Metafísica da Fala
Por Romeu Graciano
“Os dons da linguagem e da voz são desperdiçados em nossa cultura, incapaz de compreender a refinada arte da conversação. A fala não só é a expressão do pensamento, como também manifesta no mundo da matéria a realidade criada pela mente humana.
A situação relatada a seguir aconteceu num grupo de sustentação espiritual da Cidade de São Paulo :
” – Estou no fundo do poço”, resumiu uma das participantes para descrever como estava se sentindo e justificar a sua dificuldade para colocar em prática alguns dos ensinamentos recebidos.”
” – Você não está no fundo do poço, está no fundo de um útero que irá fazer você renascer”, corrigiu um dos orientadores, mostrando a vantagem de empregar palavras construtivas quando vamos expressar sentimentos indesejáveis.”
Sem perceber, nós influenciamos as circunstâncias da nossa vida através das palavras. Os chavões negativos presentes em nossa linguagem demonstram parte do condicionamento mental a que estamos submetidos, que transforma tanta gente em vítimas inconscientes de si mesmas, às vezes paralisadas na escuridão do “fundo do poço” ou encurraladas num “beco sem saída”.
Nossas faculdades de verbalização desconhecem a natureza mágica das palavras e seus efeitos nas esferas sutis da existência. Se assim não fosse, possivelmente o ser humano daria muito mais valor ao silêncio, seria mais econômico em sua fala e refletiria antes de dizer algo.
Lamentavelmente, a conversação costuma ser um amontoado de pensamentos e sentimentos pouco edificantes, serve de compensação das ansiedades e desequilíbrios da maioria das pessoas. Quanto menor for o controle dos órgãos dos sentidos, mais dificuldade se tem para dominar a língua. Por isso se diz tanta inutilidade, se lança, inconsequentemente, uma quantidade absurda de palavras nocivas no ambiente que compartilhamos com os outros. Tal forma de poluição deveria ser mais notada e prevenida.
“Não sabeis que o que entra pela boca desce ao estômago e é jogado no esgoto? Mas o que sai da boca provém do coração e isso torna impuro o homem. Porque do coração provém os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, a prostituição, os roubos, os falsos testemunhos, as blasfêmias. É isso o que torna o homem impuro. Mas comer sem lavar as mãos, isso não torna o homem impuro” (Mateus,15), disse Jesus para explicar a razão do cuidado que se deve ter com o que “sai da boca”.
A palavra falada é a exteriorização audível do pensamento. Enquanto som propagado através do ar, a palavra produz vibrações e ressonâncias em nós próprios (internas e externas) e no meio ambiente, o que evidencia algo do seu poder de agir na realidade concreta. Em termos psicológicos, seus múltiplos efeitos podem ser observados pelas impressões mentais e emocionais causadas naqueles que a recebem.
As imagens e sensações associadas ao “fundo do poço”, por exemplo, são diametralmente opostas às condições de quem se visualiza dentro de um útero acolhedor, aguardando o momento de seguir confiante para a vida.
Dependendo da frequência e intensidade com que são repetidas, as palavras estabelecem atitudes boas ou más em nosso comportamento.
Sem a determinação da vontade para controlar a negatividade que, muitas vezes, acompanha o discurso, o indivíduo fortalece no subconsciente padrões de comportamento de igual natureza. é o que acontece com pessoas habituadas a se julgarem “incapazes”, “sem sorte”, num conformismo que dá continuidade a esses estados.
O uso de palavras mágicas, de fórmulas tipo abracadabra, subentende um conhecimento fundamental na força do verbo (Logos) criador, que, segundo a crença, organizou e deu forma à matéria dispersa antes do surgimento do Universo.
A teoria do Big Bang, a explosão primordial ocorrida há cerca de 15 bilhões de anos, seria a versão científica do fabuloso acontecimento sonoro, que a tradição religiosa ocidental associou como o Verbo Divino.
Não é preciso dominar fórmulas mágicas para entender que a fala transpõe para o mundo material as energias sutis trabalhadas pela mente humana. como a energia segue o pensamento, ao verbalizá-lo mobilizamos essa energia para se manifestar. A eficácia desse processo dependerá da nossa concentração num determinado pensamento, que deverá estar apoiado na intensidade da fala e do sentimento. Isso responde o porquê de as pessoas geralmente criarem situações de tanto se preocupar e falar a respeito.
É o caso da esposa cismada com a infidelidade do marido, e que um dia descobre a existência de outra mulher, confirmando suas antigas suspeitas. O ciúme doentio tem alta capacidade de estimular a imaginação.
