Popol-Vuh
O Popol-Vuh é o livro sagrado dos maias, que relata o mito da Criação e expõe a evolução da humanidade com suas criações diversas e seus cataclismos sucessivos.
No início, só emergiam do caos primitivo o céu e a água. Nada havia senão a imobilidade e o silêncio da noite. Então Gukumatz e Hurakan fizeram a Terra surgir. Revestiram-na com florestas, pradarias, rios, que povoaram com toda a espécie de animais. Mas estes animais não eram capazes de render homenagem aos deuses. Foram destinados então para servirem de alimento. Os deuses criadores modelaram a seguir criaturas de argila que se revelaram sem inteligência, sem sentimentos, incapazes de falar e honrá-los.
Decepcionados os deuses se apressaram em destruí-los, dissolvendo-os na água. Esculpiram desta vez seres de madeira que falavam, comiam, procriavam, mas sem expressão em seus rostos, desprovidos de sentimentos e ignoravam seus deuses criadores. Estes Pinóquios sem alma, foram exterminados com um grande dilúvio.
Então os deuses amassaram grãos de milho e modelaram os quatro homens iniciais, dotando-os de sentidos muito aperfeiçoados. Os deuses lhes sopraram os rostos e o olhar deles se velou, sua visão logo espreitou-se. Os deuses deram-lhes esposas. Desde então a aurora enrubesceria no nascente, ao mesmo tempo que a Estrela da Manhã anunciaria o Sol. Estes humanos conheciam o cerimonial religioso, deram satisfação aos deuses que os aceitaram e receberam sua homenagem.
É bom que se saiba, que no pensamento maia, não é o aparecimento do homem que é ponto culminante da criação, mas sim o da aurora. Além de que todos os atos criadores, quer deem nascimento ao mundo ou às espécies humana, animal ou vegetal, se realizam regularmente de noite e devem estar concluídos ao alvorecer. Isso vigorou entre os Quiches e os Chortis.
Paralela a essa Criação em escala, outros mitos apareceram, como o dos dois gêmeos Hunahpu e Ixbalamque.
Hunahpu, acumula duas funções, é deus do milho durante o período agrário e deus do Sol durante o verão. As cerimônias do culto solar são celebradas de dia e as do deus agrário à noite.
Os Gêmeos transformam seus meios-irmãos que os perseguiam e depois, com artimanhas e sortilégios e depois, com artimanhas e sortilégios, apoderar-se dos apetrechos paternos para o jogo de pelota: aventais e escudos de couro, bolas de borracha, etc. O piolho mensageiro deles é engolido por um sapo, que é devorado por uma cobra, que por sua vez, é devorada por um pássaro. O mosquito faz o papel do espião, e seu cúmplice, o moscardo, fura o jarro da avós deles para atrasá-la.
Como os heróis da mitologia grega, os Gêmeos enfrentam ciclos de provas, mas são igualmente heróis civilizadores e a epopeia culmina com várias aquisições culturais de que eles são os promotores.
O POPOL-VUH, SUA INTERPRETAÇÃO
No decorrer de sua obra principal, R. Girard, se esforça por demonstrar que os dados míticos-históricos do Popol-vuh nos proporcionam uma visão panorâmica completa da cultura maia, de suas origens até o período histórico.
PRIMEIRA CRIAÇÃO
No horizonte primitivo, visualiza-se grupos humanos falando línguas diferentes, dedicados à caça e pesca e a coleta de frutos. Os traços típicos da época são: monoteísmo, monogamia, descendência patrilinear, sem culto nem ritos, nem animismo, nem fetichismo e nem totemismo. O homem vivia em cavernas. O Popol-vuh nos fornece um quadro patético de vida deste homem primitivo que luta contra o espectro da fome. Esta busca incessante de alimentos, deixava pouco tempo para a busca dos bens espirituais e artísticos. Estes seres da primeira idade se assemelham a criaturas animais.
