Marc Amiel – Entrevista – Sálvia Divinorum
Em entrevista à Leo Artese, Marc Amiel, o estudioso de Salvia Divinorum mais antigo no Brasil, fala sobre a composição etnobotânica desta fascinante Planta de Poder e sobre sua origem. Segundo ele, Sálvia Divinorum era utilizada por xamãs aztecas com finalidade de cura e também de expansão espiritual, ao contrário do que muitos pensam, não é recreativa. Acompanhe abaixo.
Por: Léo Artese
Léo: Amiel, você é a pessoa que está pesquisando há mais tempo a Salvia Divinorum no Brasil e quero parabenizar-lhe pelo site : www.plantadivina@bol.com.br . Fale um pouco sobre o Amiel e como tudo começou?
Amiel: Amiel é um nome transpessoal, que indica alguém livre, alguém que quer a verdade sobre seu ser e sobre o universo. Ele não é necessariamente outra personalidade. Ao contrário, é uma atitude de rebelião contra falsas personalidades. Pertence a alguém que renasceu e que, portanto, poderia ter um outro nome. É também alguém que provoca e desafia um sistema dominante no planeta terra, que questiona as verdades impostas, e que não se contenta com a ignorância e falta de percepção do “ao redor”. Desde muito jovem, sempre dei ênfase à busca de ferramentas para ampliar a percepção e para aprofundar técnicas de meditação. As plantas medicinais foram criadas a partir da inteligência da natureza e podem ser utilizadas em nosso benefício. Meu primeiro contato com a Salvia Divinorum ocorreu somente em 2000. Foi quando percebi que havia algo de valor ali.
Léo: O que você acha importante o leitor saber sobre a Sálvia Divinórum ? (um breve histórico, fitoquímica, efeitos, legislação atual)
Amiel: O principal a ser dito é que as pessoas deveriam se aproximar de plantas de poder com cautela e respeito. Salvia Divinorum é uma cultura antiga de xamãs, que remonta à época de povos aztecas. Seu uso tem finalidade curativa e religiosa. Assim, não é algo recreativo. Se alguém quer fugir da realidade ou sentir um “barato”, ela deveria assistir televisão ou beber cerveja. A Salvia Divinorum vai confundir essa pessoa; vai deixá-la sem chão pois haverá um encontro com o desconhecido; haverá uma mudança drástica de referenciais então isso não vai ser divertido. E a pessoa vai fazer julgamentos precipitados, poderá dizer que é algo ruim, triste, satânico, que causa psicose, que causa isto ou aquilo, sem suspeitar que ela não está falando algo sobre a planta, mas comentando dela mesma… Portanto, Salvia Divinorum não é para todos. Pode ser um pensamento elitista, e é assim, pelo simples fato de que as pessoas são diferentes e têm objetivos diferentes. Outra questão é a responsabilidade. As pessoas deveriam se preocupar com seu direito de liberdade de uso da Salvia Divinorum, direito que está muito ameaçado. As autoridades civis estão monitorando situações inconvenientes. Mas se as pessoas utilizarem este medicamento espiritual com responsabilidade e a ciência comprovar os seus benefícios medicinais, não haverá razão legítima para se criminalizar seu uso.
Léo: Você já teve experiências com outras plantas de poder? Como você compararia a Sálvia com as outras?
Amiel: Há quem diga que a Salvia Divinorum teria semelhanças com o oliuliuqui, (sementes de ipomoeas) e com o DMT (hoasca, daime, vegetal). Já tive oportunidade de experimentar várias plantas de poder e sinto que os efeitos da Salvia não têm semelhança direta com nenhuma outra planta. É difícil antecipar o que se pode esperar de uma experiência com Salvia Divinorum, pois elas são tão distintas entre si que é difícil elaborar um padrão específico.
Léo: Como era, ou é o seu uso ritualístico? Os mazatecas ainda a utilizam? Ou ela foi resgatada pelo neo-xamanismo, pesquisadores de estados alterados de consciência, ou viajantes psicodélicos?
