Ayahuasca na tradição Shipibo
O xamã peruano *Dom Mateo* fala da sua iniciação como curandeiro e da sua missão com grupos que estão no estudo da Ayahuasca. Este depoimento foi gravado em fevereiro de 1997, na casa de *Léo Artése*, cidade de São Paulo, durante a primeira viagem do xamã ao Brasil.
“Meu nome é *Mateo Arévalo Maipsa*, tenho 43 anos e sou membro de uma comunidade nativa, de indígenas peruanos, Shipibo-Conibo. Em minha vida ancestral, fui conhecedor de muitos segredos da selva. Obtive todos estes conhecimentos de uma forma ancestral, dos meus avós por parte de pai e de mãe, que também eram curandeiros.
E como todo pai quer que seu filho siga a sua tradição, comecei a exercê-la com a idade de 28 anos. Exercendo como estudante, investigador das muitas propriedades das plantas medicinais. Contudo, já faz 12 anos que estou trabalhando como terapeuta nas áreas do que são diferentes sintomas, de enfermidades físicas e mentais. Também posso fazer trabalho com enfermidades contagiosas, mas não me aventuro porque é algo bastante delicado.
Toda minha formação eu obtive de uma forma que é parte da minha vida, da minha tradição, que é parte do meu mundo cultural indígena. Não sou uma pessoa especial, não trato tampouco de ser especial. Trato de que minha mensagem, meu conhecimento e experiência cheguem às pessoas de uma forma baseada no amor espiritual. Muitas das pessoas que sofrem na cidade, como no campo ou na floresta, é basicamente pela falta de amor espiritual.
Na cidade, muitas pessoas que se sentem mal, enfermas, é porque estão mal da mente. E isto carregado na alma, no espírito, no coração e no amor. Minha viagem também se deve ao fato de que tenho de preparar-me para dar este salto. Porque todas as pessoas devem dar este salto, e este salto requer uma boa preparação, porque de toda maneira todo mundo sente medo de dar os primeiros passos.
Talvez eu tenha de me preparar dois, três anos para vir ao Brasil, um país muito maravilhoso, muito religioso e místico. Aqui tenho muitos amigos, como é o caso do Léo Artése, do Antonio Duncan, que conhecem muita gente.
Todo mundo utiliza uma planta, ou duas, ou três, ou quatro plantas. Em minha iniciação, eu tomei muita Ayahuasca. No Peru, em diferentes regiões, nós chamamos Ayahuasca, em castelhano, que é uma palavra derivada do idioma quíchua. Alguns a chamam de vinho da alma, outros a chamam soga del muerto, la soga de la divindad, ponte do céu.
Vocês a chamam de Daime, Yagé ou Caapi. Eu penso que todo mundo busca um caminho, e este é o caminho da verdade. Não interessa o meio, interessa o fim, o objetivo que cada pessoa persegue, e fazer sempre bem ao nosso próximo.
Eu utilizei muito a Ayahuasca, mas também combinei muitas plantas com propriedades medicinais, porque respeito as experiências das outras pessoas. A Ayahuasca cumpriu a sua missão, o seu trabalho em mim. Porque entendo que ela fez para mim uma ponte deste mundo material com o mundo espiritual. Quando chego a este mundo espiritual, já tenho, digamos, a energia em meu corpo. Utilizo São Pedro, Peiote, a Datura, e estou em processo de aprendizagem com a Camalonga, e mais outras plantas, como Pinhão Colorado, Tabaco e outras essências.
No meu trabalho terapêutico, utilizo pouquíssima quantidade, é somente para nos colocar em onda. Uma base fundamental para podermos reunir, concentrar ou colocar-nos em nível de espiritualidade. É a pipa, ou cachimbo, que dizemos que é onde está concentrado todo nosso conhecimento, nossa sabedoria, nossa energia, o poder de um xamã ou curandeiro.
Todos os nossos trabalhos se fazem, no início, com os icaros, que talvez não sejam muito compreensíveis para as pessoas que nos rodeiam, que têm de assistir a uma sessão de Ayahuasca ou uma sessão de cura. Somente o xamã, ou curandeiro, sabe o significado destes icaros. Esta melodia, este canto xamânico é todo conhecimento, todo poder do xamã ou curandeiro. Pode-se carregar algum objeto com o icaro, o poder do xamã, segundo a enfermidade a ser tratada.
