Célula-Mater – Sibéria
Xamanismo Siberiano
O termo xamanismo, criado por antropólogos, é um guarda chuva que compõe todas as práticas ancestrais que mantém relação com o Sagrado, divindades, espíritos, estados alterados de consciência. Mas, estudos mostram que o xamanismo sobreviveu desde a época do paleolítico. Nada impede de pensar que AS TRADIÇÕES SÃO MUITO MAIS ANTIGAS AINDA.
Segundo *Alex de Montial*, uma das mais antigas descrições do xamanismo da humanidade foi feita no século XIII por caçadores noruegueses que entraram no território da Lapônia; depois, no século XVII, o fundador da seita dos Velhos Crentes, o ortodoxo Avvakun, foi o primeiro a relatar as práticas xamânicas das populações norte-siberianas.
Montial encontrou fenômenos xamânicos similares entre os esquimós, entre os índios da América do Norte, da América Central e da América do Sul; na Oceania, na Austrália, no sudeste asiático; e, enfim na Índia, no Tibet e na China. Cada uma das práticas adaptadas a cada cultura, mas com o mesmo conteúdo espiritual.
*Mircea Elíade* em “O Xamanismo”, aborda os aspectos do xamanismo siberiano que são difusos em todo o mundo:
” As relações especiais com os “espíritos”, habilidades extáticas que permitem o voo mágico, a ascensão aos Céus, a descida ao inferno, o domínio do fogo etc., se revelam, na zona em questão, integrados numa ideologia particular que valida técnicas específicas.
Tal xamanismo “stricto sensu* não está restrito Ásia central e setentrional. Encontram-se isoladamente, certos elementos xamânicos em diversas formas de magia e de religião arcaicas; é grande o interêsse que despertam, pois mostram em que medida o xamanismo propriamente dito conserva um fundo de crenças e técnicas “primitivas” e em que medida ele inovou.
Por mais que domine a vida religiosa da asia central e setentrional, o xamanismo não é a religião dessa imensa área. Só por comodismo ou confusão terá sido possível considerar como xamanismo a religião dos póvos árticos ou turco-tártaros. As religiões da Ásia Central e setentrional extrapolam em todos os sentidos o xamanismo, assim como qualquer religião extrapola a experiência mística de alguns de seus membros privilegiados.
Os xamãs são eleitos e, como tais, têm acesso a uma zona do sagrado inacessível aos outros membros da comunidade. Suas experiências extáticas crescem, e ainda exercem, poderosa influência sobre a estratificação da ideologia religiosa, sobre a mitologia e os ritos das populações árticas, siberianas e asiáticas não são criações de seus xamãs. Todos esses elementos são anteriores ao xamanismo ou, pelo menos, são paralelos a ele, no sentido de que são produto da experiência religiosa geral, e não de determinada classe de seres privilegiados e extáticos. Ao contrário, observa-se freqüentemente o esfôrço da experiência xamânica (isto é extática) para expressar-se por intermédio de uma ideologia que nem sempre lhe é favorável.”
Para Montial, a maioria dos povos politeístas siberianos, o panteão é dividido em duas grandes classes de deuses :
* Os Superiores
* Os inferiores
São oito os deuses Superiores e cada qual habita a um estágio da grande abóbada celeste :
“Seu rei, Art-Toïn-Aga, reside no nono céu. É totalmente insensível aos problemas humanos, assim como os outros grandes deuses, cujo temperamento tende a ser mais passivo do que ativo. A esses, o xamã sabe que seria inútil dirigir qualquer prece; quando muito ele pode, durante uma celebração ritual , praticar um sacrifício por intenção de um deus. Mas, por razões de eficácia, ele trata de preferência com deuses menores que o acompanham.
As divindades infernais são igualmente em número de oito, tendo à testa o Todo´Poderoso Senhor do Infinito Ulon-Toïon. embora reinando em planos subterrâneos, ele trata Art-Toïn-Aga como amigo e paradoxalmente permanente no terceiro céu, para os lados do ocidente. simboliza a existência cheia de lutas e sofrimentos inevitáveis. Mas a prova de remorsos, é ele quem concede aos homens e ao fogo e foi ele quem enviou a águia para aliviar-lhes as provações. Foi ele ainda quem criou as florestas, os animais e os bosques. Ao seu redor gravita uma multidão de espíritos maus, com os quais o xamã mantém relações familiares, como o faz com deuses celestes menores. Tendo em vista a ambivalência bastante complexa dessa hierarquia divina, compreende-se por que o xamã vai servir, ao mesmo tempo,às entidades Superiores e as Inferiores, que não podem ser qualificadas fundamentalmente más.