Amiel: Sabe-se pouco a respeito do uso ritual da Salvia Divinorum. Toda literatura a respeito é muito recente, se comparada aos cogumelos e o ololiuqui, em que há registros de uso ritual pelo menos três séculos. Jean Johnson, um antropólogo americano, foi o primeiro a relatar o uso ritual da Salvia pelos povos mazatecas e cuicatecas e isso foi só em 1938. É tão limitado o que se sabe que, embora haja especialistas que afirmem o uso da Salvia remonta a povos de origem milenar como os aztecas, nada foi absolutamente comprovado. Conforme se tem notícia, o uso tradicional mazateca ainda é realizado até hoje, por alguns poucos xamãs, chamados no México de curanderos. Geralmente, eles sobem a montanha acima, e depois de realizarem certas solenidades, que inclui rezas e posturas, fazem a colheita das folhas. Após isso, se agrupam ao pôr-do-sol, em clareiras da floresta ou mesmo na residência do curandero, quando o paciente e o curandero ingerem uma poção feita com a planta. Então, o paciente entra em um estado alterado de consciência, ou transe, e conforme o que ele diz ou como se comporta, o curandero faz um diagnóstico do problema, terminando a sessão banhando o paciente com uma solução de Salvia preparada anteriormente. Há muitas formas de ritual, que geralmente incluem temas cristãos.
A utilização de salvia tem finalidade terapêutica,sendo indicada no tratamento deanemias, diarréia, reumatismo, dor de cabeça, ansiedade e depressão, e como antibiótico para certas bactérias. Além disso, é utilizada por estes curandeiros como ferramenta para adivinhação e revelação de realidades ocultas, cura de maldições, purificação do espírito, etc. Penso que estas cerimônias rituais têm validade pois criam um choque emocional e psicológico e correspondem às modernas catarses terapêuticas, como uma sessão de bioenergética, por exemplo. Hoje em dia, os indígenas mazatecas se tornaram quase que totalmente urbanos, são gente muito simples, que não usa tecnologia, mas sua cultura de plantas de poder tornou-se mundialmente famosa. É inquestionável que os chamados neo-xamãs e pesquisadores ocidentais levaram a Salvia do México e a tornaram disponíveis em nível mundial. Ela já é conhecida e cultuada em quase todo o mundo.
Léo: Como obter a Sálvia e que conselho dá aos buscadores de primeira viagem?
Amiel: Atualmente, a Salvia, assim como as inúmeras outras plantas de poder, é facilmente obtida pela internet, nos sites que vendem botânicos. Mas, no Brasil, há uma dificuldade crescente em encomendar estes produtos lá de fora, diante das inúmeras restrições legais na importação de produtos vegetais, e frequentemente, há confisco pelos agentes da nossa alfândega. Como quase nada está sendo produzida aqui, atualmente está difícil obter Salvia Divinorum no Brasil. Por enquanto, é menos arriscado aguardar algum tempo até que haja oferta daqui, ao invés de importar de fora. Para quem deseja experimentar, meu conselho é que reflita bem antes sobre o porquê de querer experimentar. Além disso, leia bastante sobre o assunto, e tome todas as precauções necessárias para sua segurança.
Léo: O seu uso, era inicialmente mascado ou na forma de chás. Como começou a ser fumada? Porque é necessário um isqueiro maçarico?
Amiel: Há registros de que, inicialmente, o consumo era feito na forma de chás ou poção feita através da moagem da folha dentro de um recipiente com água. Embora alguns especialistas afirmem que a mascagem é algo mais recente, aparentemente também é uma forma antiga de uso. Já fumar as folhas é algo definitivamente recente, é uma novidade surgida a menos de 15 anos atrás. A salvinorina existente na folha necessita um alto grau de temperatura para vaporizar. Então, para fumar esse elemento psicoativo, seria necessário manter uma chama direta e constante sobre as folhas moídas. Por este motivo que as pessoas que fumam Salvia Divinorum não utilizam cigarros, mas sim, cachimbos com um isqueiro comum. Assim, não há porque dizer que o isqueiro maçarico seja absolutamente necessário, mas ele tornaria as coisas mais fáceis já que o calor é mais intenso e a vaporização ocorreria instantaneamente.
