Mitos
Em Caos, Criatividade e o Retorno do Sagrado, Ralph Abraham, Terence Mackena e Rupert Sheldrake, fazem algumas citações sobre rituais e cerimônias, que resumo abaixo :
A palavra mito vem de Mythos, que quer dizer “poema lírico” ou palavras de cânticos rituais.
Os mitos conquistaram o poder que ora desempenham em nossas vidas conscientes e inconsciente graças ao seu papel secundário nos rituais.
Os antigos rituais eram, efetivamente, meios de fazer com que as formas celestes descessem do nível da alma, atravessando o nível do espírito, e chegassem até o corpo. Em nossa cultura, tendemos a nos mudar para cidades que afastam a natureza de nós. Em nosso ambiente mental, fazemos a mesma coisa. A maioria das pessoas vive dentro de um conjunto muito convencionalizado de noções que se acham profundamente embutidas num conjunto maior de noções.
Quando nos dirigimos para as fronteiras físicas, como por exemplo, o deserto, a mata virgem e a natureza remota e selvagem, e qundo nos aproximamos das fronteiras mentais por intermédio da meditação, dos sonhos e das substâncias psicoativas, descobrimos na imaginação uma flora e uma fauna extremamente ricas.
Talvez uma percepção mais aguda do interface entre o consciente e o inconsciente, desenvolvida numa ocasião – através da experiência mística, das visões psicodélicas e das viagens xamânicas – revele reinos de experiência dos quais normalmente não estamos conscientes.
Podemos trazer ao consciente outros reinos de experiência por meio de práticas rituais, como, por exemplo, o ciclo anual de festivais encontrados em todas as religiões. Por intermédio de práticas rituais que ainda se encontram em quase toda a parte, até no Ocidente – incluindo festivais judaicos, o calendário católico dos santos, e os festivais mais importantes, como a Páscoa e o Natal, diferentes dimensões são trazidas à percepção.
Em “A Mitologia Pessoal”, David Feinsten e Stanley Krippner, definem o ritual como um ato simbólico que celebra, reverencia ou comemora um evento ou processo na vida do indivíduo ou da comunidade. Os seres humanos são extraordinariamente flexíveis, e todas as sociedades criam rituais que expressam o desenvolvimento individual, proeza consequente na engenharia humana. Traços de caráter que servissem às necessidades do clã eram encorajados, e as paixões individuais e aspirações espirituais direcionadas em benefício da comunidade.
Os rituais tendem a fortalecer a harmonia com os ritmos da natureza, estabelecer as tarefas da evolução individual ou comunitária ou a ligação com os aspectos do cosmos considerados sagrados ou divinos. Um ritual pode remontar a cem anos atrás ou ser elaborado numa ocasião contemporânea. Pode ser realizado regularmente, ocasionalmente ou numa única vez, bem como ser particular ou grupal.
Um exemplo de ritual particular : uma carta de adeus escrita e depois enterrada ou queimada acompanhada de um cerimonial. Rituais públicos costumam ser realizados de maneira determinada e seguindo uma certa ordem, tais como formatura, casamento ou funeral.
Podem ser conduzidos por uma família, um pequeno grupo ou uma comunidade inteira. Os rituais são acompanhados ou não de palavras, de música ou de técnicas de alteração da consciência, tais como a dança rodopiante dos dervixes suifis, as cerimônias com peiote dos nativos americanos ou o arrebatamento delirante de um concerto de rock.
Para Joseph Campbell, o ritual é a representação de um mito. o “Dictionary of Sacred Myth de Tom Chetwind, afirma : Os ritos expressam a experiência viva da Alama coletiva transmitida de geração a geração.
Em “Cavalgando o Dragão” Roselle Angwin explica que a a raiz indo-européia da palavra “ritual” significa “reunir, juntar”.
Os rituais servem a diversas finalidades, entre as quais estão : a representação de uma intenção, a liberação do inconsciente por meio do consciente e a comunicação através de gestos ou símbolos com o inconsciente e o supraconsciente
Mais do que compreender, permitindo-se vivenciar, e, no estudo anterior, vimos que os rituais são uma forma de vivenciar “o mito”. Segundo Campbell, os mitos são pistas para potencialidades espirituais da vida humana. Quero, juntos com vocês, estudar essa “password” para entrar numa rede de poder que são os mitos. Para tanto, além do que aprendi, vou compartilhar, como organizador, de alguns textos de estudiosos e, convidando os assinantes que queiram colaborar com textos ou perguntas para alargarmos o entendimento desse tema fundamental no xamanismo e em todos os sistemas mágicos e religiosos do planeta.