Assim, graças as suas experiências estáticas, o xamã é o único ser capaz de penetrar no mundo subterrâneo dos espíritos errantes e dos demônios. Ali, sobrevoando em seu cavalo-tambor um imenso e consistente nada, povoado de ossos e de cadáveres de xamãs malogrados, ele vai zombar da morte e antecipar suas armadilhas. Para ele cada viagem ao inferno pode ser a última, pois, mesmo que conheça bem essas regiões proibidas, o risco de aí perder-se permanece grande. Na maioria das vezes ele tem a missão de procurar a alma de um doente capturada pelos demônios; com a ajuda de seus espíritos auxiliares, que o acompanham por toda a parte de seu transe, ele deve suborná-la, enganá-la , convencê-la e capturá-la para fazê-la reintegrar o corpo de seu paciente. M
Ma há também o psicopompo:pede-se por vezes para companhar a alma de um defunto ao Reino das sombras, de tal sorte que ela não venha incomodar a família e vagar à noite em busca de sensações antigas. ”
Entre os povos da Sibéria e da Mongólia, o Universo é concebido como um organismo vivo. A estrela polar era unhas celeste. Os xamãs altaicos decoravam seus tamborres com os símbolos de Vênus e da Constelação da Ursa Maior. Para os xamãs buriatas a Arvore do mundo estava conectado com o Rio do Mundo que interligava todos os três mundos. Na cosmologia, o universo está também associado com animais , tais como os alces o Mestre dos Animais.
A cosmologia siberiana Universo tem um tripé composto do alto. Abaixo Piers Vitebsky :
” Os povo siberianos acreditam tradicionalmente que o mundo se divide em três níveis. os seres humanos vivem no nível médio, mas o mundo superior, no céu, é atingével por intermédio de um pequeno orifício. Este mundo tem uma superfície sólida (até é povoado por animais) e divide-se em vários níveis. os caçadores do extremo norte acreditavam que havia apenas três, mas mais a sul, em resultado da influência dos impérios e das cortes próximas, muito mais se consideravam, pensando-se que o governante supremo Bai Ulgen, vivesse no nono ou sexto nível. do mesmo modo, o mundo inferior encontra-se dividido em diversos níveis e era freuentemente considerado o reino dos mortos. Estes outros mundos eram parcialmente como os nossos, com montanhas com rios e com criaturas. Os Nganasãs estavam convictos de que o mundo inferior era muito frio, e vestiam os mortos com peles próprias para o inverno. os Iacutos, pelo contrário, pensavam em que o céu é que era frio, e, por vêzes, os xamãs regressavam de uma viagem até ao céu totalmente cobertos por cristais de gelo.
há vários tipos de xamãs, ate no mesmo acampamento. uns eram curandeiros, outros descobriam a caça, outros ainda afastavam os maus espíritos ou entravam em contato com os mortos. a idéia do xamã puro ou ideal, tal como a apresentada por Elíade torna-se cada vez mais difícil de sustentar em qualquer pesquisa nesta região social e ecologicamente diversificada.
De um modo geral, segundo Piers, há duas grandes tendencias que constituem o padrão religioso da região. a que sem duvida tem mais atraido a atenção apresenta um xamã que participa nas forças imanentes do mundo, quer sejam humanas, animais ou elementos como água, o vento. Neste tipo de xamanismo, o xamã se transforma em qualquer coisa para além dele próprio, como, por exemplo, num animal. Estes xamãs são capazes de viajar até o céu, geralmente com a finalidade de alterar uma situação desfavorável, como um doença.
O outro tipo associa-se com o culto do céu e montanhas. Os locais de culto, constituidos por um amontoado de pedras com um pau vertical no cimo, mantém-se populares e designam-se por *oboo* na Mongólia e regiões vizinhas. os xamãs de segundo tipo raramente entram em transe e, em vez disso, concentram-se na oração e no sacrifício. estes xamãs não se transformaram em animais nem viajam até o céu. Entre os Buriatas e os Iacutos, as diferenças correspondem a uma classificação nativa dos xamãs, em brancos e pretos. Falndo de um modo geral, os xamãs pretos entram em transe e contatam com espíritos do mundo subterrâneo e da doença, enquanto os xamãs brancos não entram em transe, mas invocam bençãos para os homens e para os animais domésticos, concedida pelos deuses e pelos espíritos do mundo superior. Estes xamãs brancos correspondem ao que noutras partes do mundo se designa por sacerdotes.
Quando a religião está intimamente relacionada com a ecologia, as alterações ao meio ambiente e ao modo de viver são acompanhadas de alterações nas estruturas religiosas e no comportamento. entre as pequenas tribos de caçadores de renss e de pastores, como sejam os Evencos e os Iucagires no norte e no nordeste da Sibéria, o xamã era um chefe de clã e negociava com espíritos sobre as almas dos animais que iriam ser caçados. para os lados do Noroeste e por exmplo entre os Nganasãs, o xamã estava menos ligado ao clã, visto este se encontrar mais disperso.
Na costa do pacífico, entre os Tchuktcis e os Coriaques, o clã era fraco e as familias podiam executar alguns dos seus próprios ritos xamânicos. Onde houvesse xamãs profissionais estes estavam relativamente pouco ligados aos grupos sociais e executavam truques particularmente espetaculares a fim de conservar os seus clientes.
Era muito diferente p contexto do xamanismo no Sul da Sibéria e na mongólia. As grandes manadas davam origem a comunidades maiores e clãs fortes. Além disso a influência do budismo, desde a Idade Média para cá, conduziu a uma cosmologia mais elaborada, e o xamanismo estava mais fortemente institucionalizado. Além de curandeiros os xamãs serviam de sacerdotes que realizavam sacrifícios. Na Mongólia e na Sibéria do Sul, o xamanismo competia com o budismo tibetano, designado por lamaísmo.