Os icaros podem servir para carregar de energia a pessoa. No caso de pessoas que já têm o conhecimento, ele serve para reforçar seu conhecimento, para dar-lhe energia, força, ou para nivelar corpo, alma, espírito, mente e inclusive o sonho. Também serve para limpar a pessoa ou um objeto carregado de energias negativas. Serve para fortalecer, em casos de pessoas que estão muito desanimadas, melancólicas, tristes.
Acontece que nós pertencemos à energia branca, pode-se dizer a medicina branca. Mas também há pessoas que, por intermédio da Ayahuasca e de outros conhecimentos, estão no lado negro. Não importa a definição dada; há gente que se dedica a outros tipos de energias.
Em princípio, devo aprender com as duas energias, tanto a negra como a branca. No meu grau, a energia negra só serve como defesa dos espíritos, das energias, como meu guardião. Pois estou no lado branco, tenho de transmitir amor, que o amor é a razão. Todo tipo de trabalho para o xamã é sua arma de cura, sua arma de acumulação de muitos anos, de um poder multiplicador que serve para fazer terapia.
Há gente que pode fazer mal, fazer dano com os icaros, as melodias. Todos nós devemos passar por essa etapa de busca de uma perfeição. Deve-se investigar, mas não como uma prova para dar ou não um efeito. O que eu faço hoje levou muitos anos de investigação, de acumulação, de experiências. E esta viagem ao Brasil servirá para eu demonstrar os efeitos multiplicadores de todo este conhecimento acumulado; demonstrar no campo, na cidade.
Como se sabe, agora não é tempo de estar jogando com as energias. Pois nós acumulamos energias durante muitos anos para enviá-la ao nosso próximo, que necessita dos outros para trocar energias, para dar energias e também absorvê-las.
Minha missão é o curandeirismo
Eu venho de uma comunidade indígena, e meus pais, meus avós, meus tataravôs eram curandeiros . E assim temos um conhecimento ancestral. É um processo em que não passei por uma série de provas ou coisa assim. Eu assimilei. Por estar em Lima (Peru), absorvi o conhecimento da cidade e podia regressar à floresta. Qual era a minha missão? Era estar no curandeirismo. Como digo, não sou um grande conhecedor, não sou um grande xamã, um erudito na matéria.
Penso que tenho a força necessária, talvez um pouco de conhecimento, e quero, com toda gente que está me acolhendo, fazer conhecer a maravilha destas plantas, não só a Ayahuasca. Que as pessoas podem ir conhecendo e obtendo seus poderes de curandeirismo.
Comecemos pelo que se chama Mãe das Plantas, ou também podemos dizer Deus das Plantas, Espírito das Plantas. O processo de aprendizagem pode ser feito como um pedido ao Pai, à Mãe das plantas para que nos ensinem em sonhos, para quem busca aprender de todas as Plantas Mestras que têm uma Mãe, um Espírito, que têm um deus, podemos dizer.
Tem que fazer como um médico científico, que vai aprendendo por ciclos, por especialidades. O que nós fazemos para conseguir o nível de xamã é ir cumprir o período com as diferentes plantas com propriedades medicinais. E que têm sua Mãe, seu Espírito guia. Cada Espírito guia tem um animal de poder.
A Ayahuasca, por exemplo, tem várias classes: é branca, amarela, negra, marrom. Cada classe tem um Espírito. No meu caso, estou com a amarela e a branca. Também se classificam por camarambi ou mixa, e cada uma tem sua Mãe. Camarambis tem as Águias e os Condores, ou uma ave que chamamos de Tisca. Já escutei seus cantos aqui na floresta do Brasil.
E também tem sua Mãe que é uma grande Serpente, que nós a chamamos de Joni, que quer dizer serpente que pode estar em terra, na água, no espaço, nas nuvens, na roça, nas pedras e nas areias.
Os outros guias espirituais são os Pumas, Tigres, Jaguares. O Espírito também é guardião do xamã, do animal em que ele se transforma para poder ir aos níveis de conhecimento. Ou quando está fazendo um trabalho para resgatar as almas dos enfermos. O xamã tem de se transformar em todos os animais de poder para resgatar a alma, o espírito, a mente, o sonho desse enfermo. E introduzi-lo em seu corpo. Tal como está, pois as energias estão nos 4 pontos cardeais; estão os animais de poder e as cores. Por isso que nós, xamãs, combinamos conhecimento da natureza com conhecimento de energias.
