A Mulher Pensamento

Sempre que se lê ou se analisa uma lenda ou mito indígena, se deve ter consciência que a realidade experimentada pelos povos tribais, não é a mesma dos povos Ocidentais e, consequentemente, este tipo de literatura refletirá suposições e opiniões básicas sobre um universo que o leitor ocidental não identificará como familiar.

As culturas ocidentais tendem a separar o material do espiritual e sobrenatural, quando os índios americanos o material e o espiritual são expressões de uma mesma realidade.

No pensamento do índio americano deus/deusa são qualificados como espírito, mas há outros seres espirituais sagrados. De fato, todos nós somos mais espírito que corpo, mais espírito do que intelecto, mais espírito que mente. E há, algumas mulheres que são a espinha dorsal de muitas culturas.

Algumas são consideradas heroínas culturais, outras identificadas com a Mãe-Terra, outras com o Pai céu. Algumas são atemporais e sagradas e estão sempre presentes, enquanto outras são seres mortais que, quando a situação exige, assumem funções sagradas.

Todas elas são figuras interessantes por si mesmas e pelo que as cercam. Além disso, algumas delas podem nos servir como modelo, ou fontes de energia que enriquecem nossas vidas hoje.

Entre elas lhes apresento a Mulher-Pensamento, ou *Tse che nako* (Mulher Aranha), a deusa criadora dos keres. Este povo que fala keresan vive no Novo México desde os tempos pré-colombianos, constituindo atualmente os pueblos de Acoma, Laguna, Zía, Santa Ana, San Felipe, Santo Domingo e Cochiti.

Sua sociedade é tradicionalmente agrícola. Os keres são conhecidos pela sua joalheria, assim como pelos seus vários e distintos estilos de cerâmica. Acoma é uma das localidades de habitação contínua mais antigas da América do Norte.

Tse che nako, um ser extraordinário, concebeu o plano original da criação. Ela criou o mundo com seu pensamento. Já que o pensamento, assim como a criação, precede a ação, ela pôde fazer as coisas acontecerem simplesmente pensando nelas.

Criou outras figuras sagradas para ajudá-la na criação, que chamou-as de irmãs. Estas, coexistem eternamente com ela, mas lhe obedecem, pois ela é a criadora, o ser supremo.

A história tradicional da origem, segundo os keres, diz o seguinte:

“No princípio, Tse che nako, a Mulher-Pensamento, terminou tudo, os pensamentos e os nomes de todas as coisas. Ela terminou também todas as línguas. E então nossas mães, Uretsete e Naotsete, disseram que criariam nomes e criariam pensamentos. Assim elas disseram. Assim elas fizeram…..

Há muito tempo, em Shipopu, no norte, no subterrâneo, nossa Grande Mãe, Tse che nako, fazia milagres. Tudo que havia recebido um nome surgiu. O sol e a lua, e shi wana, e os espíritos, e Katsina, e o Chayahni, os animais de caça e o povo foram completados”.

A Mulher-Pensamento possui características tanto femininas quanto masculinas. Segundo *Anthony Purley,* do pueblo de Laguna, “Os keres creem que Tse che nako possui mais atributos femininos do que masculinos, por isso eles se referem a ela e abordam como se fosse uma mulher”.

Esta crença em Tse che nako como mulher está inteiramente contida na estrutura teológica dos keres. Tse che nako é o ser fértil por excelência, capaz de produzir seres humanos e todas as outras criaturas: “Ela é a mãe de todos, depois dela vem a Mãe-Terra, em fertilidade, em carinho e ao nos levar de volta ao seu seio.”.

Purley escreve ainda: “A criação….inclui toda a criação, inclusive o pensamento individual, que é menor que o pensamento original, que somente Tse che nako tem o poder de criar”. Os índios keres, em seu pensamento, sustentam que Tse che nako fez os seres humanos não somente para a procriação, mas também para criar. Ela não restringiu o processo de criação a si própria, mas colocou o poder de criar o pensamento individual em todos os seres humanos e todas as criaturas vivas. Em outras palavras, todos os seres podem criar, embora em graus diferentes. Se você refletir a esse respeito, perceberá que isto é verdade. Mesmo uma única célula possui uma certa dose de poder de decisão: ela pode decidir se vive ou morre, se se divide em duas, se aceita ou rejeita substâncias que dão vida ou substâncias mortais.

A Mulher-Pensamento é uma entidade poderosa e dinâmica que contém todas as possibilidades de vida dentro de si, incluindo o princípio masculino e feminino. Seu aspecto leigo é chamado *Mulher-Aranha*, uma figura muito benevolente que ajuda as pessoas necessitadas.

Tse che nako ilustra perfeitamente a lei metafísica universal que diz que: pensamentos são coisas”, o pensamento participa da criação. A criação inclui as atividades da razão, da mente e sua realização na matéria, assim como a pura geração biológica, que denominamos criação. Portanto, a maneira como pensamos, determinará o que acharemos ou criaremos.

A Mulher-Pensamento foi a primeira a trabalhar com a visualização criativa, que tanto utilizamos hoje, em nossos rituais xamânicos.

O mito da Mulher-Pensamento, também nos aponta a importância da língua como um tipo de poder sexual capaz de gerar vida. Esta tradição xamânica de que as coisas fielmente expressas por palavras acontecem, já estão muito além do reino das histórias da “criação”.

No coração da tradição oral indígena americana está a certeza mais profunda e incondicional da eficácia da língua. As palavras são intrinsecamente poderosas. Por meio de palavras se processa a mudança física do universo.
Tse che nako está sempre fiando a sua teia, desenvolvendo as possibilidades da vida.

Ela está distante, mas sempre perto….

AMOR, PAZ E LUZ!

 

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