O que é um Xamã
Em cada clima e cultura surgem almas que vivem a hora mágica da realidade. No texto, *Craig Chalquist* , fala que os xamãs são iniciados numa maneira consagrada de ser, sua ocupação está no não ordinário, no interior, na iluminação pelos sonhos, no intangível. Não sendo nem sacerdotes, nem curandeiros, algumas vezes funcionam como tal, são chamados de feiticeiros, magos, psíquicos, yogis, médiuns, místicos, videntes, bruxos.
Têm sido tocadores de tambor e dançarinos, artistas e atletas, treinadores e embusteiros, sábios e guerreiros. Mas, qualquer que seja seu papel, caminham pela Senda da mediação entre a paisagem cotidiana e o reino dos arquétipos. Com um pé em cada cavalo, aventuram-se, entrando e saindo de estados alterados de consciência.
“Xamã” é a versão de “Saman” (shah-man), substantivo e verbo dos Tungus da Sibéria. Onde quer que se encontre, o Xamã, feminino ou masculino, é o especialista da comunidade nas relações do além, do outro mundo, o mundo superior e o mundo interior, um esgrimista do mundo sobrenatural, um expert do êxtase. Seja curando, guerreando, predizendo, mudando o clima, cozinhando ervas, fazendo máscaras, acompanhando as almas mortas ou localizando as perdidas, executa um papel de mestre das operações do inconsciente.
A consciência xamânica não é simples hipnose, fantasia, possessão, contorção, depressão, terror ou intoxicação, ainda que possa se apropriar dessas coisas. Tocando o tambor ou ingerindo uma planta de poder, sonhando lucidamente ou caindo em transe, o xamã permanece focado e consciente, sabendo bem que as viagens internas não significam nada a menos de que seus frutos são trazidos de volta e transformados em realidade mediante os rituais, danças, palavras, arte, música ou sessão de cura (especialidade mais frequente do xamã), vertendo o poder acumulado do outro lado em atividades úteis aqui.
Alguma das artes criadas pelos xamãs para tais realizações incluem : tocar tambores, música, acrobacia, teatro, arquitetura, escultura, entalhes, pintura, pintura em areia, pintura corporal, tatuagens, mudrás, talismãs, malabarismos, ilusionismos, ventriloquia, cultivo de plantas, astronomia, metalurgia, pirofagia, treinamento de animais, escrituras e as artes da navegação.
Tais proezas requerem um treinamento rigoroso e muitos anos de paciente prática. Por outro lado, a instrução xamânica tradicional é supervisionada externamente por outros xamãs e internamente por seres ou guardiães espirituais que oferecem sua amizade e outorgam poder ao aprendiz. Os seres espirituais são particularmente importantes : nenhum xamã se converte em xamã sem receber uma senha de aprovação transpessoal deles.
Algumas práticas da Nova Era dão a entender que converter-se em xamã implica simplesmente em acender incenso e fazer algumas visualizações dirigidas ( razão pela qual a maioria do que hoje em dia se anuncia como xamanismo, é mera conversa!!).
O sentido do chamado de um autêntico xamã não é um capricho e sim legado de uma vocação perigosa. É transformador, muda o curso da vida, esmaga temporariamente o ego, com meios, as vezes tão dolorosos, que chegam ao pânico. Como descreve Alce Negro :
“Quando chega uma visão dos seres do trono do Oeste, chega com terror como uma tormenta de relâmpagos.
Mas quando passa a tormenta da visão, o mundo é mais verde e mais feliz, pois onde a verdade da visão cai sobre o mundo, é como uma chuva.
Verá que o mundo é mais feliz depois do terror da tormenta. ”
Uma das formas de chamado chega como uma crise mental ou física, considerada incurável pelos métodos normais. Para assumir sua vocação o iniciado deve curar-se a sí próprio. Durante esse processo, a cura simboliza uma espécie de morte, particularmente a morte de uma parte de si mesmo com a qual o iniciado tem a tendência de identificar-se; talvez hajam sonhos de enterros, desmembramentos, substituição dos olhos ou ouvidos, transformações de órgãos ou ossos.