Quando se quer combinar os Espíritos das diferentes plantas com poder medicinal, é como o diretor de uma grande orquestra, que já tem o domínio das plantas medicinais e ordena que cada Espírito possa fazer um determinado trabalho desta natureza. Para fazer essa combinação deve-se ter muito poder de concentração mental, muito poder de mando, porque às vezes alguns Espíritos-Guias são rebeldes. É como um pai que tem muitos filhos: cada um quer uma coisa. O xamã que tem muitos Espíritos tem de ser um homem que tem mando, que ordene, mande nos Espíritos que não querem trabalhar. Porque a maioria das plantas medicinais ou têm muita energia da terra ou muita energia do fogo. E deve-se saber domá-los (os Espíritos), manejá-los e guiá-los de acordo com o sentido do nosso trabalho.
As enfermidades mais comuns que eu trato são as físicas: dolências, febres, diarreias, tudo que se chama enfermidade físico-mental. Porque quando a pessoa está mentalmente enferma, transcende a enfermidade física. Pois a mente, assim como cria, destrói. Mas as enfermidades físicas criadas por algum acidente, aí entra outro tipo de trabalho, com cataplasmas, outros tipos de remédios. São enfermidades visíveis.
Também no norte e no centro do Peru, o que chamam de susto é a mesma coisa que aqui se conhece pelo mesmo nome. Que uma pessoa, por efeito de um choque muito violento, cria o que nós chamamos de choque. No Peru, também chamamos de choque psicológico, ou acidente de corpo. Nas zonas da Serra, se diz está assustado. Na selva peruana, os quíchuas, os lococamas lhe dizem muruaira. Mas nós também o conhecemos por susto.
Este tipo de coisa o médico científico muitas vezes não pode curar. Estou vendo o trabalho dos homeopatas do Brasil, da Argentina, que fazem medicina holística. Talvez deveríamos combinar a nossa experiência com a experiência das pessoas que trabalham com isso.
É mais fácil trabalhar com a pessoa que tem enfermidade física, enfermidade mental, do que com outros tipos de enfermidades, como as contagiosas. Agora está em evidência o câncer, a tuberculose, a Aids. Não tenho a possibilidade de fazer estes tratamentos. Deve-se ter muito tempo para trabalhar com estas pessoas, tem que lhes dar um tratamento especial para fazer a cura, ou somente para controlar a enfermidade. O processo de cura às vezes requer anos de tratamento. No Peru também são realizados estes trabalhos.
Para mim, é mais fácil chegar a uma pessoa que sofreu uma enfermidade mental, uma decepção amorosa, perda de seu ser querido, por este susto. Porque meu trabalho é justamente entender a mulher abandonada; órfãos de pai, homem abandonado, homem acidentado. Devo meter-me no corpo, alma, espírito e mente, inclusive nos sonhos desta pessoa, para sentir eu mesmo, em meu corpo, os efeitos que atormentam esta pessoa.
Se a pessoa chega a perder-se… O dinheiro, por exemplo, é bom e também é mal para mim. Como, vamos dizer assim, se deixar levar pela fama. Por isto não sou muito amigo deste tipo de publicidade.
O que eu quero transmitir às pessoas que já entendem, elas saberão receber. Somos obrigados a extrair a essência do conhecimento xamânico, de todos os países, pois se vai transmitir este conhecimento a pessoas que de outro modo não teriam acesso a ele. Para fazer isso eu não tenho um espaço; penso que o mundo inteiro é minha casa, e isto me diz que devo seguir adquirindo mais e mais conhecimento, devo aprender mais, também para dar mais às pessoas que necessitam.
Um centro na floresta para receber as pessoas
Meu amigo Agustín Guzmán Morocho, que conheço há muitos anos, trabalha com o São Pedro, e eu com a Ayahuasca, e temos um grupo. Nossa finalidade é ampliar isso na floresta, na selva peruana, depois de Pucallpa. A 4 horas de barco de Iquitos, temos um centro que está funcionando desde maio passado (de 1996). Um centro que pretendemos ampliar, para receber todas as pessoas interessadas, que querem encontrar-se consigo mesmo em plena floresta.
