Ayahuasca – Perú
Vou continuando a viagem pelo Mundo Maravilhoso da Ayahuasca, Pablo Amaringo, um “ex brujo” e fundador da Escola de Pintura Usko Ayar de Pucallpa, no Perú, que pinta as suas visões com a Ayahuasca. Hoje em dia é mais conhecido na Europa do que em seu próprio país.
Amaringo afirma que além de seu talento natural, recebe inspiração de uma planta sagrada da selva, a mãe de todas as plantas, a bebida capaz de unir o Mundo de Cima (espiritual), com o de baixo (material), capaz de conectar o passado e o futuro. É a planta sagrada que cura as enfermidades, que te aconselha, que te dá sabedoria e conhecimento, a que te faz viajar às profundezas da água e da terra, até o firmamento e as estrelas.
Amaringo disse que chegou até a mesma porta do céu. Também, a planta, lhe ensinou os ícaros (canções de poder), os versos sagrados que acompanham os rituais :
– “A planta também te põe em contato com deidades, espíritos e seres de outros mundos, de outras dimensões…”
Para os homens da ciência se trata de uma planta alucinógena, para os xamãs é ” A Ayahuasca”, pode ser conhecida como o cipó do morto.
No dialeto Shipibo, o sacerdote diz “Nichi-ivo, que quer dizer “senhor do cipó, ou dono do cipó”.
Entre as emaranhadas selvas de Ucayali, vivem diferentes tribos tais como os Shipibos, Cocamas, Amahuacas e Ashanincas.
Também formam parte dessa floresta diferentes tipos de cipós mimetizados como serpentes que sobem nas árvores, que só os nativos sabem diferenciar umas das outras, e que só os xamãs conhecem seus poderes específicos.
*Mateo Arévalo* da comunidade Shipibo de San Francisco de Pucallpa, explica que os médicos-curandeiros, com a ajuda dos mestres espirituais, vão aperfeiçoando seu conhecimento, e assim, vão alcançado graus. Aqueles que mais se dedicavam com fé e sacrifícios, tais como : grandes dietas, retiros, abstinências sexuais, etc., iam alcançando níveis superiores.
Com muita convicção e sabedoria, Mateo, sempre enfatizou que só realiza seus rituais para fazer o bem, e que a Ayahuasca cura as enfermidades, incluindo o alcoolismo e a dependência de drogas, que não devemos temer pois a Ayahuasca não cria dependência.
Vou relatar a experiência publicada pelo jornalista Eduardo Lopez, quando foi entrevistar Mateo e se propôs a participar de uma sessão :
Ingerimos a bebida sacramental, enquanto Mateo nos dizia que deveríamos ver os desenhos geométricos da iconografia shipibo, e assim aconteceu.
Vimos centenas de traços desfilarem com suas múltiplas cores brilhantes como uma tela de cinema, vimos também as serpentes, as criaturas do bosque, luzes de cores fulgurantes.
Vi uma árvore gigantesca, que era ameaçadora no início , mas depois se aquietou…Também vi um personagem abrindo um corte na terra, deixando-me ver as raízes das árvores.
Tudo isso acontecia em meio a uma dormência que começou uns 15 minutos após eu ter tomado a bebida, e se prolongou por um espaço de umas quatro horas, tempo durante o qual escutávamos os lindos versos indígenas que cantava o mestre e seus ajudantes no dialeto shipibo. Algo que não entendia , porém que dava segurança ao transe.
Isso era para mim o Peru profundo, autêntico.
Entendi dessa cultura viva, muito do pensamento impresso nas representações artísticas das velhas culturas pré-colombianas.
Em seguida atravessei um grande túnel de cristais translúcidos, adornados com grandes pedras preciosas multicoloridas, e, começava a diminuir o efeito da planta, desaparecendo as visões e as sensações.
Me perguntei em seguida : que coberturas escondidas no mais recôndito do nosso cérebro, são as que afloram a nossa consciência com a Ayahuasca ?
Será que nos recordamos de épocas ancestrais, como quando estamos na matriz de nossa mãe ?
Ou quando éramos um espermatozoide, um óvulo, um australopithecus ou um cromagnon ?
Será verdade que os xamã dominam este mundo limite da consciência para ver coisas do passado e do futuro, e passar para outras dimensões?
Penso que cada um tira suas conclusões pessoais a respeito destes temas, mas também que é dever de todos espeitar o profundo pensamento filosófico-mágico-religioso dessas culturas. Ela são o elo com nosso rico passado histórico, e quem sabe, florescerão agora no futuro.