O velho se expira e o novo assume a responsabilidade de aprender a geografia do não-ordinário que começa a abrir-se rapidamente frente a ele. Aprendizado que incluem nomear objetos, poderes, lugares e seres de outros mundos e transferir seus poderes para a vida cotidiana.
Desde que tais poderes abundam no mundo percebido pela consciência xamanística, o xamã vê a natureza como um sistema espiritual-energético e observa cuidadosamente seus equilíbrios e interdependências. A princípio, os antropólogos atribuíam a perspectiva xamanística a um animismo primitivo. Hoje, na sinceridade do xamã , há os espíritos ou essências das coisas animadas e inanimadas. Podemos ver que há um respeito pela vida, que o nosso mundo, tão devastado ecologicamente, não pode prescindir.
Ainda que os xamãs são encontrados em todos os lados, o grau de sua aceitação varia. A inquisição, por exemplo, os exterminava. Entretanto, muitas sociedades nativas tem honrado o xamã e valorizado seus conhecimentos.
Os ocidentais modernos que entendem literalmente o que escutam sobre os animais de poder e sobre as viagens da alma, ostentam uma idealização infantil das habilidades do xamã, menosprezam, considerando-os como remanescentes de outras épocas.
Nenhuma dessas perspectivas compreende a vitalidade simbólica das práticas xamânicas, nem a profundidade insondável dos domínios do xamã : a psique arquetípica, tão extensamente inexplorada. Na linguagem de Jung: tal qual a alquimia, o xamanismo expressa uma forma projetada particularmente pura da psicologia do inconsciente coletivo.
Mesmo sendo a relação mais antiga da humanidade com o espirito, o xamanismo é um conjunto de habilidade e práticas acumuladas pacientemente e não uma religião. Não há clero, igreja, credo, missão ou coleção de crenças eclesiasticamente corretas. O tecnicismo de seu estabelecimento empírico faz o espiritual se distinguir das facções tantos legalistas como liberal de uma religião, liberando-o para poder brindar com apoio e trabalhar ao lado dela.
Um místico, não é necessariamente um xamã, ainda que muitos xamãs entendem de misticismo. A diferença entre os contemplativos que chamam de “consciência divina”, o êxtase do xamã (de ekstasis – ser colocado para fora, destacar-se) não busca o autoconhecimento ou a união com deus, sem trabalhar as forças para obras concretas aqui e agora, como a cura, a terapia, a arte e a restauração da harmonia comunitária. O xamã não é um santo e sim um condutor, um aparelho, um canal familiarizado com as polaridades internas, tanto luminosas como obscuras, que geram poder.
Os temas que se repetem nas vidas de xamãs autênticos são:
* Uma percepção de que é diferente; incapacidade de se encaixar completamente; uma postura intuitiva ou espiritual da vida , sente-a mais intrínseca do que aprendida.
* Ser eleito por um chamado xamânico ao invés de eleição. O chamado manifesta-se como um sucesso que altera a vida, de intenso significado pessoal e espiritual; sentimentos de culpa, êxtase ou falta de mérito; temer a loucura; afirmações sincrônicas do chamado; enfermidades caso o chamado não seja atendido.
* Largo período de enfermidade física ou psicológica incurável pelos métodos tradicionais: se o xamã potencial pode curar-se a si próprio, penetrando suficientemente dentro de si mesmo, passa a verdadeira iniciação, mesmo que depois atravesse por outras menores.
* Possuir um histórico familiar de iniciações xamânicas (por exemplo: um avô que foi um xamã), ou referências internas de seus ancestrais ( por exemplo uma figura nos sonhos que declara : Antes foi seu avô, agora é a sua vez)
* Treinamento de técnicas de alteração de consciência, sob a condução de guias tanto internos como externos.
* Manifestações espontâneas de cura dentro da comunidade, com ou sem a proximidade física do xamã; um nítido aumento de incidentes positivos que desaparecem quando o xamã abandona a área.
* Fácil reconhecimento de sucessos sincrônicos ( considerados sinais ou augúrios).
* Tatuagens, perfurações, escarificações ou outras marcas, podem significar uma importante lição de vida, cura ou iniciação.