Gente que quer se iniciar neste campo de curandeirismo, e aprender da Ayahuasca, de Pinho Branco, Camalonga… Já que na cidade é um pouco difícil acompanhar esse processo de aprendizagem. É com essa finalidade que temos feito um centro a mais, que é a casa que pode receber investigadores, jornalistas, antropólogos, médicos inclusive, ou estudantes.
Queremos criar uma fonte própria de sustento, inclusive de animais menores para não trazermos muitas coisas sofisticadas da cidade. Produziremos mandioca, frutas, e também teremos mel de abelha. Peixe já temos em quantidade. Sim, o povo shipibo está suficientemente capacitado para abastecer-se.
Venho trazer mensagem do povo shipibo, naturalmente conhecedor de certas técnicas de cura, e trazer mensagem do povo peruano. No aspecto de que nós não perdemos a irmandade, e pensamos que o povo latino-americano deve estar unido. Isto é o mais importante: sermos irmãos. E como bons irmãos ajudar-nos a multiplicar as energias e os conhecimentos que nos sirvam de alguma maneira. Não quero dizer que trago a verdade, que tenho a solução. Cada um é que vai dizer se é bom ou mal. Eu tomo Ayahuasca somente para fazer o bem.
Em Brasília, fiz duas reuniões. Em São Paulo, fiz três sessões com Ayahuasca, na Chácara Flora com um irmão xavante e com o Léo foi a quinta sessão. Minha impressão é que todos têm uma expectativa, talvez pelo impacto da verdade que lhes digo.
Não sou das pessoas que negam sua procedência. Eu orgulhosamente digo que sou um índio, um indígena, mas tenho tido a oportunidade de ter um pouco mais de conhecimento acadêmico. Vejo que as pessoas, por maior que seja o seu nível de conhecimento, têm sentido a autenticidade, a honestidade, a sinceridade com que eu chego a elas.
As pessoas que estão um pouco desequilibradas, mentalmente erradas, eu vou com amor. O que digo pode ser verdade, pode ser mentira. Tudo depende de como cada um está orientado. Todas as pessoas que participam dos meus grupos têm saído reconfortadas. Talvez não pelo meu conhecimento, mas por haver me conhecido tal como eu me apresento, na minha sinceridade.
Neste momento, somos irmãos que devem se conhecer inteiramente e, depois, ajudar-se uns aos outros, intercambiando experiências, pois nunca se deixa de aprender. Repito que não sou um grande xamã que traz uma solução. Primeiramente, é melhor nos conhecermos como somos, e depois poderemos nos programas com muito mais conhecimento de causa.
Meu povo crê muito no curandeirismo, nos xamãs, porque de uma forma ou de outra somos líderes entre o nosso povo, somos guias espirituais, somos os médicos, e também temos de ver a vida política do povo shipibo e das demais etnias. No rio Ucayali são, por exemplo, 400 povos. Eu praticamente sou como um líder, viajo tanto para o baixo Ucayali como para o alto Ucayali, e outras cidades. Há xamãs muito velhos que perderam seus poderes, e de vez em quando precisam de ajuda, que lhes deem energia.
Nossa missão também é buscar o equilíbrio do mundo, o equilíbrio do universo. Minha missão é conectar-me com gente que também busca intercâmbios. Trato de conectar-me com pessoas que já estão em nível espiritual mais elevado, para ampliarmos este movimento.
No Peru, há muita gente com conhecimentos superiores ao nosso, são descendentes dos incas, gente que mantém a energia solar. Fala-se que vai haver uma transformação, uma mudança no mundo. Uma parte do meu povo se prepara. Primeiramente, eu mesmo. Se eu não me sentir em paz comigo mesmo, não posso ter ordem em minha casa. Não posso ter ordem com minhas filhas e com minha mulher, e consequentemente com meu povo e o meu país.
Acredito que as pessoas do Brasil e do Peru têm a missão de defender a selva amazônica, esta fonte de energia sã no mundo. E, se vai haver um choque, um colapso, orientar essa energia. Eu não sei como. Talvez seja um processo de aprendizagem, e esta minha viagem se deve a isto. Para conhecer pessoas que estejam mais conscientes do que vai haver, melhor orientadas nessas transformações que irão suceder. Por isso eu não vim fazer turismo, vim aprender. Para voltar ao Peru e desenvolver um programa com seguimento, porque isto terá um efeito multiplicador.
