A Águia Sagrada
“O que é o homem sem os animais? Se todos os animais fossem os homens morreriam de uma grande solidão de espírito. O que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. Há uma ligação em tudo. O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios.” – Chefe Seatle
Por Rosane Volpatto
A águia é considerada a “Rainha dos Pássaros”, mensageira ou a substituta do fogo celeste e da mais alta divindade urânica. Considerada a substituta do Sol tanto na mitologia asiática e norte-asiática como nas mitologias ameríndias do Norte e do Sul, em particular, entre os índios das pradarias e entre os astecas. Também no Japão, o Kami, cujo mensageiro e montaria é uma águia denominada a águia do Sol.
Na representação do universo dos índios zuni, a águia é colocada, com o Sol, no quinto ponto cardeal (que é o zênite), isto é, no eixo do mundo. Em pesquisas compulsadas, encontramos uma concepção similar entre os gregos, onde as águias, tendo partido da extremidade do mundo, pararam na vertical do omphalos (umbigo) de Delfos, o eixo do mundo.
O jaguar, como poder da escuridão, é o inimigo da águia, o símbolo solar, e as lutas míticas entre luz e trevas, que se compõe o cerne da visão do mundo dos astecas, se manifestam como batalhas entre guerreiros-jaguares contra guerreiros-águias.
Segundo os índios Cora, a águia, o céu de luz, devora a serpente da noite. O fogo luminoso da consciência triunfa sobre as águas do inconsciente e a águia que surge nua e pequena à noite no centro do mundo, “quando ateia o fogo no mato”, derrota os velhos enquanto eles dormem, posto que ela está desperta.
Depois disso nasceu a sua plumagem e ela alçou vôo dali, indo diretamente para o céu:
“Ela se elevou e se colocou no meio do céu. Então lá se instalou, se curvou e olhou para baixo. Suas patas eram de uma bela cor amarela, enquanto lá estava…O seu contorno era iluminado, e formoso é o amarelo de seu bico; seus olhos cintilam de uma forma magnífica. Lá ela permaneceu e comtemplou, iluminada, o seu mundo.”
Dotada dessa extraordinária força solar e urânica, a águia tornou-se naturalmente ave tutelar, iniciadora e psicopompa. Assim era entre os antigos povos indo-europeus e, em todo o mundo, a lama xamã é levada pela águia (morte e vôo extático). O xamanismo, do Oriente ao Ocidente, conservou essa simbólica, que se encontra tanto na Sibéria como na América do Norte. Entre os índios norte-americanos pavitso, um bastão ornado com pena de águia, carregado por um xamã, é posto sobre a cabeça do doente e o mal é levado, exatamente como o xamã o é pela águia em seus vôos mágicos. Na mesma área cultural, uma águia constrói o ninho no alto da árvore cósmica e cuida, como um remédio, de todos os males contidos em seus ramos.
A águia também é iniciadora e regeneradora, trazendo em si tanto o poder da vida como o da morte. Assim, a grande águia que salva o herói Töshtük do mundo terreno é iniciadora psicopompa. Só ela pode voar de um mundo para o outro. Engole o herói moribundo, refaz-lhe um corpo em seu ventre e restitui à vida, pondo-o no mundo uma segunda vez. Esse poder de regeneração por absorção está presente em muitos mitos inicáticos
Em um mito siberiano, o Altíssimo envia a águia para levar socorro aos homens atormentados por maus espíritos, que lhes trazem doença e morte. Mas, como os humanos nào compreendem a linguagem da mensageira, o Altíssimo diz a águia que dê aos homens o dom de xamanizar. Ela desce à terra e engravida uma mulher, que dá à luz o primeiro xamã.
