Contrariando Mircea Eliade: A Sabedoria Ancestral Africana e as Portas do Êxtase Xamânico
Mircea Eliade, um guardião dos estudos espirituais e das práticas ancestrais, trouxe ao mundo uma visão profunda sobre o xamanismo, revelando as trilhas invisíveis percorridas pelos curadores e visionários de diversas partes do planeta. Sua obra “Xamanismo e as Técnicas Arcaicas de Êxtase” iluminou muitos caminhos, mas como a grande Árvore da Vida, cujos desejos se estendem para muitos lugares, uma de suas raízes não foi tocada: a essência xamânica que pulsa na Mãe África.
Na vasta tapeçaria da sabedoria espiritual africana, tradições como o Bwiti no Gabão, com o uso da sagrada Iboga , destacam-se como chaves que abrem portais para o êxtase e a cura. A Iboga é mais do que uma planta, ela é um espírito guardião, uma ponte entre o mundo físico e os reinos dos ancestrais. Quando consagrada e honrada, ela leva o praticante à jornada interior, onde o espírito encontra sua essência e cura suas feridas, em profunda comunhão com a sabedoria cósmica e a Terra.
No entanto, Eliade, ao traçar o mapa do xamanismo em sua obra, não navegou pelas águas profundas da tradição africana. Assim como o Grande Espírito sopra os ventos em todas as direções, o xamanismo africano também carrega o mesmo sopro de transcendência, conectando o ser humano ao divino. O uso de Iboga e a comunicação com os ancestrais são práticas que refletem exatamente aquilo que Eliade chama de êxtase — o desvelar da alma, o encontro com os espíritos e a comunhão com os mistérios da existência.
Eliade, embora tenha sido um grande explorador dos mundos invisíveis, deixou de lado essa fonte abundante de sabedoria africana. Talvez tenha faltado a visão de que o coração africano, com seus tambores e cânticos sagrados, também guia os caminhantes para o êxtase, para o reencontro com o Grande Espírito. O silêncio de Eliade em relação ao xamanismo africano nos leva a questionar: por que ignorar uma tradição tão rica e poderosa, que revela o profundo diálogo entre a natureza, o espírito e a consciência?
No xamanismo, aprendendo que não há uma única estrada, mas muitos caminhos entrelaçados. Cada cultura carrega uma chama sagrada, e o fogo do xamanismo africano brilha com a força dos ancestrais e a sabedoria das plantas. A Iboga, como a Serpente da Terra, desperta a energia adornada e conduz o praticante para o centro de si mesmo, onde as visões sagradas florescem como uma árvore frutífera. Esta prática, que oferece a oportunidade de morrer e renascer na vida, é uma expressão clara do êxtase xamânico — e é uma jornada que não pode ser ignorada.
Ao olharmos para essa lacuna na obra de Eliade, devemos lembrar que o xamanismo é uma teia viva que une todas as tradições. A ausência de um estudo aprofundado sobre o xamanismo africano em sua obra pode ser vista como um convite: o chamado para explorarmos e honrarmos as tradições que ele não traz. Assim como as estrelas guiam os viajantes noturnos, o xamanismo africano nos mostra que o êxtase e a cura podem ser encontrados em qualquer parte do mundo, desde que abramos nossos corações e ouçamos os espíritos da terra.
Espero que xamãs de todos os cantos, considerem o poder da África, a Mãe Ancestral, que continua a ensinar e curar, através de suas plantas sagradas e da comunhão com os espíritos. O xamanismo africano não é apenas uma prática, é uma dança eterna com a vida e com a alma, e merece ser celebrada, reconhecida e vivenciada. Afinal, todos fazemos parte do círculo sagrado, e cada tradição, cada caminho, enriquece nossa jornada de cura e reconexão com o Grande Espírito.
Por todas as nossas relações. Que a sabedoria da África seja honrada em nossa caminhada.