Léo: Qual é a diferença entre as folhas, o extrato e o óleo?
Amiel: Fazer infusão ou mascar folhas é um método tradicional dos xamãs mexicanos. É o mais indicado e a forma mais segura de utilizar. Já os extratos são folhas comuns de Salvia Divinorum moídas e banhadas em solução de salvinorina, aumentando a quantidade deste elemento ativo muito mais do que uma folha normal. Tem extrato em que as folhas tem 25 vezes mais salvinorina que uma folha natural. Elas seriam para certas pessoas, denominadas “cabeças duras”, que têm pouca sensibilidade à folha natural da Salvia. Mas é importante verificar a sensibilidade de cada um, antes de utilizar isso, pois na maioria das vezes, não são necessárias. Quando as folhas são fumadas, os efeitos são quase que instantâneos e duram por cerca de vinte a trinta minutos, quando a pessoa estará se sentindo completamente normal. É desaconselhável fumar extratos, e é imprescindível que haja um assistente e estar em ambiente térreo com portas e janelas fechadas quando for usá-los, pois doses muito exageradas de salvinorina podem causar desmaios e sonambulismo, em que a pessoa sai andando inconsciente pelo ambiente e isso realmente é muito perigoso. Ao fumar, as experiências tendem a ter duração bem curta, com cerca de 10 minutos mas, em geral, são muito intensas. Tinturas ou essências de Salvia Divinorum são um composto alcoólico com Salvinorina, ou uma espécie de essência floral administrada sublingualmente. Geralmente, dilui-se uma parte de essência em uma ou duas partes de água, para que a alta concentração de álcool não provoque muita ardência na boca. Os efeitos da essência sublingual e os provenientes da folha mascada são muito parecidos, tanto em duração de tempo, quanto em intensidade. Os efeitos demoram a chegar e podem durar cerca de 2 horas, quando então a pessoa sentirá que tudo voltou ao normal.
Léo: Você poderia narrar os detalhes da sua mais profunda viagem?
Amiel: Nem todas as experiências podem ser narradas e o motivo disto é bem simples de ser explicado. Primeiro porque, assim como certas experiências místicas, elas são inexprimíveis, já que seus detalhes não são capturados pela memória como descrições e narrações cronológicas. Além disso, se eu uso palavras para transmitir ideias sobre o silêncio, as próprias palavras se tornam um problema. Segundo, porque há certas experiências que se fossem reveladas, criariam falsos rumores e raciocínios equivocados sobre o experimentador, o que pode causar mal-entendidos e constrangimento. Às vezes, transmitir uma experiência é importante para a pessoa e ela deve fazer isso somente para alguém de sua absoluta confiança. A realidade é que vivemos em uma sociedade insana, em que quase todas as pessoas têm imensos problemas, são desinformadas sobre coisas essenciais e não têm consciência disso. Há muita contradição no que se considera um comportamento socialmente aceito. Veja, por exemplo, o quanto as pessoas classificam precipitadamente plantas e botânicos de “drogas”, ou de “coisa perigosa” mas, ao mesmo tempo, se dopam com toda sorte de medicamentos farmacêuticos e consomem toda espécie de lixo, sem também saber a repercussão disso em seu corpo e em seu espírito. A maior experiência que alguém possa ter é perceber quem é si mesmo. Há várias realidades dentro de uma pessoa que ela mesma não conhece. De certa forma, não fomos apresentados a nós mesmos. E esse encontro entre a pessoa e a verdade sobre ela mesma é algo revolucionário. Isso é realmente relevante pois é algo que pertence ao processo evolutivo da pessoa. A Salvia Divinorum cria condições, abre portas para essa possibilidade mas, por várias razões, não necessariamente proporcionará isso a todas as pessoas. Muitas vezes alguém experimenta Salvia e não sente nada, ou sente medo e não quer mais saber disso. Estou convicto de que o uso de plantas de poder não é imprescindível nessa busca por si mesmo, mas pode ajudar a pessoa a ter um vislumbre, ou um insight a respeito de si mesma e do quanto ainda existe para ser conhecido sobre o ser humano, sobre sua consciência e sua realidade.