A Tradição Ocidental também dotou a águia de poderes extraordinários que lhe permitem pôr-se acima das contingências terrestres. Assim, de acordo com os bestiários da Idade Média, quando a águia envelhece, suas asas se tornam pesadas e sua vista perde a agudeza; mas, em vez de sucumbir à velhice, ela procura uma fonte, depois voa na direção do Sol, para consumir suas asas e queimar a inflamação de seus olhos sob seus raios ardentes, que só ela é capaz de ousar fixar. Em seguida, retorna à fonte e banha-se três vezes nela; logo suas asas reencontram a força e o vigor de sua juventude, seus olhos clareiam e ela volta a ser tão jovem e vigorosa quanto antes. A águia sempre foi considerada uma rara criatura que consegue fixar o Sol sem queimar os olhos e sem sequer pestanejar.
“Os homens da medicina”, ou pajés, confeccionam varas sagradas ornadas com penas de águias e colocam-nas nos cantos das sementeiras para obterem aos seus donos safras abundantes. Que procuravam, por assim dizer, o contato da águia com seus campos parece basear-se sobre a ilação comum entre os índios, que da força, deve sair de qualquer maneira a força, do mesmo modo que o veado comunica velocidade para quem come a sua carne.
Mas para ter à disposição estas forças misteriosas, não bastava apoderar-se dos reis da avifauna, mas também ser sustentados e nutridos com esmero. A caça à águias, sempre eram precedidas de certas cerimônias: acendiam, por exemplo, uma grande fogueira, onde chagavam-se todos os caçadores a ela e começavam a rezar e inclinar reverentes a cabeça e em seguida passam as armas pela fumaça da fogueira para atraírem a si e as suas armas a benção da divindade.
A ÁGUIA E SUA FACE OCULTA…
Como todo símbolo, também a águia tem sua face oculta, sombria, noturna e maléfica. O exagero da qualidade e seus excessos, transforma-a em defeito. O valor positivo então, torna-se negativo, o poder se depurta. Este dualismo do símbolo é observado entre os índios pawnee da América do Norte. Na tradição deles, a água parda fêmea, é associada á noite e á escuridão, à Lua, ao Norte, à Mãe primordial em seu aspecto terrível, ao passo que a águia branca macho, recebe sua natureza profunda da luz do dia, do Sol, do Sul, do Pai primordial, cujo aspecto paternalista e protetor às vezes se tornam dominador e tirânico. A águia maléfica encarna, pois, a astúcia e a tradição a serviço da tirania, o poder da força bruta, os valores masculinos destruidores.
A pena da águia e o apito feito do seu osso são utilizados como instrumento de cura pelas tribos ameríndias.
NA COSMOGONIA AMERÍNDIA PÁSSARO-TROVÃO
Na cosmogonia ameríndia, a águia é representação material do Grande Pássaro Trovão, pássaro sobrenatural que se dissimula nas nuvens de tempestade, cujos olhos lançam raios e cujas asas gigantescas, quando batem, produzem os ribombos do trovão.
O Pássaro do Trovão, enquanto encarnação da voz do Grande Espírito, é escoltado por uma multidão de espíritos menores, que têm a forma de águias ou falcões. Assim, a águia evoca não só o trovão, mas também o raio, cuja semelhança vemos nas flechas. E essa flecha, o raio, é do Sol. Por assimilação, a águia se torna, portanto, a representação do próprio Sol, Sol que na cosmogonia ameríndia, ocupa o lugar supremo da escala das manifestações de Waran-Tanka, o Grande Espírito Criador.
Na tradição helênica, a águia é atributo de Zeus (possuidor do raio e do relâmpago); em Roma antiga, era o emblema de Júpiter e entre os astecas o Sol (Tonatiuh) era invocado como o resplandecente, como a águia que sobe. No Egito Antigo, o falcão (versão norte-africana da águia) era a forma material do deus hórus. Ele era também mensageiro de Rê, o deus Sol, representado com a cabeça de falcão. Na mitologia nórdica, um capacete fourado ornado com grandes asas de águia, é usado pelo deus supremo Odim, intimamente ligado à tempestade, ao trovão e ao raio de Caça selvagem, horda aérea que ele conduz com as Valquírias, nas noites de tempestades.