com o espírito e associado à consciência, a claridade, a inspiração.  A interação harmônica dos elementos equilibra a Jornada da Nossa Alma, faz girar a Roda da Vida em harmonia.

O xamanismo cobre práticas de cura de ancestrais primitivos e indígenas, ao redor do mundo. Gosto de trabalhar num conceito de Xamanismo Universal, que une o xamanismo tradicional e o neo-xamanismo num só movimento para uma “Nova Consciência”,  fazendo conexões entre os conhecimentos esotéricos do Oriente e do Ocidente, sem cair na xenofobia dos povos do passado e nem na banalização típica de muitos movimentos New Age. Se eu tivesse que sintetizar o que é xamanismo, diria que é  a “Jornada da Consciência”, é um legado da humanidade, além das fronteiras dos países, credos, raças, filosofias. Xamanismo Universal não significa uma classificação nova no xamanismo, o xamanismo é universal. A premissa básica é o reconhecimento de que todos fazemos parte da Família Universal e tudo está interligado. O praticante compreende o “Espírito Essencial” que está dentro dele mesmo, na natureza e em todos os seres. Ele sabe quem ele é, e como se relaciona com o Universo. O reconhecimento do caminho da verdade vem da expansão da consciência e a compreensão que o verdadeiro poder está dentro de cada praticante, e provém do desenvolvimento de seus próprios dons. Inspirados na sabedoria dos povos ancestrais, temos o desafio de resgatar o conhecimento acumulado das práticas xamânicas das diversas tradições do planeta, para os dias atuais. Assim pretendemos contribuir, para a saúde, autoconhecimento e o bem-estar geral do nosso povo, assim como resgatar valores para uma vida mais harmônica e ecologicamente correta.

Os ancestrais xamânicos viviam em harmonia e equilíbrio com todos os seres, fossem eles pedras, plantas, animais, pássaros, peixes, e até insetos. Para garantir sua sobrevivência, em ambiente hostil, os homens primitivos, interpretavam os sinais e as mudanças da natureza a seu redor. Viviam de acordo com os ciclos do Sol e da Lua, das mudanças das estações, das manifestações da natureza, vento, chuva, etc.

Os caminhos do xamanismo são espirituais. A prática xamânica compreende a capacidade de entrar e sair de estados de consciência, de realidades não-ordinárias. Os estados alterados de consciência, não envolvem apenas o transe, e sim a capacidade de viajar na realidade incomum com o objetivo de encontrar-se com espíritos animais, plantas, mentores, obter insights, para curas, oráculos. Os estados alterados de consciência incluem vários graus; Stanley Kryppner chega a classificar 20 estados diferentes de consciência. Eliade fala do êxtase, Castañeda fala do nagual. Nirvana, samadhi, alfa, transe, satori, consciência cósmica, supraconsciência, etc também são nomes para a mesma manifestação. É através desses estados que conseguimos nos conectar com nossos mitos, símbolos, nossa verdade interior. Conseguimos expandir a nossa percepção para os mistérios que estão guardados em nós mesmos. Aprendemos a sentir, ver e ouvir a energia. Nos religamos com o Sagrado e com a fonte criativa de tudo o que nos acontece. Através da consciência ordinária, não conseguimos alcançar níveis profundos do nosso ser. Existem diversas técnicas ou rituais para se chegar a estados mais profundos de consciência, dentre elas: tambores, danças, jejuns, plantas de poder (enteógenos), respirações, posturas corporais, e outros.

Através desses estados especiais alcança-se uma experiência divina, acessa-se uma fonte de Sabedoria Superior, podemos curar nosso corpo, nos conhecermos melhor através das visões, expandirmos a nossa consciência. É através desses estados, que é possível conectar com mitos, símbolos, nossa verdade interior, expandir a nossa percepção para os mistérios que estão guardados em nós mesmos.

Aprendem-se as influências e forças da Terra, e como as energias naturais, afetam a vida. Tudo na natureza cresce e muda. É um ciclo. Os povos antigos consideravam a viagem circular da Terra ao redor do Sol uma roda, representando o eterno ciclo de nascimento e desabrochar, crescimento e florescimento, maturidade e frutificação, envelhecimento e decadência, morte e decomposição e, novamente renascimento, refletido na vida humana e na natureza. Os nativos reconhecem o círculo como o principal símbolo para o entendimento dos mistérios da vida. Observaram que ele estava impresso em toda a natureza. O homem olha o mundo através dos olhos, que é um círculo. A Terra, a Lua, o Sol, os planetas; são todos circulares. O nascer e o por do Sol, acompanham um movimento circular. As estações formam um círculo. Os pássaros constroem ninhos em círculos, animais marcam seus territórios em círculos. As cabanas, ocas, tipis são circulares.

Atualmente o xamanismo pode ser dividido em duas escolas. O xamanismo tradicional: que segue as tradições nativas. E o neo-xamanismo: que adapta a essência, com práticas terapêuticas, numa realidade urbana etc. Eu não consigo me classificar em nenhuma das duas linhas, eu prefiro dizer que xamanismo para mim é Universal. Atualmente, muitos xamãs, inclusive no Peru, rezam para Cristo, e aceitam que Jesus foi um Xamã Iluminado. Podemos, numa abordagem mais abrangente dizer que a Doutrina Santo Daime é um xamanismo cristão, assim como a Native American Church nos EUA, a Umbanda , a União do Vegetal, a Barquinha, o Catimbó, os cerimoniais com cogumelos de Maria Sabina, e outros. Existem traços do xamanismo em todas as religiões: no Budismo Tibetano, no Judaísmo, no Tantrismo, no Cristianismo. Isso torna muito desafiante a tarefa de separar o que é e o que não é xamanismo, pois tudo está conectado!

O xamanismo resgata a relação sagrada do homem com o planeta. O resgate dos festivais sazonais (Solstícios e Equinócios), por exemplo, não marcam apenas a jornada do Sol, mas também os pontos críticos das estações, o ciclo agrícola, nossas emoções, hábitos. Essas “Forças Verdadeiras” acessadas desde o princípio, na história espiritual da Terra, são resgatadas através dos séculos  e podemos senti-las atuando em todos os momentos da cerimônia. Podemos sentir a ligação profunda que a natureza tem com a vida, nos tornarmos parte de uma comunidade global, propomos o  Vôo da Consciência em busca de novos horizontes, de novas conquistas, de um novo ser, de uma nova vida. O início de uma vida pautada na sabedoria encontrada nas folhas, nos movimentos dos ventos, no poder transformador do fogo, nos espíritos ancestrais, na jornada da alma, na missão. As religiões do mundo moderno não têm tempo para a ecologia espiritual, assim como a cultura e o modelo de pensamento consumista atuante.

As Grandes Religiões inspiram e apontam para uma vida eterna fora deste planeta e pouco se preocupam em honrar as realidades do espaço sagrado em que vivemos. Muitos vivem, atualmente, com uma sensação de separação, de isolamento, um sentimento de que deva existir um sentido maior na vida. Os rituais xamânicos podem trazer a consciência de que somos apenas um “microcosmo”, de que somos parte de “algo maior”, de que somos filho da Terra, parte de uma Terra Viva.

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