E, se não estamos em paz com nossos pensamentos, fatalmente falamos muito mais do que deveríamos. Pessoas que usam supostas histórias de acusações contra seus parceiros estão, na verdade, plantando provavelmente situações futuras. Como se plasmassem, com a linguagem e seus pensamentos, a realidade que não desejam ver acontecer.
A metafísica da linguagem é um campo vasto e pouco explorado. Exemplo: você pode ajudar uma pessoa sem confiança nas suas capacidades conversando com ela, falando-lhe com firmeza, convicção e sentimento dos seus potenciais adormecidos. Usando o poder da palavra para lhe avivar as qualidades que ela não consegue reconhecer. Não é forçar elogios. Seja sincero e intuitivo, use a empatia para explorar pontos importantes do eu interior dela. Mesmo que ela não acredite no que estiver ouvindo, a força contida nas suas palavras deixará algum registro desse momento a ser resgatado.
Se estamos conscientes da presença invisível de outras inteligências, é bom saber que, ao lançarmos uma ideia no ar, podemos atrair habitantes do outro plano interessados na realização do que foi dito sem objetivo aparente, só para “jogar conversa fora”. Já que não só as paredes tem ouvidos, é aconselhável avaliar bem tudo aquilo que se diz, levando em conta que o mal produzido pelas palavras se propaga muito além do alcance da nossa ação para remediá-lo.
Havia um homem que procurou Maomé para resolver um sério problema: “Sinto-me muito infeliz por ter agido mal com um dos meus amigos. Acusei-o injustamente, caluniei-o e agora não sei como reparar o mal que fiz. O que me aconselhas? ” Maomé então lhe disse: “Eis o que deves fazer: vai pôr uma pena em frente de cada casa da cidade e amanhã vem falar comigo outra vez. “Após cumprir a orientação recebida, no dia seguinte, o homem lhe fez nova visita. “Fizeste bem. Agora vai buscar as penas e traga-as aqui”, disse o profeta. As horas passaram e lá estava o homem de volta: ” Não encontrei uma única pena!”, ele logo foi dizendo. E Maomé replicou: “O mesmo se passa com as palavras: uma vez proferidas, não podes voltar a apanhá-las, elas voaram.”
Aqueles que fizeram da maledicência um hábito socialmente aceito, deveriam considerar com atenção o vinculo da fala com a lei das manifestações, algo que os antigos magos praticavam. Sabendo que o fluxo de pensamentos e emoções circula entre as pessoas no tempo e no espaço por meio do campo da energia humana. Os pensamentos e as palavras afetam em conjunto os padrões energéticos da nossa aura, gerando formas-pensamento que nos influenciam em todos os níveis, além de atraírem material astral que vibra na mesma sintonia. pois pensamentos e palavras são vibrações atuando de acordo com a lei das correspondências, que nos revela que tudo vibra e pulsa no universo. Pois ritmo também é vida.
O canto devocional é uma das maneiras nobres de usufruir dessa lei. O som de palavras divinas – como Amém ou Om (mantra) – faz vibrar nosso corpo e consciência numa sintonia elevada, colocando-nos em ressonância com a realidade de Deus. Pelo mesmo processo, a linguagem grosseira cria uma atmosfera desagradável, agrega material astral afinada com ela.
O ser humano apresenta diferentes níveis de tolerância à fala pessimista, excessivamente crítica e julgadora. Pessoas cuja negatividade já está incorporada à sua personalidade, nem precisam abrir a boca para sentirmos o desconforto causado por suas vibrações. A energia do pensamento é ainda mais sutil e rápida nos seus efeitos.
Para nós, representa uma chance de evitar maiores estragos causados pelas palavras, porque pelo pensamento formulado no coração, sede de nossa mente superior, pode-se interceder junto aos nossos espíritos aliados e solicitar a reparação da palavra venenosa dirigida ao outro. E a reconciliação direta, franca e sentida conclui esse processo com fecho de ouro.
Porque certas pessoas nos tocam profundamente com sua fala e outras passam indiferentes com seu discurso? Há muitos aspectos que contam numa análise desse tipo, inclusive as particularidades da voz de cada pessoa e a sua força espiritual. Contudo, a maneira como nos sentimos quando falamos e a intenção que nos move a emitir a palavra são pontos primordiais para se obter resultados satisfatórios.
Tomemos uma regra simples; a fim de evitar a conversação inútil, deve-se aprender como falar, o que falar e quando falar; e logicamente saber ouvir as pessoas.
O *budismo* identifica quatro formas destrutivas de ação da palavra :
* Primeira : mentir ou enganar os outros.
* Segunda : usar linguagem desagregadora, causando a discórdia entre as pessoas.
* Terceira : usar linguagem abusiva e áspera com os outros, como insultar, gritar.
* Quarta : praticar conversas sem sentido, falando coisas desnecessárias, sem consciência.