Transe e Êxtase

 

Por: Piers Vitebsky

Tremores, arrepios, pele-de-galinha, desmaios, queda no chão, espuma pela boca, olhos protuberantes, insensibilidade ao calor, ao frio e à dor, tiques, respiração ruidosa, olhar vidrado….são algumas das características do estado de transe. Como é possível que este tipo de comportamento represente sinais de um estado divino? Embora perturbantes para muitos, estas manifestações representam parte essencial de muitas das atividades dos xamãs deste mundo.

O estado de espírito do xamã durante a iniciação e atuações reveste-se de mistério. O estado de transe parece envolver a concentração da atenção numa área, acompanhada de uma reduzida consciência de tudo o que rodeia o centro da atenção.

 

A moderna discussão do transe faz-se vulgarmente em termos de um ou mais “estados alterados da consciência” ou mesmo até de um “estado xamânico de consciência”. Tanto para o xamanismo como para a possessão, é fundamental que ocorra um tipo qualquer de transe, embora o transe de um xamã, contrariamente ao de uma pessoa possessa, seja altamente controlado. Isto deve-se provavelmente à natureza da iniciação, que se desenrola e repete em prestações rituais.

Quer a menina sora (tribo aborígene da Índia), descendo em sonhos até o mundo subterrâneo, quer o futuro xamã siberiano, que, em visões, é raptado, torturado e desmembrado, ambos repetem partes das suas experiências de iniciação todas as vezes que fazem uma jornada, no decurso de seu trabalho. Durante a iniciação, o futuro xamã não teve o conhecimento e os recursos necessários para suportar os esforços do que ele ou ela vão passar, e a violência da experiência foi associada a incapacidade de a controlar. Na verdade, era muito semelhante a possessão involuntária. A partir do momento da iniciação, assinalada pela morte de si próprio e da sua personalidade, e a partir daí em ações regulares, o xamã opera agora como uma pessoa recém-formada ou muito melhorada.


O transe está intimamente ligado ao êxtase. Estas duas palavras são por vezes utilizadas indiferentemente, ou então o transe usa-se como termo médico, referido ao estado psicológico da pessoa, e o êxtase como termo religioso, essencialmente para o mesmo fenômeno. Todavia, o antropólogo americano Rouget argumenta que o transe e o êxtase deverão ser considerados como referentes a tipos muito diferentes de sensibilidade religiosa. Enquanto o êxtase implica a imobilidade, o silêncio e a solidão, o transe depende do movimento, do ruído e da companhia. O êxtase abrange a provação sensorial, enquanto o transe, pelo menos, envolve a superestimulação dos sentidos.

Rouget estabelece a comparação entre os marabus, ou homens santos muçulmanos, no Senegal “que buscam o êxtase no silêncio, e solidão em sua grutas”, com os praticantes do ndop, que entram em transe no meio de uma grande multidão, estimulados pela bebida, por uma dança frenética e pelo bater dos tambores.

Mesmo que aceitemos essa distinção, o êxtase e o transe coexistem em muitas religiões, e até mesmo em indivíduos. Os xamãs podem muitas vezes fazer uso da contemplação, como no caso da busca das visões, entre os índios norte-americanos.

No entanto, a ideia da própria jornada cósmica, com a luta que a caracteriza para vencer inimigos e ultrapassar obstáculos, explica a razão pela qual a experiência xamânica tende a ser vigorosa, em especial no xamanismo clássico.

 

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