SEGUNDA CRIAÇÃO
Assiste-se neste momento à uma mutação da ordem social, econômica e religiosa. O nosso caçador primitivo torna-se comunitário, reagrupando-se em clãs e torna-se hortícola e agrícola. Passam do regime patrilinear para o matrilinear. Um novo núcleo étnico resulta destes ajustes que se esforçam por harmonizar seus diferentes idiomas. O mesmo ocorre com a religião. O avó Ixmucane, desempenha o papel principal como personificação da deusa Luna-terrestre. Ela inventa a cultura das plantas e os seus filhos os Ahpu, são os primeiros deuses agrários. Eclode a criação dos Gêmeos, os heróis civilizadores que encarnam o princípio dualista inseparável do culto agrário e que se projeta num sistema social bipartite. Aos deuses e aos mortos são oferecidos alimentos.
As mulheres cultivam tubérculos que antes só existiam sem estado selvagem. A invenção do mó e da olaria derivam desta atividade. As primeiras bolas de borracha são comprimidas, permitindo jogar pelota (bola), instituição ligada ao culto astral. Surgem os rudimentos do calendário que é inaugurado com o cálculo das lunações. Há o culto do fogo e do lar.
A constituição de clãs que se tornaram rivais acarretou a invenção da guerra e o aparecimento dos sacrifícios humanos por decapitação e esquartejamento.
TERCEIRA CRIAÇÃO
Aqui acentua-se o predomínio da mulher, especialmente da avó. Essa preeminência se reflete na importância adquirida pela deusa lunar, também divindade da água e que comandava os 12 deuses da chuva. Na mitologia do tempo, três mulheres encarnam as fases da Lua, os astros são objetos de um maior estudo e o calendário se torna mais complexo. O alimento base se torna o feijão, mas seguem os tubérculos, o milho e o cacau.
O Popol-vuh afirma que esta é a fase da madeira. A arte de fiar e tecer o algodão se desenvolvem. Os povos se tornam definitivamente sedentários e a sociedade se estratifica.
Descobrem-se as propriedades do copal, ou incenso americano, muito usado em rituais. Hun-Batz e Hu-Chouen personificam um tipo de padre e do homem comum dessa Terceira Idade. Eles não se ocupam com o trabalho do campo (esfera das mulheres), mas dedicam-se às artes.
Assim a prosperidade econômica produziu os lazeres e estes estimulam a vida espiritual: artes, ciência e religião deram um passo à frente. No decorrer dessa Terceira Idade o sistema de descendência matrilinear desintegra-se em proveito do sistema patriarcal que irá impor-se na Quarta Idade.
QUARTA CRIAÇÃO
Esta época é marcada por profundas mudanças no regime social e econômico. O ciclo patriarcal agrário sucede aos costumes matrilineares do estágio anterior. A agricultura repousa quase que exclusivamente sobre o milho, cultivado e coletado pelos homens. Uma maior organização baseada num calendário Luni-solar e, não mais unicamente lunar, safras múltiplas e abundantes, eis aqui as diferenças entre o estágio hortícola precedente e a agricultura da nova idade. Assim também a avó, vê seu culto eclipsado pelo do jovem deus do milho, concomitantemente com o culto dos Ancestrais por ascendência masculina.
Essa Quarta Idade vê os clãs se organizarem num escalão superior. Uma autoridade teocrática preside esta nova ordem, nascida do crescimento demográfico e da mudança econômica. Estas atitudes provocam alterações na atitude religiosa e moral. Os sacrifícios humanos são substituídos pelo dos animais, os prisioneiros se tornam escravos e não mais são executados. O domínio de si mesmo, o pacifismo, o altruísmo no seio da comunidade, a justiça social, o amor ao trabalho, o respeito do direito de outrem e o sentimento de gratidão para com os deuses e os homens são alguns dos atributos inerentes aos povos do Maia Quiche.
No domínio arquitetônico, a pirâmide quase vertical com suas escadas, projeta esta elevação espiritual. Ao número das novas características acrescenta-se o calendário original, que não tem análogo em nenhum sistema cronológico do Novo ou do Velho Mundo. Eis aqui como se apresenta a Quarta Idade que é a nossa, esperando que uma nova catástrofe lhe ponha fim, para desembarcar na Quinta Idade, esperada e inevitável.