Em termos gerais, a salvia divinorum, tomada dentro de um contexto correto, deverá:
* aguçar a percepção sobre determinados objetos do universo conhecido, ao mesmo tempo suprimindo ou amenizando a percepção de outros.
* revelar e, ocasionalmente registrar na memória, um universo desconhecido.
* cumprir uma “profecia”.
A mente utilitária do homem sempre deseja encontrar utilidade ou vantagem para todas as coisas. Como, por exemplo, obtenção de cura para alguma enfermidade ou que traga prazer. Mas certas experiências como a vivência com salvia confundem esse tipo de mente pois o experimentador se depara com um “vazio” ou “absurdo” que ele interpreta como angustia ou ausência de sentido. A verdade é que a vida segue um caminho bem incompreensível para essa mente.
Mesmo assim, a salvia divinorum é muito indicada para céticos e materialistas. Minha experiência é que o encontro com o desconhecido faz uma pessoa materialista pôr em xeque seus próprios conceitos (em geral limitados), e passa a perceber que o universo é mais vasto do que ela imaginava.
Por isso considero que a salvia divinorum é uma iniciação espiritual ideal para mentes cartesianas, materialistas, ateus e analíticos. É um tapa colossal na cara de quem pensa que tem cara. Por isso a salvia divinorum, assim como outras plantas tende a ser mal compreendida. É inclusive equivocadamente taxada como despersonalizante ou causador de psicopatologias como a esquizofrenia. Mais uma vez é o ego utilitário esperneando e correndo atrás da cauda.
Também a salvia divinorum, em raras ocasiões especiais, realmente proporciona um vislumbre do estado de total integração, ou conhecimento da verdade sobre si e sobre o universo, denominado pelas tradições de samadhi ou iluminação. Já notei também que dependendo de quem vivencia, a iluminação pode ser encarada tanto como êxtase ou sofrimento. Mas gosto de enfatizar sempre que o estado de iluminação não é algo do qual você sente como “iluminação” ou que a pessoa diga: “então é isto…”. Imagine que não haverá mais aquela pessoa para dizer isso, pois na verdade, a pessoa não existe da forma que ela pensa que existe.
A portaria 344, da Anvisa, estabelece os conceitos de entorpecente, psicotrópico e arrola através do seu anexo I, as plantas e substancias controladas. Apenas o que está nesta lista será controlado pelas autoridades. Até a Resolução RDC 26-2005 (ultima atualização desta lista) não há inserção da planta Salvia ou a substancia Salvinorina. Portanto, até o momento, possuir uma Salvia Divinorum e seus subprodutos é absolutamente legal e um direito legítimo.
Léo: Muito interessante a sua abordagem, me permita fazer alguns pitacos:
Em termos gerais, a salvia divinorum, tomada dentro de um contexto correto, deverá:
* aguçar a percepção sobre determinados objetos do universo
conhecido, ao mesmo tempo suprimindo ou amenizando a percepção de
outros.
*Léo* : Gostaria que você explorasse mais essa acima .
* revelar e, ocasionalmente registrar na memória, um universo
desconhecido.
* cumprir uma “profecia”.
Léo : Qual profecia?
Amiel: A mente utilitária do homem sempre deseja encontrar utilidade ou vantagem para todas as coisas. Como, por exemplo, obtenção de cura para alguma enfermidade ou que traga prazer. Mas certas experiências como a vivência com salvia confundem esse tipo de mente pois o experimentador se depara com um “vazio” ou “absurdo” que ele interpreta como angustia ou ausência de sentido. A verdade é que a vida segue um caminho bem incompreensível para essa mente.