Nem todos tomam Ayahuasca nas comunidades nativas da selva.
A Ayahuasca é temida e respeitada, só o curandeiro, que alguma vez foi aprendiz de outro curandeiro, herda o conhecimento das plantas e seus efeitos medicinais para o corpo e espírito.
Existe uma variedade inumerável de plantas que curam males específicos, mas a Ayahuasca é para os curandeiros shipibos uma planta mãe, uma medicina mágica que proporciona viagem ao mundo dos espíritos da selva.
É difícil entender o que é a Ayahuasca, sem nos cercarmos um pouco de seu mundo. Um mundo intimamente vinculado a natureza, cheio de crenças relacionadas com o perfeito equilíbrio da vida na selva; um mundo onde o pensamento mágico prima. Imagine-se por um momento nascer e viver na selva, caminhar por ela como se caminha nas ruas. E nessa pureza original, descobrir uma planta que ao ingerida possa fazer ver coisas que nunca foram vistas, viajar pelo mundo dos sonhos, encontrar-se com seres bondosos e malignos, escuros e luminosos.
Mas, a Ayahuasca não é por acaso uma droga, um alcaloide que produz alucinações, que muda a personalidade e causa dependência ? Para aqueles que veem de fora, sim; mas para quem compreende, não. O juízo sobre certas drogas está marcado pela desastrosa experiência que nossa sociedade urbana sofre. Esquece-se dos muitos medicamentos que salvam as vidas, e dos quais, muitas vezes se abusa, que são drogas.
As culturas que utilizam enteógenos, como o Peiote no México, a Coca, o São Pedro nos Andes, a Ayahuasca na selva; o fazem, como um meio para adquirir sabedoria, comunicar-se com os espíritos ou diagnosticar enfermidades.
Durante uma sessão de Ayahuasca, Mateo Arevalo, disse que a palavra alucinógeno, não tem tradução no dialeto shipibo, e afirma :
– ” Por mais que os homens da ciência a estudem e tomem, nunca vão captar a essência da cultura nativa. Veem só o mundo das alucinações, esses estudiosos tomam desta forma, mas nós tomamos como medicamento.”
Um cerimônia de Ayahuasca é coisa séria. O Curandeiro só, ou acompanhado por seu aprendizes, buscam um lugar preferencialmente tranquilo para concentrar-se. Realiza rituais antes de tomar, rodeado de objetos mágicos : a pipa (cachimbo) da onde flui seu poder, o tabaco, as ervas e perfumes e as “Arcanas” (escudo) que os defende do mal. O curandeiro determina a dose que cada um deve tomar e serve em taça um líquido forte e amargo que se bebe por turnos. Feito isso, espera-se entre 10 a 30 minutos, até que aparecem os primeiros efeitos que eles chamam de “mariaciones”. Entram então, numa espécie de transe acompanhado de sensações de “mareo” (náuseas), e pouco a pouco vão aparecendo as visões. Mateo prefere chamar “visões” porque alucinar implica confusão e perturbação da razão, quando o que sucede é exatamente ao contrário : lucidez.
O curandeiro, com uma forte disciplina, dedicação, e tomando muitas vezes, aprende a controlar, manejar e orientar a visão. A capacidade do xamã se define pela abstinência, não come comidas pesadas, carnes, não toma álcool e tampouco tem relações sexuais, em dias que antecedem a sessão que poderão ir de 1 a 7 dias, dependendo do tipo de trabalho a ser realizado. Sai por meses selva-a-dentro , com o propósito de meditar, enquanto seu mestre se encarrega de alimentá-lo e orientá-lo.
Mateo explica, que quando toma, é como um funil dirigido para cima, e que ele se projeta até a luz que está no final do funil, onde já não existem perigos, nem demônios. Mas, antes de chegar a isso, deve enfrentar a tudo. Para ele é necessário cantar os versos sagrados (icaros) e invocar as arcanas (escudos) para afugente as perturbações.
Muitas dessas crenças permanecem na mente da gente da selva, apesar das mudanças na civilização. Uma pessoa da cidade não obtém as mesmas visões, porque desconhecem as suas crenças.
O que vemos, necessariamente forma parte de nosso próprio mundo interno, ainda que nos apresente como algo que se mostra de fora.
Temores mais profundos se apresentam como monstros de ciência e de ficção, que aterrorizam como um cinema. Para um nativo podem ter a forma de um animal selvagem, para um católico pode parecer como um diabo. Finalmente, tudo depende da cultura que cada um pertence, e dele mesmo, é claro !