Sthephen Larsen em Imaginação Mítica, crê que o renascimento dos mitos, que está se processando, não é simples moda. Nos tempos modernos, os mitos têm sido vistos como ilusões, mas, se assim é, são ilusões que ainda conservam o poder, como disse Joseph Campbell, de “levar adiante o espírito humano ”
Uma psicóloga, identificou o mito como o DNA cognitivo e emocional da psique – sempre novo, sempre gerador, e ao mesmo tempo tão velho como os montes que guardam os velhos segredo de nossa raça. A mente limpa e aberta da criança cria e compreende os mitos intuitivamente, ao passo que o psicoterapeuta, o escritor criativo e o erudito trabalham demoradamente para explorar os ricos veios de sabedoria e inspiração criativa que o mito encerra.
E ainda agora, a mitologia surge como um legado de todo um planeta. Para compreender outros povos e outras culturas e as imagens que compartilhamos – ou deixamos de compartilhar com nossos semelhantes, temos de aprender novamente uma língua aborígine : a língua universal da imaginação humana. Com seu inexaurível vocabulário de símbolo e história, ela é ao mesmo tempo nosso direito de nascimento ancestral e o poço sempre cheio dos sonhos, para qual olhamos para descobrir nosso futuro. Chamo esse nosso recurso inato de : “Imaginação Mítica”.
Carl Jung concluiu em 1911 um livro revolucionário sobre a doença mental, A Psicologia do Inconsciente. Alguns anos depois, escreveu:
Mal eu havia terminado o livro, ocorreu-me o que significa viver com um mito e o que significa viver sem ele. O mito, diz um pai da Igreja, é “aquilo em que todos, por toda a parte, acreditam”; portanto, o homem que acha estar vivendo sem mito, ou fora do mito, é uma exceção. Ele é como um homem sem raízes, não tem um elo autêntico com o passado, ou com a vida ancestral que continua dentro dele, ou ainda com a sociedade humana contemporânea.
Jung dedicou sua vida a mostrar que só pela compreensão dos mitos podemos realmente compreender a psicologia, e vice versa. A mitologia proporcionou a base para o entendimento dos sonhos e das imagens simbólicas do homem moderno.
H.P. Blavatsky descreve o mito :
Comumente se entende por mito uma fábula ou ficção alegórica, que encerra no fundo uma verdade geralmente de ordem espiritual, moral ou religiosa.
Porém é preciso levar em conta que antigos escritores davam à palavra mythos o significado da tradição, palavra, relato, rumor público, etc., e que a palavra latina fábula era sinônimo de alguma coisa dita, ocorrida em tempos pré-históricos e não necessariamente uma ficção ou invenção.
Os mitos tem um duplo significado. Muitos deles resultam em realidades e a maior parte não são invenções e sim transformações, pois tem como partida fatos reais.
Os mitos são fábulas na mesma proporção em que os compreendemos mal e são verdades na proporção em que eram compreendidos noutro tempo.
Os mitos tiveram e têm ainda ainda, para as massas populares, o valor de dogmas e realidades e constituem a base das religiões exotéricas.
Em “Cavalgando o Dragão, R.Angwin cita Robert Bly ” a mitologia tem por objetivo a alma, da mesma maneira que a filosofia tem por objetivo o cérebro “. Descreve que os sonhos, os mitos, as lendas e os contos de fada nem sempre são aquilo que parecem ser. É muito fácil considerá-los irrelevantes, infantis e simplesmente mentirosos ou supertições mais próprias às culturas ingênuas e “primitivas” que à vida moderna. Entretanto, ignorando-os assim estaremos nos impedindo o acesso a uma riquíssima fonte de alimento, pois o que eles realmente são é um repositório de sabedoria, constituindo retratos de paisagens interiores tão fiéis e válidos quanto as paisagens exteriores. Apesar de muitas vezes darem a impressão de representar fatos históricos ou fictícios, eles na verdade são mapas de jornadas interiores psicológicas ou espirituais.
Os mitos incorporam verdades universais que podem guiar-nos rumo a algo mais profundo em nós, algo que está além do intelecto.
Se pudermos dar-lhes ouvidos, os mitos demonstrarão ser muito mais do que simples histórias; à medida que vão ganhando vida, tornam-se veículos de profunda compreensão psicológica e espiritual, além de propiciarem mudanças duradouras.
Os mitos são povoados de arquétipos. Estes são a encarnação de padrões de energia subjacentes e universais que informam nossas vidas, constituindo uma espécie de planta baixa dos multifacetários aspectos da vida humana, de forças que se manifestam através de qualidades, instintos, comportamentos e características que partilhamos com os demais seres humanos, independente de sexo, nacionalidade ou condicionamento.
Os arquétipos do inconsciente pessoal falam através de símbolos nos sonhos individuais e os do inconsciente coletivo, através de símbolos no sonho coletivo, o mito.