Mesmo assim, a salvia divinorum é muito indicada para céticos e materialistas. Minha experiência é que o encontro com o desconhecido faz uma pessoa materialista pôr em xeque seus próprios conceitos (em geral limitados), e passa a perceber que o universo é mais vasto do que elaimaginava.
Léo: Outra questão, esses céticos se conectaram com o Sagrado? Ou que apenas ficaram fascinados pelo potencial da mente humana? Tiveram uma experiência espiritual, psicodélica ou do tipo matrix?
Amiel: Por isso considero que a salvia divinorum é uma iniciação espiritual ideal para mentes cartesianas, materialstas, ateus e analíticos. É um tapa colossal na cara de quem pensa que tem cara. Por isso a salvia divinorum, assim como outras plantas tende a ser mal compreendida. É inclusive equivocadamente taxada como despersonalizante ou causador de psicopatologias como a esquizofrenia. Mais uma vez é o ego utilitário esperneando e correndo atrás da cauda.
Tratando da percepção, a Salvia altera a percepção de elementos do som e da luz como amplitude e volume. E creio firmemente que uma das causas dessa alteração é o distanciamento do corpo físico dos corpos sutis, provocado pela Salvia, quando estes migram para outros universos (interiores ou exteriores).
Certa vez, meu plano de observação foi ampliado para várias quadras de distância, embora o corpo físico estivesse localizado em uma sala, fenômeno comum com Ska Pastora. Então, um cinzeiro metálico caiu e seu barulho parecia poder ser ouvido até várias quadras de distância. Percebi que o cinzeiro pertencia às impressões do corpo físico, e as
várias ruas da cidade pertenciam às impressões do corpo sutil.
Há supressão da percepção quando, por exemplo, as paredes deixam de existir (outro tema comum com ska pastora). Ou quando o geral fica visível, então certos detalhes somem, como a parede, ou a casa, ou o ponto de referência do corpo físico.
Também a falta de referenciais normais suprimem a percepção normal. Além disso, possuímos outras espécies de percepção, como olhos que percebem de outras maneiras. Por exemplo, se você está no espaço, longe da Terra, mesmo com olhos físicos não haverá embaixo e encima, atrás ou na frente mas ainda haverá tempo e coordenadas. Mas se o observador percebe eventos com olhos e ouvidos estranhos, num espaço desconhecido e na ausência de tempo, haverá confusão e supressão da percepção normal.
Pela razão de ocorrer uma momentânea dissociação entre corpos, creio ser importante não haver tumulto no lugar do corpo físico.
Sobre a questão da “profecia”, gostaria de partir do pressuposto de que possam existir fatos e momentos da vida mais relevantes que outros. Aparentemente, o ritual com ska pastora tem inúmeras implicações, em vários níveis, sejam internos e externos. A ocorrência de uma percepção ampliada deste tipo certamente transforma o observador em uma espécie de vínculo ou “ponte” entre várias dimensões visíveis e invisíveis. Há ainda outros fatores de importância neste evento, como a possível ocorrência de fim do tempo e espaço (dissociação tempo-espacial), tomar conhecimento de informações inacessíveis (adivinhações), sintonia com outras consciências (telepatia), entre outras situações.
Assim, tenho suspeitas de que estes momentos cruciais, de uma forma misteriosa, estariam mais ou menos previstos. Sei que parece uma atitude determinista e radical mas esta é uma conclusão intuitiva, forçosa, que vai inclusive contra minha própria lógica intelectual. Tive este sentimento várias vezes naquele estado. Era como se aquilo estivesse destinado a acontecer ou como se aquilo tivesse sido previsto anteriormente.
“Profecia” refere-se a uma hipótese prevista antes de acontecer. Por isso usei este termo.
