Xamanismo – Judaísmo – Cristianismo
O xamanismo lança bastante luz sobre a tradição judaico-cristã. Acima de tudo, ele explica a figura do próprio Jesus, inclusive sua morte na Árvore (Sheldrake abaixo não emprega a palavra cross -cruz -, mas sim tree – árvore, lenha – sinônimo de “cruz” na patrística + teologia), sua descida aos infernos, sua ressurreição e sua subida ao Céu. Também nos permite ver as raízes arcaicas da revelação visionária, da profecia inspirada, da iniciação pelo batismo e dos miraculosos poderes de cura.
ASPECTOS XAMÂNICOS DO JUDAÍSMO E DO CRISTIANISMO
“Como também ocorreu com muitas outras pessoas nas duas últimas décadas, fiquei fascinado pelas tradições xamânicas, inclusive por aquelas que envolvem o uso de plantas psicodélicas.
Xamanismo é o nome dado por antropólogos à praticas de experiência visionária extática encontradas entre povos tradicionais em todo o mundo. As raízes do xamanismo são arcaicas, e alguns antropólogos chegam a pensar que elas recuam até quase tão longe quanto a própria consciência humana. As mitologias dos povos xamânicos, seu simbolismo e suas técnicas de cura, são, todos eles, baseados na experiência extática. Seus temas comuns são “a descida ao reino da Morte, confrontos com forças demoníacas, desmembramento, prova pelo fogo, comunhão com o mundo dos espíritos e das criaturas, assimilação das forças elementais, ascensão pela Árvore do Mundo, ou pelo Pássaro Cósmico, realização de uma identidade solar e retorno ao Mundo Médio, o mundo das ocupações humanas”
No livro de Samuel, lemos que “antigamente em Israel, indo alguém consultar a Deus, dizia:
‘Vinde, vamos ter com o vidente’; porque ao profeta (nabi) de hoje antigamente se chamava vidente” (1 Samuel 9:9).
A instituição do vidente do período nômade dos judeus foi modificada depois da conquista da Palestina, sob a influência dos nabiim, os profetas extáticos da religião cananita, tais como os profetas de Baal (1 Reis 18:19; 2 Reis 10:19). Os videntes não estavam ligados aos santuários, ao contrário dos profetas. Por exemplo, quando Samuel unge Saul rei de Israel, dá-lhe instruções para a viagem que irá fazer, incluindo a seguinte:
“Então seguirás a Gibeá-Eloim (a colina de Deus), onde está a guarnição dos filisteus; e há de ser que, entrando na cidade, encontrarás um grupo de profetas que descem do alto (do santuário), precedidos de saltérios e tambores e flautas e harpas, e eles estarão profetizando. O Espírito do Senhor se apossará de ti, e profetizarás com eles, e tu serás mudado em outro homem.” (Samuel 10:5-6)
Na igreja primitiva, os dons carismáticos do espírito Santo, incluindo os de curar, de falar em outras línguas e de profetizar, expressavam-se em estados que se assemelhavam à possessão xamânica.
Esses dons foram cultivados em diversas seitas pentecostais, e, graças ao recente florescimento carismático, são hoje amplamente invocados dentro da corrente principal do cristianismo, inclusive a igreja metodista, anglicana e católico romana.
A experiência visionária, às vezes induzidas por práticas tais como o jejum, é uma característica recorrente do misticismo cristão e, assim como a tradição profética dos hebreus, tem muitos precedentes nas visões extáticas dos xamãs. Neste século, formas psicodélicas exóticas do cristianismo surgiram na América, onde plantas psicoativas tradicionalmente utilizadas nas tradições xamânicas indígenas são hoje ingeridas cerimonialmente como uma forma de comunhão cristã. Uma igreja desse tipo é a Native American Church (Igreja Nativa Americana), na região sudoeste, que usa o cacto peiote, que contém mescalina.
Outra igreja está atualmente se difundindo entre os povos da floresta da Amazônia, com uma comunhão em torno da Ayahuasca ou Daime. A padroeira dessas igrejas amazônicas é a Virgem Maria sob a forma de Rainha da Floresta.
Rituais de iniciação, tais como a prática do batismo por imersão total no Rio Jordão, feita por São João Batista, eram claramente eficazes, num sentido que era mais do que “apenas simbólico”.
Muitos daqueles que foram batizados dessa maneira tiveram a experiência de morrer e renascer, fenômeno que é fundamental nos rituais de iniciação do mundo inteiro. Um processo semelhante ocorre espontaneamente nas experiências de quase-morte.
Essas experiências são caracterizadas por um padrão comum, incluem elementos tais como um esmagador sentimento de paz e de bem estar, a sensação de se ver fora do próprio corpo, de flutuar ou de ser impelido através de um vazio escuro, de se tornar consciente de uma luz brilhante branca ou dourada, e de se encontrar ou de se comunicar com uma “presença” ou “ser de luz”, ocasião em que é geralmente decidido o destino das pessoas, de ter uma visão panorâmica da própria vida, de entrar num mundo de sublime beleza e de reconhecer pessoas amadas já falecidas, de conversar com elas, e vários outros elementos transcendentais.
O fenômeno produz um efeito profundo na pessoa que passou por ele, e o fato do medo ser grandemente reduzido não é o aspecto menos considerável desse efeito.
A mim me parece muito provável que João Batista praticava o afogamento controlado. Se ele mantivesse os iniciados debaixo d’água por um tempo suficientemente longo, eles, de fato, poderiam ter a experiência de morrer e renascer, que lhes mudaria a vida.
Embora na maioria das igrejas cristãs a prática do batismo da criança muito nova por meio da aspersão da água signifique que grande parte da sua qualidade iniciática original se perdeu, os batistas conservam a prática de batizar adultos num ritual de imersão total, e são as igrejas batistas que enfatizam em maior grau a experiência do renascer. De fato, sua forma de cristianismo está centralizada nessa experiência de conversão.