Sempre disse que aos 40 anos eu deveria sair e visitar outros países, e aos 45 tenho que ter pelo menos uma visão global do mundo. E estou tratando de alcançar isto. Eu disse ao Agostín que, antes de ir a outros países, prefiro radicar-me no Brasil, aqui em São Paulo.
Tem muita gente querendo me levar aos Estados Unidos, a Carolina do Norte, ao Novo México. Tenho trabalhado no Peru há vários anos e agora penso ir à Europa. Acredito ter bastante formação para suportar estes choques. Meu irmão também é um curandeiro, um investigador, e viaja muito.
A confiança do paciente no seu curador é importante, e aí se realiza o que se chama o milagre da salvação, da fé. A gente que tem fé é uno, produz um efeito multiplicador para que a pessoa receba com boa predisposição a energia ou a palavra, e inclusive um sorriso transmitido. Achar coisas bonitas também é um efeito multiplicador.
Este é um dos efeitos que a planta pode fazer. Porque se a pessoa não está com a energia mental alta, não pode tampouco ver. Nós mesmos estamos iludidos, mas é uma ilusão encaminhada, ordenada. Vivemos de um sonho, e quem não sonha não vive a vida. Tem de ser um sonhador.
Muitas vezes me dizem que estou louco. Eu aceito esta loucura, porque se é uma loucura multiplicadora de amor, de Deus, para com o meu próximo, com meu irmão, eu aceito esta loucura. Porque é uma loucura orientada a um fim. O fim de fazer bem ao meu irmão, não interessa a raça, a cor, a religião, a política, a ideologia… Para nós não há fronteiras, não há países.
O governo peruano está dando um bom apoio à medicina nativa, porque haverá uma classificação dos verdadeiros guias espirituais ou especialistas em medicina. Inclusive há uma lei em andamento para apoiar a medicina tradicional, que depende do Ministério da Saúde.
O governo peruano nos dá amplo apoio
Mesmo as autoridades policiais apoiam isso. Nós, por exemplo, pagamos à municipalidade para exercer isso, tiramos permissão especial da polícia. Já há um acordo do grupo médico peruano para que nós sejamos como membros paramédicos. O governo peruano está dando um amplo apoio ao nosso trabalho, e há uma classificação das pessoas que estão trabalhando profissionalmente.
Para poder optar por seu título, o médico peruano tem de passar um ano num programa de medicina tradicional, ou talvez aprender a falar um dialeto. E participar por um ano de diferentes grupos. Eu concordo que as duas medicinas devem seguir paralelas.
Sinto que o Brasil está irmanado. Aliás, por parte de mãe eu sou descendente de índio brasileiro com indígena peruano. Talvez por isso eu me sinto muito feliz por estar no Brasil, não sinto tanta diferença, pois todas as pessoas fazem parte do meu mundo.
Não sou um erudito, não sou um grande conhecedor, mas pelo menos trago a sinceridade, trago a honestidade. E para as pessoas que quiserem ter uma experiência, oferecemos o nosso centro, um pequeno espaço na floresta, onde se pode descansar, criar mais e conhecer mais.
Por intermédio da Ayahuasca, conheci outros seres espirituais que me conectaram com outras plantas, com espíritos da terra, de água, das pedras. A Ayahuasca me deu esta oportunidade, mas guiado por outros xamãs velhos, que eram meus guias espirituais. A princípio, meu irmão e meus quatro tios que me iniciaram. Vários guias e mestres espirituais me têm dado seus dons, uma certa especialização. O resto aprendi dentro de minha loucura (risos).
Combinando, fazendo misturas, buscando. Porque um ditado ensina que para chegar a ser um bom mago, primeiro é preciso ser um bom alquimista. E um bom alquimista é um bom mago. A natureza em si é mágica, e se a natureza lhe abre, se o coração da Mãe Pachamama, la Iacuruna…
Tudo isto é uma aprendizagem que se consegue com sacrifícios, lutas e muita pena, pois no final se está satisfeito por haver se sacrificado, por haver lutado. Porque tem a satisfação de sentir-se dono de si mesmo e do seu conhecimento. Isto tem sim que produzir um efeito multiplicador, tem que dar às pessoas necessitadas o que se tem aprendido. Por isso, tenho no Peru muitos alunos que são mulheres e homens. Claro que nunca chegarão ao grau de um grande xamã, mas pelo menos têm um conhecimento guiado para ajudar as pessoas.