Léo: Outra coisa Amiel, você sabe sobre rituais? A forma sacramental de uso?
Amiel: Sobre o uso ritual tradicional, a primeira descrição do uso da planta em contexto ritual parece ser atribuído a Robert Weitlaner (Wasson 1962). Wasson mesmo afirmou que a planta era, para muitos shamans, um substituto para o cogumelo psilocibe (psilocybe spp) sendo que o ritual desse cogumelo parece ter sido, aos poucos, adaptado para a
Salvia Divinorum.
Para certos líderes, a planta seria uma encarnação da virgem maria. Em geral, nomes e simbolismos são claramente influenciados pela iconografia católica. Contudo, há certas contradições como, por exemplo, a virgem Maria bíblica não era pastora nem nunca criou ovelhas. Então a questão lingüística é bastante enigmática (Epling-J.Tiva. 1962).
A Ska Pastora é historicamente usada pelos curandeiros para descobrir a causa de doenças dos pacientes, para adivinhar o futuro e responder a importantes questões. É usada também no tratamento de reumatismo, diarréia e dor de cabeça (Valdez 1983).
A dificuldade em fazer contatos e principalmente obter informações com curandeiros mazatecas, da região de Oaxaca, se deve ao fato deles serem muito arredios e temerem que “pessoas que perguntam muito” possam revelar certos segredos deles.
Nota-se que o ritual ou cerimônia com ska pastora varia muito de acordo com o xaman mazatlan ou mazateca. Há alguns que são dóceis e sorridentes, outros bastante selvagens, assim é variado seu modo de ação.
Também a motivação da pessoa que passa pelo ritual influencia o rito. Por exemplo, se ela vai ser aprendiz de xamã ou se quer ser curada de uma doença. No caso de aprendiz, os mestres afirmam que a capacidade do xamã depende da sua vivência visionária e aumento de suas percepções. A Ska pastora seria a planta iniciatória, e o processo de aprendizado levaria entre 2 meses e 2 anos sempre sob os auspícios e a presença do mestre xamã. O aprendiz, entre outros desafios, inicialmente ingere quantidades cada vez maiores de Ska Pastora, para aprender o “Caminho para o céu” para então passar a receber doses grandes de morning glory (Rivea Corymbosa L.) e então passar ao último estágio que é a ingestão dos cogumelos psilocybens. Estes três estágios ocorrem ao mesmo tempo que outras iniciações e desafios são apresentados ao aprendiz.
Apesar das variações, as preparações para a cerimônia são essencialmente as mesmas. A maioria dos xamãs tem aparato ritual como altares em lugares fechados, mas outros celebram a beira de montanhas ou lugares abertos.
Há uma dieta muitas vezes exigida, de 4 a 16 dias com apenas alimentos leves.
Apenas folhas frescas serviriam para adivinhação, para prever o futuro, encontrar as causas de doenças e encontrar respostas a perguntas sobre amigos, inimigos e parentes.
A cerimônia é sempre ao anoitecer, assim que o sol se põe (19h) e sempre é antecipada por conversas sobre o sentido da vida, o motivo pelo qual a pessoa está ali e sobre fundamentos religiosos que incluem santos e histórias, em geral, relativas ao cristianismo. É também nessa hora que o xamã faz a pergunta à pessoa se ela deseja realmente tomar a ska pastora e que esta é uma escolha pessoal.
O xamã, então, começa a fazer infusão das folhas (método mais comum entre eles), quebrando e esmagando folhas em pares dentro de um recipiente com pouca água, que vai se esverdeando a medida em que ele vai mergulhando as folhas. Já haverá também outros recipientes, já destinados a cada pessoa. A quantidade de poção e número de folhas
para cada participante é decidido pelo mestre.
O mestre coloca todo o conteúdo em uma jarra maior e enche com água. Então pega a jarra no ar e inicia uma oração clamando a santíssima trindade, à virgem maria, à são pedro, e outros santos que cuide dos participantes e os ensine o caminho.
Uma oração, registrada a partir de uma cerimônia feita pelo Xamã Don Alejandro:
“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito santo,
Do sagrado senhor São Pedro,
Maria Pastora, mostre à (participante)
Que ele pode ver o que há no mundo
Por que ele deseja aprender sobre todas as espécies de plantas medicinais.
Senhor Jesus Cristo,
Possa ele (participante) aprender
Possa ele perceber todas as classes de plantas medicinais;
Altíssimo, Tu que tudo sabe, mostre a ele,
Permita mostrar a ele todas as classes de doenças e remédios que existam no mundo;
Em pouco tempo ele aprenderá sobre sua própria história,
Em nome do espírito santo,
E do sagrado rosário,
Liberte-o, e que ele possa ver o que deve ser visto,
Mostre a ele como Tu mostraste a mim,
Possa ele reconhecer tudo o que é o universo e toda sua história,
Ele deseja aprender a partir do amor e da sinceridade;
Se há bem ou mal, salve-o, Ajude-o
Nesta data, neste exato momento,
Ele irá tomar isto (a infusão)
Em nome do espírito santo;
Eu (mestre) desejo mostrar a ele e peço seu favor,
A ti, à Maria, e à Jesus Cristo,
Amén”.
O xamã insiste para que todas as visões sejam contadas e que ele está ali para ajudar. A fim de aprender ou compreender o que tudo isto significa, é necessário falar a respeito. A infusão é então tomada cerca de uma hora após a ordem do xamã para todos se silenciarem para uma introspecção individual.
Segundo o costume mazateca, pelo menos uma pessoa não deverá “partir” (tomar a infusão), para cuidar dos outros. O xamã em geral também não toma a infusão ou toma bem pouco. Como última proteção contra os “perigos da viagem”, o xamã passa a queimar incenso, em geral o “copal” e faz um ritual de limpeza em volta dos participantes.
Então é tomada a infusão e apagam-se todas as lanternas e lampiões. O ritual não deve ser feito sob iluminação nem muito próximo ou em volta de fogueiras. Em todos os rituais que coordenei, procurei seguir ao máximo a cautela e solenidade dos mestres mexicanos, adaptando-os às circunstâncias de tempo e lugar. O mais importante é a segurança física dos participantes, manter o sossego do lugar e o relaxamento da mente. É importante fazer a experiência dentro de 4 paredes ou em lugares absolutamente seguros, sem barrancos, quedas e grades pontiagudas. Às vezes, certas pessoas se levantam, insistem querer se deslocar sob o efeito, mas estão inaptas para cuidarem de si. Este é o perigo.
Também antes deve-se responder todas as perguntas possíveis de serem respondidas e levantar mais perguntas. E sempre, mas sempre mesmo, fazer a pergunta final: “você realmente deseja experimentar?”, ficando claro desde o início que tomar Salvia Divinorum será uma escolha unicamente pessoal, pela minha própria experiência de haver pessoas que se arrependem depois e que culpam aqueles que lhe proporcionam a chance
Christian Scherf: Qual é o método que vc utiliza a Salvia: mascada – fumada?
Amiel: Ambos os métodos. Porém, para as pessoas que desejam experimentar, sempre aconselho apenas mascar as folhas simplesmente.
Christian: Gosta dos extratos ou acha eles muito agressivos (com respeito ao transe)
Amiel: Eles são agressivos principalmente os acima de 5X. A maioria das pessoas não precisam de tanto para uma experiência profunda. Para certas pessoas resistentes aos efeitos, um extrato 5X pode ser de auxílio mas, neste caso, sempre deve haver alguém supervisionando a experiência.
Christian: Já tentou fazer o Chá?
Amiel: Já tentei mas só funciona preparando-o com muitas folhas e o efeito é sentido de forma suave. O chá funciona sim e guardado na geladeira, de preferência protegido da exposição à luz, pode ser estocado por um médio período de tempo.
Caio* : Na sua iniciação com a Sálvia Divinorum você teve esta cumplicidade e confiança no grupo ou na pessoa que estava junto a você ?
*Amiel* : Ao menos naquela época, sim. Estes são sentimentos que você pode possuir por alguém, independentemente da verdadeira intenção da outra
pessoa. É algo que parte do coração. Se depois você percebe que os propósitos dos outros eram diferentes, pelo menos você e o seu sentimento foram autênticos, foram puros. É isso é o que realmente conta no final.
*Caio* : Qual foi o impacto que a Sálvia causou na sua vida ?
*Amiel* : Há certas coisas que mudam instantaneamente através de uma experiência profunda com Salvia, mas, geralmente, essas mudanças se resumiriam a convicções intelectuais, ou crenças, etc. E isso ainda depende muito da situação. Mas na vida prática, creio que um grande impacto que a Salvia me causou foi descobrir que ela não era a solução de todos os problemas do mundo. Francamente, criar muita expectativa na Salvia é um erro e a decepção pode ser inevitável. A Salvia, olhada de forma realista, é só um primeiro passo para um vislumbre de espiritualidade, que pode permitir um momento de ampla percepção, ou iluminação, indicativos do que grandes homens como buda ou jesus podem sentir ou perceber sobre a vida. Se a Salvia faz parte de mim, ainda assim será uma ferramenta de trabalho. Minha experiência é que Eu Sou o grande impacto em minha própria vida, não importa as circunstâncias, nem plantas, nem as outras pessoas. A Salvia pode ajudar. Ela me deu certos empurrões. Ela ordena: vai, anda pra frente!! Mas, se eu ando em frente ou fico parado, isso só depende unicamente de mim mesmo.
*Caio: Você considera que estava maduro na sua caminhada espiritual para conhecer uma planta com este poder?
Amiel: É uma pergunta que requer muita reflexão. Tenho duas respostas, uma rápida e outra demorada. A rápida: Eu não sei. A resposta demorada: Temos que definir bem o que se entende por maturidade espiritual pois isto pode ter duplo sentido. Se maturidade é sinônimo de resistência física ou psicológica, esqueça a maturidade, pois a Salvia repercute naquilo que está além do seu corpo, ou da sua psicologia, e além da sua mente e memória.
Maturidade espiritual pode ser a qualidade de estar pronto para tudo. Mas é difícil estar preparado para tudo. Acidentes acontecem e uma pessoa pode não estar madura para morrer embaixo de um trem. A Salvia Divinorum é um trem, mas ela não mata o corpo físico ou causa um transtorno irreversível. Não há registros disso ter acontecido.Maturidade como uma qualidade espiritual, pode ser vista em termos de pureza de coração ou de total amorosidade. Então talvez este espírito não se precise mais de Salvia e nem de mais nada. Tudo foi alcançado e ela talvez seja desnecessária neste caso. É temerário fazer um escalonamento de maturidade espiritual. Questiono até que ponto é viável medir-se isso em termos analíticos.
Caio: Como é ser responsável ao utilizar esta planta em si mesmo? Como é ser responsável ao apresentar esta planta a outras pessoas?
Amiel: Responsabilidade é capacidade. Neste caso, capacidade de ser cauteloso, cuidadoso, ético. É ser adequado com os procedimentos, atento com os ensinamentos e conselhos dado por pessoas que experimentaram e que verificaram potenciais riscos advindos do mau uso. Ao apresentar a planta a outros, você pode ser responsável até o ponto em que o outro passa a agir. Então, é minha responsabilidade selecionar criteriosamente quem vai obter e em que circunstâncias. Então, a responsabilidade se torna limitada à ação de cada um. Eu dou uma caixinha de fósforos a alguém com um mínimo de sanidade mental.
Eu oportunizei a ele o fogo. O que ele vai fazer com o fogo, e como vai utilizá-lo, se vai cozinhar sua comida com segurança ou atear fogo em um posto de gasolina, isso passa a ser responsabilidade dele.